sexta-feira, 28 de março de 2025

Lula, JK e a difícil arte de falar com o povo - Andrea Jubé

Valor Econômico

O mais difícil é driblar o ambiente de mau humor instalado no país

É certo que a comunicação não é o único problema do governo, mas certamente é um deles. Por isso, de volta do périplo ao Japão e Vietnã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai protagonizar um grande evento na próxima semana de lançamento da campanha “O Brasil é dos brasileiros”, a primeira com o publicitário Sidônio Palmeira à frente da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência. O martelo não foi batido, mas o plano é ambicioso: reunir um público expressivo de lideranças políticas, personalidades e militantes. Por isso, estuda-se transferir o ato dos salões do Palácio do Planalto para o auditório do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, que comporta até 3 mil pessoas.

A capacidade de se conectar com a população e fazer chegar à ponta às ações do governo não é dilema exclusivo de Lula. Já atormentou outros presidentes no passado, como Juscelino Kubitschek, até hoje lembrado pelos “50 anos em 5”. Pois JK ficava angustiado com o vazio de notícias sobre a construção de Brasília - a capital federal completará 65 anos em abril.

Certa feita, ele ouviu de um auxiliar que a construção da nova capital era notícia, mas “precisava de um empurrãozinho” para aparecer mais na mídia. O então assessor de imprensa da Presidência, o escritor mineiro Autran Dourado, propôs que atraíssem ao país personalidades internacionais. Alegou que o Brasil tinha “mentalidade de colonizado”, e como tal, a população só valorizaria o projeto se ganhasse repercussão no exterior.

A primeira aposta foi o escritor inglês Aldous Huxley, de “Admirável mundo novo”, que estava em alta naqueles tempos. A convite de JK, ele desembarcou no Rio de Janeiro em 1958, conheceu escritores, frequentou festas, visitou Ouro Preto (MG) e Brasília em obras, e de volta à Inglaterra, enalteceu o Brasil aos britânicos.

Um ano depois, em 1959, foi a vez do escritor e então ministro da Cultura da França no governo De Gaulle, André Malraux. A convite do Itamaraty, ele proferiu uma série de palestras, e depois viajou ao Planalto Central para conhecer a terra vermelha da futura cidade, que chamou de “capital da esperança”.

Quem também acompanhou JK em visita à futura capital foi o escritor João Guimarães Rosa, um de seus amigos mais próximos. Em 1961, Rosa tinha uma coluna semanal no jornal “O Globo”. Naquele espaço, publicou duas crônicas sobre Brasília. Em uma delas, escreveu: “Um - e outros pássaros - com cantos compridos. Isso foi o que abriu seu coração. Aqueles passarinhos bebiam cachaça?”

Seis décadas depois, em tempos de Tik Tok, Kwai e afins, em que influencers digitais dão as cartas, convidar escritores para divulgar ações de governo está fora de cogitação. Embora, lembre-se que em dezembro, Lula telefonou para o escritor Itamar Vieira Junior para dar a notícia de que havia regularizado 15 comunidades quilombolas, entre elas, a de Lençóis, na Bahia, que inspirou o romance “Torto arado”, sucesso de vendas. Itamar é um escritor “pop” - vendeu mais de 1 milhão de livros em um país de raros leitores.

O que esperar, então, da campanha “O Brasil é dos brasileiros”? Um “teaser” foram os bonés estampados com a frase, usados por Lula, ministros e petistas em atos públicos já no começo de fevereiro. Sidônio foi alvo de críticas pela estratégia, mimetizando Donald Trump. Mas nos Estados Unidos, a tática segue em alta. Na segunda-feira, Elon Musk surgiu com o acessório e o recado: “Trump estava certo sobre tudo”. A imagem viralizou.

Em um primeiro momento, será uma campanha tradicional, com peças publicitárias produzidas para diferentes mídias, como redes sociais, rádio e televisão. A ideia é tentar gerar uma onda de otimismo e orgulho nacional.

Um baita desafio, na definição de uma fonte do governo, num cenário em que dados positivos da economia como aumento da renda do brasileiro e menor taxa de desemprego são suplantados pelo mau humor com a alta dos juros e dos preços dos alimentos, somado à aversão qualquer propaganda de governo.

Outra missão da equipe de comunicação é ser didática. Não basta dizer que, segundo um relatório da ONU, o governo retirou 14,7 milhões de pessoas da situação de fome em 2023. É um dado abstrato. “Temos que mostrar que isso significa um estádio de futebol lotado por dia durante seis meses”, explicou um auxiliar de Lula.

O mais difícil, diz a mesma fonte, é driblar o ambiente de mau humor instalado no país, e as peças institucionais, por si, serão insuficientes. A campanha “Fé no Brasil”, por exemplo, não decolou. Em conversa com a coluna, o presidente do PT, senador Humberto Costa (PE), disse que há uma percepção interna de que o slogan do primeiro ano, “O Brasil voltou”, pegou, e depois, voltou-se contra o governo.

“Geramos uma expectativa grande demais, e não chamamos a atenção para o desastre que a gente enfrentou no começo”, avaliou o dirigente. Agora ele admite a expectativa de que nova embalagem das entregas - ele cita obras de rodovias e ampliação de aeroportos -, melhore a conexão com a população. “Se der o tratamento adequado, botar um envelope bonito, as pessoas vão começar a observar o que está mexendo com a vida delas”. Mas o desafio pra valer será mostrar que esse “Brasil dos brasileiros” não é só para inglês ver.

 

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