Ao enfrentar incêndios, governo Lula avança pouco sobre anterior
O Globo
PT e Rede, hoje no poder, entraram na gestão
Bolsonaro com ação que levou Supremo a agir como Executivo
Os incêndios que se alastram pelas regiões
Norte, Centro-Oeste e Sudeste, lançando fumaça sobre 60% do território
nacional, despertaram uma reação insólita nas instituições. O Supremo Tribunal
Federal (STF)
passou por cima do Executivo e, por decisão do ministro Flávio Dino,
ordenou o deslocamento de forças policiais e bombeiros militares dos estados
não atingidos às regiões afetadas. Por mais meritória que seja a medida — não
há dúvida de que o combate ao fogo é urgente —, no ordenamento da democracia
brasileira ela não cabe a um juiz do Supremo.
A decisão se torna ainda mais inusitada quando se descobre que foi tomada no contexto de três ações impetradas no Supremo contra o Executivo, ainda na gestão Jair Bolsonaro, cujos autores são o PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a Rede Sustentabilidade, da ministra Marina Silva. Ora, tanto Lula quanto Marina, que tanto criticaram a política ambiental do governo anterior, hoje detêm poderes constitucionais para pôr em marcha toda sorte de medida no combate ao fogo. Por que, afinal, seus partidos precisam da ajuda do STF?
Uma explicação plausível é que, diante do
gigantesco desastre ambiental, o atual governo trouxe avanços tímidos em
relação à gestão anterior. Inicialmente relatadas pelo ministro André
Mendonça, as ações resultaram, em março, na determinação do STF para
que o Executivo apresentasse um plano de prevenção e combate a incêndios, com
sistema de monitoramento, metas e estatísticas. A encomenda do plano teve apoio
unânime na Corte. Com as ações sob a relatoria de Dino, o Supremo assumiu
funções executivas e ordenou a mobilização de forças para debelar os focos de
incêndio. A medida foi agora ampliada, e Dino também ordenou um mutirão das
polícias Federal e Civil, da Força Nacional e do Ministério Público para
investigar as causas de incêndio por ação humana em 20 municípios do Norte e
Centro-Oeste.
Nada há, em princípio, de errado nas medidas
em si. Ao contrário, elas são aparentemente necessárias diante do que se tem
visto no país. Mas evidentemente não deveriam caber a um ministro do Supremo.
Repete-se um preocupante avanço do Judiciário sobre espaços abertos pela
inércia de outros Poderes. Também por meio de Dino, o STF interveio em questão
da alçada de Legislativo e Executivo no caso das emendas parlamentares.
Além de exigir transparência no trânsito de
recursos do Tesouro até as bases eleitorais de deputados e senadores, uma
decisão individual de Dino, depois referendada pelo plenário, chegou a proibir
o pagamento até das emendas impositivas, obrigatório pela legislação. Ele deu
ainda um prazo para a formulação de novas regras destinadas a tornar as
transferências mais transparentes. Mais uma vez, as medidas são defensáveis.
Mas não cabe ao Judiciário intervir na questão a tal ponto.
Pode-se argumentar que situações de
emergência, como os incêndios ou o abuso na destinação de recursos do
Orçamento, justificam o STF ocupar espaço de outros Poderes. Mas esses
atropelos institucionais têm se tornado mais frequentes e decerto não contribuem
para o cumprimento da regra constitucional que estabelece Poderes
independentes, mas harmônicos entre si. Perde a democracia.
Kamala Harris leva a melhor no confronto
contra Donald Trump
O Globo
Mas há dúvida se o desempenho superior no
debate bastará para ela assegurar a dianteira nas pesquisas
Há pouca dúvida de que a democrata Kamala Harris levou
a melhor sobre o republicano Donald Trump no
debate de ontem à noite. A dúvida é se essa vantagem será suficiente para ela
recuperar sua trajetória ascendente nas pesquisas, que Trump revertera nas
últimas semanas. A eleição de novembro será decidida por poucos milhares de
votos em alguns estados críticos. Na disputa pelo eleitor volúvel desses
estados pendulares, a estratégia de Kamala se revelou mais acertada.
Nos primeiros minutos, questionada sobre
economia, Kamala até se mostrou vacilante, enquanto Trump destacou a inflação e
seu programa protecionista, de apelo nas regiões industriais. Mas logo ela se
recuperou. Desnorteou Trump ao responder sobre aborto e,
daí em diante, comandou o debate. Mesmo quando indagada sobre a imigração ilegal,
tema da agenda republicana, driblou as críticas. Foi ao ataque lembrando aos
eleitores a condenação criminal e os indiciamentos contra Trump.
Kamala soube irritar o adversário. Trump saiu
do sério a ponto de desfiar mentiras sobre imigrantes comendo cachorros e
gatos, sendo imediatamente desmentido pelos moderadores. Foi desmentido outras
vezes e pedia com frequência para responder aos ataques. No total, falou quase
sete minutos a mais que Kamala. Mas seu discurso e sua linguagem foram
dirigidos à base fiel, pintando o quadro de um país à mercê de potências
estrangeiras e imigrantes ilegais, distante da realidade da maioria da
população. Dificilmente isso surtirá efeito para um eleitor indeciso, menos
afeito às batalhas ideológicas e guerras culturais. Kamala, em contraste,
pintou um quadro otimista e soube se concentrar em propostas para o futuro, da
habitação à competitividade global.
O debate era a melhor oportunidade para Trump
associar a Kamala a pecha de radical de esquerda e, principalmente, para
vinculá-la ao governo impopular de Joe Biden.
Mas ele a jogou fora. Kamala se apresentou como representante da mudança,
diferente de Biden, capaz de exercer a Presidência com responsabilidade. Apesar
de o sorriso sardônico em certos momentos traduzir uma atitude arrogante, ela
soube passar uma imagem equilibrada, ao contrário de Trump.
As próximas pesquisas serão esperadas com
ansiedade pelos dois lados. Elas refletirão os efeitos do debate e também da
campanha em curso. Os eleitores deixaram claro que querem mudanças em relação a
Biden. Seja qual for o veredito da opinião pública, o candidato que aparecer em
desvantagem nos próximos levantamentos terá menos de dois meses até 5 de
novembro para recuperar o terreno perdido. Pelos dados disponíveis, o mais
provável é que o embate seja decidido por poucos milhares de votos em três
estados críticos: Michigan, Wisconsin e sobretudo Pensilvânia (Kamala leva
ligeira vantagem nos dois primeiros, e o quadro está empatado no último). É
para lá que a energia das campanhas se voltará nas próximas semanas.
Kamala se sai melhor em debate, mas disputa
continua sem favorito
Valor Econômico
Das poucas certezas que se têm até agora é
que pequenas mudanças em Estados decisivos definirão o resultado da eleição e
que a troca de candidato permitiu aos democratas equilibrar uma disputa que
parecia perdida
A candidata democrata Kamala Harris passou na
prova de fogo do debate com o republicano Donald Trump, e as pesquisas mostram
que foi melhor no confronto do que seu rival, que demonstrou uma incomum falta
de energia e de agilidade, com desempenho muito ruim. O histórico de Kamala em
debates não era um ponto a seu favor, mas teve comportamento sóbrio e desferiu
críticas contra Trump, utilizando a virulência de seu rival para desmoralizá-lo
e colocá-lo todo o tempo na defensiva. A atuação de Kamala tornou-se memorável
por comparação: em 27 de junho, o presidente Joe Biden teve desempenho
catastrófico contra o republicano, tão ruim que ele acabou se retirando da
corrida eleitoral. Kamala venceu o debate, mas a disputa continua empatada e
sem favorito.
Trump não conseguiu manter uma barragem
argumentativa contra os pontos fracos dos democratas identificados nas
pesquisas. As questões da imigração e da economia foram levantadas, mas ele
trocava de assunto em um campo favorável sem motivo. Nos momentos em que
persistiu, foi péssimo. A tirada típica de Trump contra os imigrantes ilegais,
misto de delírio e notícia falsa, de que eles estavam comendo cães e gatos em
Springfield, privando os americanos de seus adoráveis pets, entrará para a
antologia dos maiores disparates já ditos em campanhas eleitorais americanas.
Kamala colocou-se habilmente como defensora
da classe média e do povo contra o programa econômico de Trump que favorece as
grandes empresas. Ela disse com razão que a prorrogação da isenção de impostos
proposta por Trump e novos adendos iriam custar US$ 5 trilhões em déficit
público adicional em 10 anos, sem mencionar - e sem ser instada a isso - que
planos democratas de isenções e subsídios teriam um custo de US$ 2,5 trilhões
no período. A candidata democrata não se alongou sobre seus programas de governo,
que são os mesmos da administração da qual é vice-presidente e sobre os quais
ela faz um recorte pró-classe média que tem apelo eleitoral diferenciado.
Ela criticou a proposta indefensável de Trump
de elevação geral de tarifas de importação - sobre aliados e rivais, como a
China -, mas não respondeu ao contra-ataque de Trump, que perguntou os motivos
pelos quais a administração de Joe Biden não mudou um centavo nas tarifas
impostas pelo republicano. Da mesma forma, em suas palavras finais, Trump fez
uma declaração clara e persuasiva sobre os programas de Kamala - se são tão
bons, por que ela não os executou durante os quase quatro anos em que esteve no
governo?
Kamala fez um ataque mais abrangente às posições de Trump do que os retalhos de erros apontados pelo republicano contra ela. Usou um sarcasmo que é marca registrada de Trump, ao mencionar que generais americanos o consideravam uma “desgraça” e que ele era “motivo de piada” entre os chefes de governo no exterior. Comentou que Trump desvairava em seus comícios, que eram abandonados antes da hora pelos eleitores “por exaustão e tédio”. Não deixou, porém, de ir ao ponto central, ao acusar Trump de ser “a maior ameaça à democracia desde a guerra civil” americana, e lembrar seus processos criminais, entre eles o de ser o único presidente que incitou um levante ilegal contra um governo legitimamente eleito.
Os debates dão vantagens efêmeras que nem
sempre se confirmam nas urnas. As peculiaridades do sistema eleitoral dos EUA
fazem com que o vencedor no voto não necessariamente se torne o presidente,
salvo se a vitória seja obtida também entre os delegados estaduais no colégio
eleitoral. Como há Estados que votam sempre em democratas e outros nos
republicanos, há apenas sete Estados chamados pêndulos, com pequeno número de
delegados, que são decisivos para consagrar o vencedor. Neles, a disputa está
empatada, dentro da margem de erro em todos, depois que Biden se retirou da
disputa. Por isso o debate de ontem foi, para Kamala, uma oportunidade para
tentar conquistar votos independentes, enquanto Trump realizou (muito mal) sua
pregação habitual para seus adeptos.
Uma pesquisa YouGov após o debate indicou que
43% acharam que Kamala se saiu melhor nele, 28%, que Trump venceu, e há uma
enorme parcela de 30% que ficou indecisa sobre isso. Pesquisa da ABC indicou
que, apesar de cada um dos candidatos tentar se mostrar como o mais apto a
governar o país, 54% dos consultados responderam que tinham confiança em que
ambos poderiam desempenhar bem essa função. Trump continua sendo o mais bem
avaliado na questão da imigração e gestão da economia, enquanto Kamala leva
dianteira quando se trata de proteger a democracia e na questão do aborto.
Pesquisa da CNN mostrou que 82% dos eleitores registrados declararam que o
debate não mudou sua opção eleitoral e 14% pensaram em reconsiderar seu voto,
mas não o fizeram, e só 4% mudaram sua escolha.
Pequenas mudanças em Estados decisivos definirão o resultado. Essa é uma das poucas certezas até agora. A outra é que a troca de candidato democrata permitiu ao partido equilibrar e até vencer uma disputa que parecia perdida.
Kamala mostra força contra Trump em disputa
dura
Folha de S. Paulo
Vice-presidente democrata exibiu desenvoltura
no debate contra republicano; competição é acirrada nos estados-pêndulo
Em uma campanha eleitoral extraordinária
nos Estados
Unidos, em que o desafiante do presidente foi alvo Em uma campanha
eleitoral atípica nos Estados Unidos, em que o desafiante
do presidente foi alvo de um atentado e o titular da Casa
Branca abandonou a candidatura, o debate entre o republicano Donald Trump e
a democrata Kamala Harris ganhou
aura de decisivo.
Nele, seria provado ou não o bom momento da
vice de Joe Biden —que
assumiu a campanha após a desistência do chefe na esteira da debacle no
primeiro debate entre ele e Trump neste ano. Naquela contenda, ficou evidente a
falta de condição cognitiva do mandatário ante o populista que tenta voltar ao
poder.
Nesse
sentido, Kamala pode celebrar. Seu desempenho na noite de terça (10)
foi bastante satisfatório, e ela conseguiu se apresentar melhor ao público
—pesquisa NYT/Siena College mostrava que 28% dos eleitores americanos não a
conheciam bem.
Mostrou posições coerentes acerca de temas
espinhosos e centrais na campanha, como imigração, aborto e o papel dos EUA num
mundo em ebulição.
Foi menos feliz ao defender a gestão
econômica de Biden, percebida de forma negativa, mas no limite tem a seu favor
o fato de que a participação como vice-presidente nas decisões tomadas é
irrelevante. Isso dito, há questionamentos sobre sua aparente simpatia por
expansionismo orçamentário a assombrá-la.
Mais importante, Kamala mostrou não só
credenciais de presidenciável mas também força para bater Trump. A figura que
sapateou sobre um
aparvalhado Biden no debate de 27 de junho esvaziou-se ante a
articulada retórica da nova adversária.
O republicano foi emparedado e recorreu às
usuais falsidades para criar efeito narrativo, só para ser confrontado por
Kamala e também pelos mediadores, que desta vez chamaram as mentiras pelo nome
e as corrigiram.
Desorientado, Trump parecia falar para si
mesmo, enquanto a democrata aproveitava o palco para sua exibição.
No entanto, se debates podem ser decisivos
para o rumo da campanha, como na implosão de Richard Nixon por John F. Kennedy
em 1960 ou no derretimento de Biden, o contexto político atual impede por ora
qualquer vaticínio otimista demais para Kamala.
É fato que ela colocou os democratas de volta
na disputa. Após o atentado contra Trump, em 13 de julho, o republicano parecia
rumar à vitória: apesar do empate com Biden no agregado das principais
pesquisas, ele estava à frente nos estados-pêndulo.
Nessas unidades federativas é que o pleito,
no qual importam votos no Colégio Eleitoral e não a somatória do sufrágio
popular, será decidido. No restante da nação, a extrema polarização cristaliza
a divisão histórica entre democratas e republicanos.
Kamala reverteu a situação, empatando com
Trump ou o superando nesses campos de batalha. Mas é incerto, a esta altura, se
o desempenho no debate ajudará a motivar o contingente indeciso a optar pela
democrata.
Combater o telemarketing abusivo
Folha de S. Paulo
Expandir prefixo 0303 é mais uma tentativa da
Anatel de conter assédio telefônico de empresas que atormenta consumidores
É inegável que as tecnologias de comunicação
facilitaram a vida de empresas e consumidores, contudo tal avanço trouxe um
ônus capaz de indignar qualquer brasileiro dono de um aparelho celular —as
chamadas de telemarketing.
Nos últimos anos, a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel) instituiu medidas para conter essa prática abusiva,
que não raro são burladas por quem deveria obedecê-las.
Na mais recente decisão, publicada na
terça-feira (10), o órgão expandiu a
exigência do prefixo telefônico 0303 para todas as empresas que
realizam mais de 10 mil chamadas diárias.
Antes, só as de televendas eram obrigadas a
utilizá-lo. Mas, como pessoas jurídicas que não prestam esse serviço também
congestionam o sistema com número exagerado de chamadas, a ampliação da norma
foi necessária.
Sob supervisão da agência, as companhias de
telecomunicação devem monitorar o volume de ligações e identificar
responsáveis, que terão 60 dias para se adequarem. Está previsto o bloqueio de
chamadas das empresas que não obedeceram ao novo ordenamento, que passa a valer
a partir de 5 de janeiro.
Aquelas que não quiserem aderir ao 0303 têm a
opção de explicitar a origem da chamada com a exibição do número, de um selo
que atesta segurança e da identificação da empresa.
Outra mazela é o "robocall". São
ligações automáticas curtas, disparadas em massa, que desligam rapidamente
—porque a capacidade tecnológica para realizar as chamadas é maior do que o
número de atendentes disponíveis.
Levantamento de 2022 da Anatel constatou que
mais de 90% das chamadas nas redes de algumas prestadoras eram robocall.
No mesmo ano, a agência classificou esse tipo
de ligação como uso indevido do sistema e determinou bloqueio de quem faz mais
de 100 mil chamadas por dia com duração inferior a 3 segundos —em abril de
2024, o tempo foi ampliado para 6 segundos.
Há portais na internet nos quais os
consumidores podem descobrir quem está realizando as chamadas ou se cadastrar
para não receberem ligações.
As medidas são fundamentais. Afinal, esse é
um incômodo do mundo digital que atinge os brasileiros de forma
desproporcional. Entre 2018 e 2021, o país liderou
um vexatório ranking global de chamadas indesejadas, realizado pelo
aplicativo Truecaller.
Espera-se rigor na fiscalização dos abusos e que a Anatel monitores continuamente novas tecnologias e práticas que possam ser usadas para burlar as regras.
O Congresso está de costas para o Brasil
O Estado de S. Paulo
Só a troca de comando na Câmara e no Senado
está no radar dos parlamentares. Que se dane o País em chamas. Em gabinetes
fechados, o único assunto é a manutenção do orçamento secreto
O Congresso virou de costas para o Brasil.
Indiferentes ao que acontece em um país com tantas carências e, como se isso
não bastasse, ora é consumido por queimadas que envolveram milhões de
brasileiros numa gigantesca nuvem de ar irrespirável, deputados e senadores se
fecharam em conchavos de gabinete que envolvem, fundamentalmente, a
distribuição farta e descompromissada de dinheiro público – mais
especificamente, o destino de bilhões de reais em emendas parlamentares a
partir de fevereiro de 2025, quando haverá a troca de comando na Câmara e no
Senado.
Está-se tratando de muito dinheiro. Um tanto
capaz de mesmerizar os parlamentares até fazê-los esquecer as razões pelas
quais receberam um mandato de representação e quem, afinal, deveriam
representar. Em 2024, emendas parlamentares de toda espécie terão correspondido
a mais de 20% das despesas discricionárias no Orçamento da União (quase R$ 45
bilhões). E, por mais que o Supremo Tribunal Federal aja para impor o respeito
à Constituição e à moralidade pública, ninguém aposta que esse montante será
menor no ano que vem.
O presidente Lula da Silva está perdido no
enfrentamento da tormenta climática e até hoje segue devendo ao País um plano
de governo digno do nome. O que o petista tem feito até aqui, na verdade, não
significa muito mais do que espasmos de voluntarismo e uma mal-ajambrada
reedição de seus velhos cacoetes como expoente do que se pode chamar de
nacional-passadismo. E sempre, claro, de olho na próxima eleição, não nos
melhores interesses do Estado brasileiro.
Diante dessa governança tíbia, em particular
no enfrentamento da crise ambiental, não é pouco o que o Congresso poderia
fazer dentro das atribuições que lhe são dadas pela Constituição. Mas o
Congresso não está nem aí, absorto em interesses que nada têm a ver com os
verdadeiros interesses da sociedade. No radar do Congresso, a mobilizar todos
os partidos, está apenas a manutenção do orçamento secreto, seja qual for a
conformação técnica que essa indecência venha a ter de tempos em tempos. É
nesse sentido que a eleição para as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado
ganhou singular importância. Nesses arranjos, uma inaceitável “anistia” – na
verdade, impunidade – aos golpistas do 8 de Janeiro passou a servir de
instrumento de chantagem contra os candidatos à sucessão de Arthur Lira (PP-AL)
na Câmara como o primeiro passo para a anistia do golpista em chefe, Jair
Bolsonaro.
Esqueçamos as medidas que poderiam ser
tomadas pelo Poder Legislativo para mitigar os efeitos da tormenta climática
para a população. Às favas os projetos de lei que regulamentam a reforma
tributária. Fica para as calendas uma discussão séria em torno de uma agenda de
reformas mais amplas para destravar o crescimento do País e promover o
bem-estar geral dos brasileiros. Nada disso parece interessar ao Congresso.
Além das eleições municipais, é claro, o único tema que eletriza a esmagadora
maioria dos deputados e senadores, se não todos, é a sucessão na Câmara e no
Senado, pois desse novo arranjo de poder depende a fluidez dos dutos
subterrâneos por onde corre a dinheirama das emendas parlamentares, longe de
quaisquer controles republicanos.
Não se vê, no horizonte imediato, qualquer
disposição por parte dos parlamentares em assumir suas responsabilidades como
mandatários, como se fossem representantes de si mesmos – no máximo, de uma
casta de dirigentes partidários que instrumentalizam as legendas para jogar com
os interesses coletivos da Nação enquanto, à sorrelfa, tocam seus próprios
negócios.
O Congresso é o locus por
excelência dos grandes debates nacionais. No entanto, o que se vê é uma Câmara
e um Senado totalmente distantes das reais necessidades do País. Em meio a
tantos problemas que afetam a vida de milhões de brasileiros e mantêm o Brasil
muito aquém de suas potencialidades, essa indiferença chega a ser aviltante. Se
nada mudar, como não parece que vá mudar, se o interesse público não for
colocado no centro das atenções de deputados e senadores, o Brasil continuará
refém de uma elite política que, para além dos males que já causa à
representação, abre uma avenida para aventureiros dispostos a pôr tudo abaixo
sem oferecer nada de bom no lugar.
Trump se torna o centro da eleição
O Estado de S. Paulo
Em debate, Kamala Harris consegue transformar
a disputa num referendo sobre o ex-presidente, e não sobre o atual, e ainda se
livrou de ter de explicar seus planos, de resto desconhecidos
Na acirrada disputa pela presidência dos
Estados Unidos, o contraste entre o primeiro e o segundo debates entre os
candidatos não poderia ser maior. Há 50 dias, o presidente Joe Biden,
postulante à reeleição pelo Partido Democrata, teve um desempenho tão
desastroso que se viu obrigado a desistir da disputa. A nova candidata
democrata, a vice-presidente Kamala Harris, já havia recolhido com sucesso, na
convenção do partido, todos os votos democratas deixados pelo caminho. Foi em
meio a uma disputa cabeça a cabeça que ela entrou no debate com Donald Trump –
e venceu. Não por nocaute, mas com uma margem confortável de pontos.
O debate expôs as estratégias das campanhas.
A dos republicanos é implicar Harris com o governo impopular de Biden e
assustar os moderados com seu histórico de apoio a políticas radicais das
elites esquerdistas, ou forçá-la a negá-las, e então denunciar sua
inconsistência. Sobretudo, o maior temor dos estrategistas era que Trump não
perdesse a calma. O principal desafio de Harris era mostrar aos eleitores um
caráter sólido, apto a governar o país, depois, evitar comprometer-se com
políticas que pudessem soar radicais e, por fim, expor a personalidade volátil
e temerária de Trump.
Essa personalidade já foi naturalizada na
opinião pública. Como candidato bem conhecido, Trump era o que tinha menos a
perder, mas, o pouco que tinha, perdeu. Como candidata menos conhecida, Harris
era quem tinha mais a ganhar, e ganhou. Considerando as duas estratégias,
Harris conseguiu expor a vaidade de Trump. Trump fracassou em expor a vacuidade
de Harris. Ele não conseguiu forçá-la a defender suas políticas. Ela o induziu
a cair na provocação.
Como notaram os analistas do New York
Times L. Lerer e R.J. Epstein: “Harris explorou habilmente a maior das
fraquezas de seu oponente. Não o seu histórico. Não suas políticas divisivas.
Não sua história de declarações inflamatórias. Ao invés disso, alvejou uma
parte muito mais primitiva dele: seu ego”. Seja declarando que líderes mundiais
dizem que ele é uma “vergonha”, seja sugerindo que sua fortuna não era a de um
“self-made man”, mas de um herdeiro mimado, ela conseguiu a um tempo se
esquivar de questões temerárias e forçar o adversário a submergir seus
questionamentos mais pertinentes em surtos de fúria, hipérboles e digressões.
O maior exemplo foi num tema que deveria ser
um prato cheio para Trump, quando os mediadores questionaram Harris por que só
agora a gestão de Biden decidiu agir contra a imigração ilegal. Harris disse
algo sobre seu histórico como promotora, e rapidamente virou o holofote para
Trump, acusando-o de sabotar um projeto de lei anti-imigração. Mas o golpe de
mestre foi questionar o tamanho de seus comícios “entediantes”. Trump queimou
sua réplica fulminando sobre como seus comícios eram os mais “incríveis na história
da política”.
A fala mais efetiva de Trump – “se você tem
todas essas grandes ideias, por que não as pôs em prática nos três anos e meio
de governo?” – deveria ter sido dita no começo, corroborada com dados, e
repetida insistentemente ao longo do debate. Mas foi dita só no fim, sem
contundência. Na defensiva, era como se ele fosse o incumbente e ela, a
desafiante. Repetidas vezes Harris falou em “virar a página”: ela tem “planos”
(embora nunca bem esclarecidos), ela é a “novidade”, o “futuro” – ele é só um
velho rancoroso.
Esse foi não só o primeiro debate entre
ambos, mas o primeiro encontro – e possivelmente será o último. Os candidatos
voltaram aos seus casulos, e as estratégias estão traçadas. Trump manterá sua
militância inflamada. Harris se esquivará de confrontos em entrevistas e se
oferecerá como uma candidata normal contra um candidato caótico, transformando
a eleição num referendo sobre Trump.
Fazendo as contas do debate, Trump certamente
não ganhou eleitores. Provavelmente também não perdeu. A questão é se Harris
ganhou ou não o favor dos indecisos. Eis outro grande contraste com o debate
anterior: aquele mudou tudo, este possivelmente mudará pouca coisa. Mas, numa
eleição tão apertada, esse pouco pode ser o que Harris precisa para levar o
grande prêmio.
Brasil silencia ante o terror
O Estado de S. Paulo
A condenação a mais de 16 anos de prisão do
brasileiro Lucas Passos Lima, recrutado pela milícia extremista libanesa
Hezbollah para promover ataques terroristas contra alvos judaicos no Brasil,
coroa o trabalho da Polícia Federal (PF) em parceria com
organizações internacionais, entre as quais o Mossad (serviço
secreto israelense), e oferece certo alento em momento de recrudescimento do
antissemitismo em todo o mundo, mas exige que o governo brasileiro adote
discurso mais contundente contra o terrorismo – mesmo que isso implique
eventual mal-estar com aliados ideológicos do lulopetismo, como o Irã,
patrocinador do Hezbollah.
Lima foi preso no ano passado, na primeira
fase da Operação
Trapiche, deflagrada pela PF para “interromper atos preparatórios de
terrorismo e obter provas de possível recrutamento de brasileiros para a
prática de atos extremistas no país”.
De acordo com a investigação, Lima foi
recrutado pela milícia xiita, tendo viajado duas vezes ao Líbano, onde
recebeu treinamento para
promover atentados terroristas contra a comunidade judaica em Brasília e também
na Embaixada de Israel na capital federal – ataques que, se bem-sucedidos,
reavivariam o trauma do atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia)
em 1994, em Buenos Aires, que matou 84 pessoas. Em abril passado, a Justiça
argentina responsabilizou o Irã e o Hezbollah pelo ataque, o mais letal da
história do país. Salientou que o Irã teve papel “político e estratégico”,
dando ampla proteção diplomática aos terroristas.
Não é remota a hipótese de que o Hezbollah
tenha planejado atacar alvos judaicos menos visados no exterior como parte de
sua atual campanha militar contra Israel, no contexto da guerra israelense
contra o grupo terrorista palestino Hamas – outra organização a serviço do Irã.
Convém lembrar que o atentado contra a Amia ocorreu depois de um ataque de
Israel a um campo de treinamento do Hezbollah no Líbano que deixou 45 recrutas
mortos – e a milícia, na época, prometera se vingar em qualquer parte do mundo.
Logo, o mínimo que se esperava era que o
governo brasileiro ao menos questionasse Teerã sobre os planos terroristas do
Hezbollah em território nacional. Não se pode ficar em silêncio ante a
apavorante possibilidade de que a guerra por procuração que o Irã trava contra
Israel use o Brasil como um de seus campos de batalha, ao custo de vidas de
cidadãos brasileiros.
O presidente Lula da Silva, como se sabe, tem
grande consideração pelo Irã, a despeito do patrocínio de Teerã ao terrorismo e
da violação sistemática dos direitos humanos dos próprios iranianos. O petista
poderia ao menos usar essa afeição pelo regime dos aiatolás em favor dos
brasileiros ameaçados pela milícia xiita libanesa.
Não se tem notícia, contudo, de qualquer manifestação oficial, nem de Lula nem de ninguém do governo – como se os cidadãos judeus brasileiros não merecessem ao menos uma nota de repúdio ao terrorismo. Obviamente, nada disso surpreende, mas não deixa de ser lamentável.
Educação, desafio a ser superado
Correio Braziliense
A cada governo, a política educacional toma
um rumo ou ignora os avanços das gestões anteriores, e, da mesma forma, os
investimentos também flutuam
Desenvolver uma política de educaçãode
qualidade sem distinção de classe social e econômica, livre de desníveis
étnico-raciais e inclusiva, é um dos grandes desafios do Brasil. O tema,
reconhecido como fundamental para o desenvolvimento de uma nação, tem
importância oscilante. A cada governo, a política educacional toma um rumo ou
ignora os avanços das gestões anteriores, e, da mesma forma, os investimentos
também flutuam.
Entre 2015 e 2021, os investimentos públicos
em educação foram reduzidos de 11,2% para 10,6%, conforme o relatório da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado
terça-feira última. De acordo com os dados de 2021, o país ficou na segunda
posição, entre os 48 países avaliados. Em média, os países da OCDE aumentaram
em 2% os gastos com educação. A redução do aporte financeiro não ocorreu só no
Brasil (2,5% de queda) e na Argentina (de 5,2%). O orçamento também encolheu no
México (-2,4%), Letônia (-1,7%), Canadá (-0,6%), Costa Rica (-0,3%) e Finlândia
(-0,1%).
O relatório Education at a Glance (educação
em foco), da OCDE, ressalta que o Brasil seguiu um roteiro inverso dos demais
países filiados à organização, durante a pandemia. Em 2021, segundo ano da
pandemia da covid-19, a maioria das escolas brasileiras permaneceram fechadas.
As desigualdades sociais e econômicas, marcantes no perfil demográfico,
impactam seriamente na educação pública, que enfrenta altos e baixos,
dependendo da configuração dos sucessivos governos.
Na educação infantil (crianças até 5 anos),
90% da população nessa faixa está matriculada, enquanto nos países da OCDE, a
média é de 96%. De um extremo ao outro, a escolaridade incompleta explica a
situação de pobreza e de perda de oportunidades dos adultos. Entre os países da
OCDE, o percentual de adultos entre 24 e 34 anos que não concluíram o ensino
médico caiu de 17% para 14%, entre 2016 e 2023. No Brasil também houve uma
retração ainda que não tenha alcançado a média dos membros da OCDE. O número de
brasileiros em igual situação passou de 35%, em 2016, para 27%.
Os jovens entre 25 e 34 anos que não
trabalham nem estudam — os nem-nem, são um gargalo preocupante. Eles somam
quase 24% no Brasil, segundo o relatório da OCDE, um percentual acima do
constatado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) da
Educação, em 2022, e divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) no ano passado. Os nem-nem, em 2022, correspondiam a 20%
(9,6 milhões, entre 15 e 29 anos, uma faixa etária diferente dos países da
organização internacional. Necessidade de trabalhar (40,2%), gravidez precoce
(22,4%), trabalho doméstico e cuidados com outras pessoas (10,3%) são as
principais causas do abandono da escola.
Para os especialistas, essa realidade dos
nem-nem está associada à qualidade do ensino básico — o Brasil até agora não
saiu das últimas posições do Programa Internacional de Avaliação de Alunos
(Pisa). Eles entendem que é preciso aumentar a oferta de ensino integral. Nos
países desenvolvidos,os alunos do ensino médio cursam também o ensino
profissionalizante. No Brasil, só 10% dos alunos cursam o técnico, contra 68%
na Finlândia e 49% na Alemanha.
Há vários modelos de política educacional que podem ser adaptados à realidade, sob orientação dos grandes mestres nacionais. O modelo adotado deve ser política de Estado, e não submisso a ideologias ou a interesses políticos. A educação é a principal alavanca para o desenvolvimento do país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário