Folha de S. Paulo
Presidente pode ameaçar a China, mas não tem
como retaliar investidores
A hipótese mais provável para Donald
Trump ter recuado nas tarifas globais é que se curvou à disciplina
do mercado
de títulos públicos. Se os juros dos títulos americanos de 30 anos
continuassem subindo, era provável que o processo de latino-americanização
dos Estados
Unidos se acelerasse, com crise cambial e financeira que só poderia
ser evitada pelo Federal
Reserve. Mercado acionário não é nada perto do mercado de títulos.
Por um breve momento na terça-feira (8) de noite, os juros implícitos nos preços dos títulos de 30 anos dos EUA passaram dos 5%, assustando os mercados mundiais. Se isso disparasse um comportamento de manada, poderia desencadear uma crise financeira global. Afinal, não é todo dia que papéis americanos pagam mais que os da Grécia, país sem autonomia monetária e com a segunda maior dívida pública do mundo, quase 170% do PIB.
Algo semelhante aconteceu no Reino Unido em
2022. Liz
Truss anunciou um Orçamento visto como absurdo e os juros
dispararam, gerando medo de quebra de fundos de pensão e outras
instituições financeiras. Só
não foi pior porque seu governo acabou caindo. Ela durou somente 45 dias no poder, o mais curto período de um
governante na história do país.
Muitos vivem de repetir que os mercados
odeiam os governos de esquerda, e os "rentistas" agem contra
eles. Lula
já cansou de ironizar reações do mercado a qualquer fala sobre
mudanças de gastos públicos, e não falta gente dizendo que esse tal mercado age propositalmente contra o governo. É
tudo balela.
Investidores, privados ou institucionais,
querem ganhar dinheiro ou se proteger de oscilações de câmbio, juros ou
inflação. Quando governos fazem medidas ruins, a reação não é coordenada: com
milhões de opções pelo mundo, retira-se dinheiro de país fazendo besteira. Os
EUA estão aprendendo isso na marra.
Mercados não têm ideologia. O dólar é a moeda
mundial porque investidores confiam, ou confiavam, que a economia americana
continuaria sendo o alicerce da PIB global e se manteria estável para
investimentos de longo prazo. O poder militar é muito menos importante que a
pujança da economia dos EUA, mais de 1/4 do PIB mundial e de onde vêm as
principais inovações tecnológicas.
Mas confiança pode ser quebrada. O Brasil que
o diga. Não são rentistas trancados numa sala como Illuminati que
decidem que os juros são altos no Brasil. Pagamos caro porque criamos regras e
descumprimos um ou dois governos depois. Lei
de Responsabilidade Fiscal? Teto
de gastos? Regra
de ouro? São alguns exemplos de arcabouços que caíram ou foram mutilados
(tanto pela esquerda quanto pela direita). Não existe país sério com novo marco
fiscal a cada década.
Trump pode ameaçar a China, mas não tem como
retaliar os mercados. Só quem pode pará-los é Jerome Powell, presidente do Fed.
Em 1980, Paul
Volcker resolveu acabar com a inflação americana quase que por
decreto, já que o Congresso não fazia nada. E conseguiu. Em
1980, a taxa de juros básica americana chegou a 20%, jogando a
economia em uma recessão profunda (e destruindo economias mal
gerenciadas, como o Brasil, por tabela). Powell provavelmente faria o mesmo
para estancar uma crise financeira global. O custo seria monstruoso. Mas a
disciplina dos mercados segurou Trump. Por enquanto.
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