O Globo
A abrangência do projeto de anistia é tão ampla que atinge fatos antecedentes e subsequentes ao que chamam de “manifestações com conotação política ou eleitoral” entre os dias 8 de janeiro de 2023 e a entrada em vigor da lei
É impossível qualquer tipo de negociação em
torno do projeto de lei de anistia apresentado pelo PL, simplesmente porque ele
não prevê punição para ninguém, inclusive para os organizadores e financiadores
da tentativa de sublevação ocorrida em 8/1/23 em Brasília. E não prevê porque o
objetivo único da lei é salvar Bolsonaro da guilhotina política, permitindo que
ele concorra à eleição presidencial do ano que vem. Não há referência a
alteração de penas dos já condenados, mesmo porque parece um abuso de poder político
a atribuição ao Congresso de anistiar, tanto na parte criminal quanto na civil,
os envolvidos nos atentados.
O projeto de lei, da maneira que está apresentado, comete uma série de inconstitucionalidades que certamente serão questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF), a começar pela determinação de que o Judiciário será acusado de abuso de poder se não aceitar as decisões do Congresso, o que transforma os ministros do Supremo em reféns de um golpe legislativo. A abrangência da anistia é tão ampla que atinge fatos antecedentes e subsequentes ao que chamam de “manifestações com conotação política ou eleitoral” entre os dias 8 de janeiro de 2023 e a entrada em vigor da lei.
O problema é que, mesmo anistiado nos termos
do projeto, Bolsonaro continuará condenado à inelegibilidade pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político e uso indevido dos meios
de comunicação na reunião com embaixadores realizada em Brasília no Palácio da
Alvorada, para criticar as urnas eletrônicas. A condenação não tem nada a ver
com os atos de 8/1/23, a não ser que os bolsonaristas admitam que o presidente
de então já estava planejando um golpe quando criticava as urnas eletrônicas, inclusive
para o exterior.
O projeto de lei se refere com frequência a
punições criminais ou eleitorais, com o objetivo de anistiar todas as
possibilidades de punição a Bolsonaro, mas extrapola o poder do Legislativo ao
assumir o papel do Judiciário. Não foi à toa que a fala da ministra Gleisi
Hoffmann a respeito da negociação no Congresso sobre redução de penas criou
atrito involuntário no Supremo. O que parecia ser um aval do governo Lula para
a discussão da lei de anistia, era apenas uma tentativa de Gleisi de mediar uma
negociação entre o Legislativo e o Judiciário.
O governo acha que muitos dos 100 deputados
da sua base parlamentar que assinaram o pedido de urgência entenderam errado o
recado, ou não se deram conta da abrangência do projeto de lei. Mas não há como
uma negociação política possa influir na decisão dos juízes do STF, a não ser
que se admita que as decisões são tomadas com base na política, e não na
análise jurídica. Além do mais, já havia sinais de que, no Supremo, havia um
movimento, a partir do incômodo revelado pelo ministro Luis Fux, para que certas
penas fossem revisadas, evitando exageros porventura cometidos.
Uma revisão como essa não encontra eco no
projeto de lei apresentado, que é um exemplo de como parlamentares podem
distorcer o sentido das decisões judiciais, abusando de seu poder de
legisladores. O senador Alessandro Vieira já apresentara um outro projeto,
reduzindo a um máximo de 12 anos as penas para os envolvidos nos ataques aos
prédios da Praça dos Três Poderes, mas ressaltava que os organizadores e
financiadores não seriam alcançados pela lei. Mesmo que não viesse a ter efeito
prático, a proposta do senador do MDB tocava num ponto importante, o da redução
de algumas penas consideradas excessivas.
Os próprios ministros do Supremo já debatiam
essa situação, e havia (há ainda?) a tendência de acatar uma revisão
controlada, pois mesmo alguns ministros, como o presidente Luis Roberto
Barroso, consideraram exagerada a condenação duas vezes pelo mesmo ato: a
abolição do Estado de Direito e o crime de Golpe de Estado seriam a mesma
coisa, merecendo apenas uma condenação. A radicalização do Congresso, porém,
não ajuda em nada a busca de um equilíbrio punitivo necessário para que não se
naturalize uma tentativa de golpe político.
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