As dúvidas sobre a real prioridade que deveria ser dada pelo governo ao reaparelhamento das Forças Armadas, e o que ele deveria objetivar caso considerado de interesse nacional, provocaram diversas mensagens de leitores que resumo na coluna de hoje aproveitando quatro delas. O dirigente do Partido Verde Alfredo Sirkis começa colocando em dúvida a adequação dos equipamentos que Lula quer comprar “ao seu livre arbítrio”.
Para Sirkis, as ameaças que pairam no horizonte do Brasil são as seguintes: 1) as consequências do aquecimento global: maiores enchentes e outros fenômenos extremos como os tornados em Santa Catarina, na região Centro-Sul; a desertificação do semiárido no Nordeste e savanização da Amazônia. “Isso poderá ter um custo em vidas, patrimônio, migração e desestabilização social numa escala que compromete a defesa nacional”.
2) Situações de instabilidade aguda, narcoterrorismo e regimes irresponsáveis em países vizinhos gerando conflitos que podem atravessar nossas fronteiras terrestres.
3) Quebra do monopólio das Forças Armadas sobre o armamento de guerra, controle territorial de favelas e modalidades pós-modernas de insurgência.
“Penso que esse é um problema de defesa nacional em curso há tempos”.
Sirkis diz que “a realidade ou plausibilidade dessas ameaças é infinitamente maior do que um hipotético ataque de alguma grande potência ao présal, que, aliás, só vai operar efetivamente daqui a uns 20 anos”.
Para ele, a questão do equipamento de nossas Forças Armadas “depende de um nova doutrina e de um remanejamento imediato para defender as florestas, evitando queimadas, que contribuem com mais de 60% para nossas emissões de CO2, reforçando a defesa de fronteiras com países de regimes problemáticos que podem provocar guerras civis ou com regiões com a presença de narcoterrorismo e uma integração mais efetiva com as polícias no combate ao narcovarejo que controla territórios no Rio e ataca militar mente a polícia (São Paulo e Salvador)”.
Outro leitor desconfiado da eficácia desse reaparelhamento, principalmente com a tão falada transferência de tecnologia, é o engenheiro químico André Lion, que participou de transferências de tecnologia, tão em voga na década de 70 do século passado.
Ele lembra que a transferência de tecnologia “só faz sentido se depois de realizada o receptor da tecnologia continuar pesquisando e desenvolvendo o assunto, pois de outra forma o conhecimento se tornará obsoleto”.
Para exemplificar, cita que, na época em que um oficial da Aeronáutica brasileira foi com a nave russoamericana em órbita, o governo brasileiro pagou a viagem “porque o Brasil deveria fornecer uma escotilha para ser instalada na nave, mas não se conseguiu desenvolver a mesma satisfatoriamente, o que tornou necessário o pagamento”.
Sobre transferência de tecnologia, o engenheiro Eduardo Siqueira Brick, coordenador adjunto do núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Nest/UFF), diz que “só absorve tecnologia quem é capaz de desenvolvê-la”.
É possível, sim, adquirir (comprar, roubar, copiar) tecnologia, desde que se tenha competência para isso, ressalva Brick.
Mas ele adverte: “Nós temos alguma capacidade para isso, mas falta incentivo para que nossos jovens estudem ciências e engenharias. Temos alguma qualidade, mas falta quantidade . Vamos e nfrentar muitas dificuldades por conta desse descaso”.
O mesmo ponto é levantado pelo leitor Felipe Albano, consultor financeiro, economista com mestrado London Business School.
Para ele, a pergunta a ser feita é por que se deve gastar esse monte de dinheiro em defesa e, em em caso positivo, como devemos nos defender? Albano garante que não é comprando submarinos.
“Você sabe o que aconteceu com os Mirage comprados no passado? Por que vai ser diferente desta vez? Não basta ter aviões, é preciso treino constante, que consome milhões”, lembra ele.
O cético Felipe Albano segue questionando as prioridades: “Se você fosse presidente e precisasse liberar recursos para treinos aéreos e não tivesse verba para educação ou saúde, como você faria? Exatamente o que os próximos presidentes farão: manteria os aviões no chão e seus pilotos destreinados. Defesa é para país rico”.
Seu ceticismo tem base na realidade. O país forma apenas mil físicos e 33 mil engenheiros por ano. “Você acha que, com mil físicos, podemos absorver alguma tecnologia, ainda mais bélica, que envolve materiais que não sabemos como produzir?”, pergunta.
A China, que tem seis vezes a nossa população, forma 300 mil engenheiros por ano. “Embora uma coisa não tenha relação direta com a outra, podemos dizer que formamos poucos engenheiros para o desenvolvimento”, comenta.
Como explica Felipe Albano, “fazer foguetes é fácil, o difícil é saber onde eles vão cair. A tecnologia de “missile guidance” é que é complicada. Vide a Coreia do Norte, que faz foguetes e não sabe onde eles cairão.
Da mesma forma, diz ele, a revista “Popular Mechanics ” publicou em 1954, mais ou menos, como se faz uma bomba atômica, e quase ninguém conseguiu fazer. “O que falta: materiais, engenharia de fabricação e combustível físsil”. E conclui: “Tecnologia não se absorve, desenvolve-se, mas é preciso ter bons engenheiros, físicos e químicos”.
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