O Globo
Os projetos de anistia usam pretexto de salvar manifestantes, mas são para proteger e livrar líderes do golpe, os generais e Bolsonaro
As máscaras caem nos textos das propostas de anistia que tramitam no Congresso. Os projetos, uns apensados a outros, usam o pretexto de salvar as pessoas que quebraram as sedes dos Três Poderes, para anistiar todos os autores intelectuais e financiadores do golpe de Estado. O projeto, na versão de setembro de 2024, também ameaça a Justiça. A investigação, o ato de oferecer ou receber denúncia e a persecução penal contra esses “manifestantes" serão considerados “abuso de autoridade”. É um golpe do Legislativo contra o Judiciário e abre as portas para golpes de Estado futuros.
O PL 2858 foi apresentado em novembro de 2022
pelo então deputado Major Vitor Hugo (PL-GO) e estabelecia que estavam
anistiados todos os manifestantes, caminhoneiros e empresários dos protestos em
estradas e unidades militares do dia 30 de outubro em diante. O relatório do
deputado Rodrigo Valadares (União-SE) de setembro de 2024 amplia o escopo e
significa uma licença para golpes de Estado no Brasil. Passados e futuros.
Estabelece que “ficam anistiados todos os que participaram de manifestações com
motivação política e eleitoral” no dia 8 de janeiro em diante, “até a entrada
em vigor desta lei”. E, logo depois, diz: “Fica também concedida anistia a
todos os que participaram de eventos subsequentes ou eventos anteriores aos
fatos acontecidos em 8 de janeiro de 2023, desde que mantenham relação com os
eventos acima citados.”
Fica perdoado tudo aquilo pelo qual militares
de alta patente e o ex-presidente Jair Bolsonaro foram denunciados e se
tornaram oficialmente réus. O projeto atinge, inclusive, sentenças não
transitadas em julgado. Anistia quem nem foi ainda condenado. Como o texto
estabelece que a anistia vale para os atos até a data de publicação da lei,
qualquer crime contra a democracia a ser ainda cometido nos próximos meses já
está perdoado, antes de ser perpetrado. É uma licença para golpear.
O projeto de Vitor Hugo, hoje vereador em
Goiânia, afirma na sua justificativa que os protestos no país desde o fim das
eleições eram legítimos e conduzidos espontaneamente por “cidadãos indignados
pela forma como se deu o processo eleitoral”. Quando foi proposto ainda não
havia acontecido o 8 de janeiro, mas anistiava tudo o que acontecesse até a
data da publicação da lei. Todas as versões fingem estar em defesa da liberdade
de expressão e de manifestações cívicas. O relatório de Valadares deixa claro que
quer anistiar os cabeças. “O mero apoio financeiro, logístico ou intelectual
para manifestações cívicas ou políticas, voltadas à defesa de direitos e
garantias fundamentais ou a quaisquer outros valores presentes no seio social,
não pode ser enquadrado por si só como ato de financiamento contrário ao
ordenamento jurídico, nos casos em que integrantes ou dirigentes do movimento
venham agir, eventualmente, com abuso de direito ou desvio de finalidade”.
O PL 2858, em todas as suas versões,
interfere na Justiça Eleitoral. O relatório de Valadares estabelece que ficam
elegíveis os anistiados e suspensas as multas aplicadas. Além disso, muda a
prerrogativa de foro de quem deixa de ocupar cargo público, mesmo no caso dos
atos executados durante o exercício da função. O deputado Sóstenes Cavalcante,
líder do PL na Câmara, quer manter Valadares na relatoria.
O parágrafo sexto do artigo sexto do
relatório de Valadares estabelece que “caracteriza abuso de autoridade o ato de
dar início à investigação, à persecução penal ou a processo crime, bem como
oferecer ou receber denúncias ou aplicar, de qualquer modo, os dispositivos
contidos neste Título de forma diversa daquela delineada neste artigo”. Ou
seja, a Justiça fica proibida de agir contra o crime.
Neste momento, o PL, partido de Bolsonaro,
disse que já tem assinaturas suficientes para que o PL seja votado em regime de
urgência e isso significa uma tramitação rápida que não passa nem pelas
Comissões. O projeto é inconstitucional, em qualquer de suas versões. Há quem
diga que ele pode ser melhorado durante a tramitação. Há quem diga que o
presidente Lula pode vetar, ou o STF julgar inconstitucional. Não. O Congresso
não pode jogar o problema no colo dos outros poderes. É na Casa das Leis que
tal aberração tem que ser barrada porque ela legaliza o crime de golpe de
Estado, criminaliza a Justiça, e abre espaço para futuros atentados contra a
democracia. É inconcebível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário