Valor Econômico
O mais difícil é driblar o ambiente de mau humor instalado no país
É certo que a comunicação não é o único
problema do governo, mas certamente é um deles. Por isso, de volta do périplo
ao Japão e Vietnã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai protagonizar um
grande evento na próxima semana de lançamento da campanha “O Brasil é dos
brasileiros”, a primeira com o publicitário Sidônio Palmeira à frente da
Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência. O martelo não foi
batido, mas o plano é ambicioso: reunir um público expressivo de lideranças
políticas, personalidades e militantes. Por isso, estuda-se transferir o ato
dos salões do Palácio do Planalto para o auditório do Centro de Convenções
Ulysses Guimarães, que comporta até 3 mil pessoas.
A capacidade de se conectar com a população e fazer chegar à ponta às ações do governo não é dilema exclusivo de Lula. Já atormentou outros presidentes no passado, como Juscelino Kubitschek, até hoje lembrado pelos “50 anos em 5”. Pois JK ficava angustiado com o vazio de notícias sobre a construção de Brasília - a capital federal completará 65 anos em abril.
Certa feita, ele ouviu de um auxiliar que a
construção da nova capital era notícia, mas “precisava de um empurrãozinho”
para aparecer mais na mídia. O então assessor de imprensa da Presidência, o
escritor mineiro Autran Dourado, propôs que atraíssem ao país personalidades
internacionais. Alegou que o Brasil tinha “mentalidade de colonizado”, e como
tal, a população só valorizaria o projeto se ganhasse repercussão no exterior.
A primeira aposta foi o escritor inglês
Aldous Huxley, de “Admirável mundo novo”, que estava em alta naqueles tempos. A
convite de JK, ele desembarcou no Rio de Janeiro em 1958, conheceu escritores,
frequentou festas, visitou Ouro Preto (MG) e Brasília em obras, e de volta à
Inglaterra, enalteceu o Brasil aos britânicos.
Um ano depois, em 1959, foi a vez do escritor
e então ministro da Cultura da França no governo De Gaulle, André Malraux. A
convite do Itamaraty, ele proferiu uma série de palestras, e depois viajou ao
Planalto Central para conhecer a terra vermelha da futura cidade, que chamou de
“capital da esperança”.
Quem também acompanhou JK em visita à futura
capital foi o escritor João Guimarães Rosa, um de seus amigos mais próximos. Em
1961, Rosa tinha uma coluna semanal no jornal “O Globo”. Naquele espaço,
publicou duas crônicas sobre Brasília. Em uma delas, escreveu: “Um - e outros
pássaros - com cantos compridos. Isso foi o que abriu seu coração. Aqueles
passarinhos bebiam cachaça?”
Seis décadas depois, em tempos de Tik Tok,
Kwai e afins, em que influencers digitais dão as cartas, convidar escritores
para divulgar ações de governo está fora de cogitação. Embora, lembre-se que em
dezembro, Lula telefonou para o escritor Itamar Vieira Junior para dar a
notícia de que havia regularizado 15 comunidades quilombolas, entre elas, a de
Lençóis, na Bahia, que inspirou o romance “Torto arado”, sucesso de vendas.
Itamar é um escritor “pop” - vendeu mais de 1 milhão de livros em um país de
raros leitores.
O que esperar, então, da campanha “O Brasil é
dos brasileiros”? Um “teaser” foram os bonés estampados com a frase, usados por
Lula, ministros e petistas em atos públicos já no começo de fevereiro. Sidônio
foi alvo de críticas pela estratégia, mimetizando Donald Trump. Mas nos Estados
Unidos, a tática segue em alta. Na segunda-feira, Elon Musk surgiu com o
acessório e o recado: “Trump estava certo sobre tudo”. A imagem viralizou.
Em um primeiro momento, será uma campanha
tradicional, com peças publicitárias produzidas para diferentes mídias, como
redes sociais, rádio e televisão. A ideia é tentar gerar uma onda de otimismo e
orgulho nacional.
Um baita desafio, na definição de uma fonte
do governo, num cenário em que dados positivos da economia como aumento da
renda do brasileiro e menor taxa de desemprego são suplantados pelo mau humor
com a alta dos juros e dos preços dos alimentos, somado à aversão qualquer
propaganda de governo.
Outra missão da equipe de comunicação é ser
didática. Não basta dizer que, segundo um relatório da ONU, o governo retirou
14,7 milhões de pessoas da situação de fome em 2023. É um dado abstrato. “Temos
que mostrar que isso significa um estádio de futebol lotado por dia durante
seis meses”, explicou um auxiliar de Lula.
O mais difícil, diz a mesma fonte, é driblar
o ambiente de mau humor instalado no país, e as peças institucionais, por si,
serão insuficientes. A campanha “Fé no Brasil”, por exemplo, não decolou. Em
conversa com a coluna, o presidente do PT, senador Humberto Costa (PE), disse
que há uma percepção interna de que o slogan do primeiro ano, “O Brasil
voltou”, pegou, e depois, voltou-se contra o governo.
“Geramos uma expectativa grande demais, e não
chamamos a atenção para o desastre que a gente enfrentou no começo”, avaliou o
dirigente. Agora ele admite a expectativa de que nova embalagem das entregas -
ele cita obras de rodovias e ampliação de aeroportos -, melhore a conexão com a
população. “Se der o tratamento adequado, botar um envelope bonito, as pessoas
vão começar a observar o que está mexendo com a vida delas”. Mas o desafio pra
valer será mostrar que esse “Brasil dos brasileiros” não é só para inglês ver.
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