O Estado de S. Paulo
Que o BC não seja apenas o gestor da Selic, mas que assuma responsabilidades compatíveis com sua importância e abrangência
Estamos em vias de ter um novo presidente do
Banco Central (BC) do Brasil, o primeiro indicado pelo atual governo Lula.
Logicamente, há um rito a ser percorrido, que envolve sabatina na Comissão de
Assuntos Econômicos e o plenário do Senado. Tudo indica que o atual diretor de
Política Monetária do banco, Gabriel Galípolo, assumirá a direção de nossa
autoridade monetária.
Importante atentar para um fator que pode despertar resistências em alguns segmentos do sistema financeiro, o fato de Galípolo ter uma trajetória profissional marcada pela atuação na interface entre os mercados e a economia real, notadamente na construção da modelagem de financiamento para grandes projetos de concessões e parcerias público-privadas (PPPs).
Certos segmentos “fundamentalistas” do mercado financeiro também torceriam o nariz para os artigos assinados por Galípolo em coautoria com Luiz Gonzaga Belluzzo. Ao contrário, minha opinião é de que assinar um artigo com um economista do calibre de Belluzzo é uma credencial que torna todos os outros atributos menos relevantes.
Bem, mas deixando de lado as mesuras, vamos
ao que interessa, a política econômica. E para mitigar o sofrimento deste país,
que já tem ares de uma saga secular, sinto que é meu dever formular um pequeno
conjunto de pedidos a Galípolo.
O primeiro pedido tem que ver com uma questão
de fundo: o que significa o status de entidade autônoma do Banco Central? A
autonomia é uma barreira que protege a política monetária contra interesses
políticos menores, que demandam juro baixo e acesso fácil ao dinheiro para que
o nível de atividade seja alto, favorecendo a percepção da população sobre o
estado da economia e beneficiando quem está no poder.
Desta ladainha todos sabemos e todos somos
contra. Mas a abrangência das ações do Banco Central é muito maior. Nele
deságuam todas as tensões da economia. Como o sistema financeiro é o coração da
economia, decisões sobre exposição cambial, níveis de alavancagem e
comprometimento do patrimônio líquido das instituições são nevrálgicas. São
poderes muito distintos do velho populismo, mas a real autonomia do Banco
Central está aí, no trato do dia a dia com os grandes interesses.
Um exemplo quase singelo da fragilidade da
autonomia do Banco Central diante do setor financeiro é dado pelas “conversas
institucionais” do BC com agentes de mercado. É inconcebível que o Banco
Central receba duas dúzias de agentes do mercado e converse com eles a portas
fechadas. Assim como é absurdo que numa ligação de celular se discuta com um
banqueiro o nível da taxa de juros. Meu primeiro pedido, então, a Galípolo é
autonomia de verdade e transparência de fato no relacionamento com o mercado e
o cidadão.
O segundo pedido tem relação com o mercado
cambial. Para uma economia que vem perdendo inserção no mercado mundial em
quase todos os segmentos que não o de commodities, fica difícil entender que o
Banco Central se comporte como agente passivo, quase um observador dos bilhões
que vão de um lado para o outro na conta financeira do Balanço de Pagamentos.
Regulação, num mercado tão desigual e em que
os instrumentos de arbitragem, especulação e hedge são tão sofisticados,
significa estar presente no minuto a minuto do mercado impedindo que os agentes
construam a volatilidade do preço da moeda, que apenas beneficia uns poucos.
É necessário entender que a produção precisa
de mínima estabilidade no preço dos insumos e nas expectativas de preços de
venda. O câmbio é crucial para a precificação do exportador, mas também para a
produção para o mercado interno e para a calibragem das importações. Por isso,
não é demais implorar ao novo presidente do BC que esteja empenhado em reduzir
a volatilidade do mercado de câmbio.
O terceiro pedido é a taxa de juros. Ninguém
tem dúvida de que o regime de metas de inflação, conjugado à administração da
taxa Selic, tem condições de dar os parâmetros necessários para as decisões
capitalistas. E a experiência internacional mostra que, como já nem mais tem
sentido controlar a base monetária, parece ser este um caminho de consenso na
política monetária contemporânea.
Só que uma coisa é a gestão da política
monetária dar parâmetros ao mercado. Outra, completamente diferente, é a
autoridade monetária achar que sua credibilidade será construída na manutenção
da política mesmo diante de uma realidade que mudou. Assim como não dá para o
BC estimar a taxa de juro real de longo prazo da economia em 8% e não dizer a
razão que o leva a essa projeção.
Por fim, um último pedido a Galípolo – mas
este é até mais fácil, por sua trajetória profissional e seu conhecimento.
Estamos falando de um dos pilares de nossa institucionalidade que precisa ter
compromisso com o desenvolvimento.
Ninguém está falando em dinheiro fácil nem
dólar barato.
Estamos falando em construir os instrumentos
financeiros e de capital para que o investimento seja viabilizado em bases
factíveis e com a segurança jurídica necessária para que seja sustentável no
longo prazo. O pedido é de que o BC não seja apenas o gestor da Selic, mas que
assuma responsabilidades compatíveis com sua importância e abrangência.
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