DEU NO VALOR ECONÔMICO
Ao deixar o Planalto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desalojará do poder o movimento sindical. É muito pequena a chance de o sindicalismo manter com o eleito, seja qual for, a interlocução e o peso alcançados neste governo. Nas duas candidaturas de oposição o afastamento é explicitado pelas alianças partidárias e programáticas que os sustentam. Na campanha petista o estranhamento vai desde os desacertos em torno do programa de governo do partido à ausência de qualquer interlocutor do movimento entre seus estrategistas.
Ao longo de sua carreira no serviço público, Dilma Rousseff, apesar de egressa do trabalhismo, nunca se aproximou do movimento sindical. Como ministra da Casa Civil, foram encontros majoritariamente empresariais que pautaram sua agenda apesar da tentativa das centrais de marcar presença. Como candidata, trata com desenvoltura da abertura de capital de estatais como a Infraero e os Correios, tema que, nas campanhas presidenciais de Lula, os sindicatos fizeram de cavalo de batalha contra tucanos inertes à estratégia da mistificação.
Esse afastamento é uma sinalização de que, no próximo governo, a retomada de propostas como a desoneração da folha ou a reforma da Previdência encontrará menos resistências internas, ainda que seja cedo para supor que a divisão de cadeiras no Congresso lhe seja favorável.
Ao se iniciar, este governo tinha ambas as propostas entre suas prioridades. Chegou a propor, sem sucesso, o fim da multa de 40% do FGTS, mas conseguiu aprovar mudanças tão ou mais significativas que as do governo anterior na Previdência, como a cobrança dos inativos, a instituição do redutor do benefício e a elevação da idade mínima.
A pauta foi suspensa com o mensalão, cujo enfrentamento levou o governo a convocar as centrais sindicais para a comissão de frente. Só seria retomada em 2007 com a apresentação pelo Executivo do projeto que institui a previdência complementar para o funcionalismo.
Pela proposta, todo servidor que ingresse no setor público depois da aprovação da lei teria direito a um teto previdenciário equivalente ao da iniciativa privada (hoje R$ 3,4 mil). Quem quisesse ganhar mais que contribua com um fundo de pensão. O projeto parte do pressuposto de que o Estado não deve ser onerado pelas aposentadorias mais altas.
Em mesa de debates durante o 10º encontro da Associação Brasileira de Ciência Política que acontece esta semana no Recife a professora da USP Marta Arretche mostrou como as desigualdades no mercado de trabalho são a principal agenda social que este governo deixou inacabada.
Ao longo do governo Lula programas sociais como o Bolsa Família permitiram acesso milhões a conta bancária e a um mínimo de consumo. O crescimento da economia elevou o nível de emprego a patamares históricos. Mas na população em idade de trabalhar não são poucas as diferenças no acesso à cidadania.
Um fosso separa o trabalhador informal de um celetista com férias e repouso semanal remunerado, vale transporte, seguro desemprego e contribuição previdenciária do empregador e de um estatutário que tem estabilidade, licença, direito à greve paga pelo erário e aposentadoria acima do teto do INSS.
Marta Arretche reconheceu que a legislação é insuficiente para explicar disparidades aprofundadas ao longo de ciclos econômicos que sempre contaram com grandes exércitos de reserva de mão-de-obra. Da mesma forma, o pleno emprego na Europa tem que considerar as levas de imigrantes que deixaram o continente nos últimos séculos e as baixas ocorridas com a Segunda Guerra Mundial. Mas em lugar algum do mundo a redução das desigualdades foi alcançada sem mudanças legais.
Listou os três governos europeus mais bem sucedidos na promoção de reformas que diminuíram essas desigualdades nos anos 1990 e em todos identificou em comum uma coalizão parlamentar de esquerda. Na França de Lionel Jospin a coalizão reuniu socialistas, comunistas e verdes, na Itália de Dini a reforma aprovada pela aliança de esquerda foi a mesma que havia derrubado o primeiro governo Berlusconi e, na Holanda, a entrada do partido trabalhista no governo foi condicionada ao apoio às mudanças.
Marta credita a paralisia das reformas em parte às incertezas em relação à viabilidade eleitoral da bancada do PT na disputa pós-mensalão. Na eleição de 2006 as pesquisas indicavam que o grau de identificação com a legenda tinha sofrido um baque, mas isso não impediu que o partido fizesse uma bancada maior.
As mudanças ocorridas na bancada do PT em 2006 - a redução de parlamentares da região centro-sul ligados a bandeiras sindicais e o aumento na proporção de cadeiras do Norte e Nordeste conquistadas pela associação com programas sociais e emendas parlamentares - devem se intensificar na eleição de outubro.
O novo perfil da bancada do PT pode indicar uma maior permeabilidade às propostas de redução das desigualdades no mercado de trabalho. Além da previdência complementar dos servidores há uma infinidade de projetos que foram contidos no Congresso, como a criação das fundações estatais, a limitação do gasto com pessoal e a regulamentação do direito de greve.
Entre os sindicalistas, a aposta é outra. Como não haveria no mercado eleitoral proposta que afugente o de capitais, restaria ao partido radicalizar ao lado das bandeiras do movimento. De acordo com essa tese, isso não teria sido possível no governo Lula pelo compromisso com a Carta aos Brasileiros. O PT não poderia afugentar os mercados que o presidente, a muito custo, havia acalmado. Desta vez, não há fios desencapados na sucessão, o que liberaria o PT a agir em favor das teses que o movimento acredita serem de esquerda.
Se a tese parece razoável num cenário de vitória tucana, as chances de que vingue num eventual governo Dilma estão diretamente associadas à crença de que Lula continue bancando o movimento mesmo longe do Planalto. A pergunta que fica é por que Lula, se estivesse interessado na permanência da hegemonia sindical, teria escolhido uma candidata que não soma meia dúzia de horas de assembleia.
Sindicalistas e empresários passaram a travar uma batalha pela prioridade das reformas trabalhista e sindical. O mensalão jogou Lula no colo de sua base social e as centrais acabaram descolando seu reconhecimento legal. O crescimento acelerado da economia e a fartura do crédito aquietaram o patronato.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
Ao deixar o Planalto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desalojará do poder o movimento sindical. É muito pequena a chance de o sindicalismo manter com o eleito, seja qual for, a interlocução e o peso alcançados neste governo. Nas duas candidaturas de oposição o afastamento é explicitado pelas alianças partidárias e programáticas que os sustentam. Na campanha petista o estranhamento vai desde os desacertos em torno do programa de governo do partido à ausência de qualquer interlocutor do movimento entre seus estrategistas.
Ao longo de sua carreira no serviço público, Dilma Rousseff, apesar de egressa do trabalhismo, nunca se aproximou do movimento sindical. Como ministra da Casa Civil, foram encontros majoritariamente empresariais que pautaram sua agenda apesar da tentativa das centrais de marcar presença. Como candidata, trata com desenvoltura da abertura de capital de estatais como a Infraero e os Correios, tema que, nas campanhas presidenciais de Lula, os sindicatos fizeram de cavalo de batalha contra tucanos inertes à estratégia da mistificação.
Esse afastamento é uma sinalização de que, no próximo governo, a retomada de propostas como a desoneração da folha ou a reforma da Previdência encontrará menos resistências internas, ainda que seja cedo para supor que a divisão de cadeiras no Congresso lhe seja favorável.
Ao se iniciar, este governo tinha ambas as propostas entre suas prioridades. Chegou a propor, sem sucesso, o fim da multa de 40% do FGTS, mas conseguiu aprovar mudanças tão ou mais significativas que as do governo anterior na Previdência, como a cobrança dos inativos, a instituição do redutor do benefício e a elevação da idade mínima.
A pauta foi suspensa com o mensalão, cujo enfrentamento levou o governo a convocar as centrais sindicais para a comissão de frente. Só seria retomada em 2007 com a apresentação pelo Executivo do projeto que institui a previdência complementar para o funcionalismo.
Pela proposta, todo servidor que ingresse no setor público depois da aprovação da lei teria direito a um teto previdenciário equivalente ao da iniciativa privada (hoje R$ 3,4 mil). Quem quisesse ganhar mais que contribua com um fundo de pensão. O projeto parte do pressuposto de que o Estado não deve ser onerado pelas aposentadorias mais altas.
Em mesa de debates durante o 10º encontro da Associação Brasileira de Ciência Política que acontece esta semana no Recife a professora da USP Marta Arretche mostrou como as desigualdades no mercado de trabalho são a principal agenda social que este governo deixou inacabada.
Ao longo do governo Lula programas sociais como o Bolsa Família permitiram acesso milhões a conta bancária e a um mínimo de consumo. O crescimento da economia elevou o nível de emprego a patamares históricos. Mas na população em idade de trabalhar não são poucas as diferenças no acesso à cidadania.
Um fosso separa o trabalhador informal de um celetista com férias e repouso semanal remunerado, vale transporte, seguro desemprego e contribuição previdenciária do empregador e de um estatutário que tem estabilidade, licença, direito à greve paga pelo erário e aposentadoria acima do teto do INSS.
Marta Arretche reconheceu que a legislação é insuficiente para explicar disparidades aprofundadas ao longo de ciclos econômicos que sempre contaram com grandes exércitos de reserva de mão-de-obra. Da mesma forma, o pleno emprego na Europa tem que considerar as levas de imigrantes que deixaram o continente nos últimos séculos e as baixas ocorridas com a Segunda Guerra Mundial. Mas em lugar algum do mundo a redução das desigualdades foi alcançada sem mudanças legais.
Listou os três governos europeus mais bem sucedidos na promoção de reformas que diminuíram essas desigualdades nos anos 1990 e em todos identificou em comum uma coalizão parlamentar de esquerda. Na França de Lionel Jospin a coalizão reuniu socialistas, comunistas e verdes, na Itália de Dini a reforma aprovada pela aliança de esquerda foi a mesma que havia derrubado o primeiro governo Berlusconi e, na Holanda, a entrada do partido trabalhista no governo foi condicionada ao apoio às mudanças.
Marta credita a paralisia das reformas em parte às incertezas em relação à viabilidade eleitoral da bancada do PT na disputa pós-mensalão. Na eleição de 2006 as pesquisas indicavam que o grau de identificação com a legenda tinha sofrido um baque, mas isso não impediu que o partido fizesse uma bancada maior.
As mudanças ocorridas na bancada do PT em 2006 - a redução de parlamentares da região centro-sul ligados a bandeiras sindicais e o aumento na proporção de cadeiras do Norte e Nordeste conquistadas pela associação com programas sociais e emendas parlamentares - devem se intensificar na eleição de outubro.
O novo perfil da bancada do PT pode indicar uma maior permeabilidade às propostas de redução das desigualdades no mercado de trabalho. Além da previdência complementar dos servidores há uma infinidade de projetos que foram contidos no Congresso, como a criação das fundações estatais, a limitação do gasto com pessoal e a regulamentação do direito de greve.
Entre os sindicalistas, a aposta é outra. Como não haveria no mercado eleitoral proposta que afugente o de capitais, restaria ao partido radicalizar ao lado das bandeiras do movimento. De acordo com essa tese, isso não teria sido possível no governo Lula pelo compromisso com a Carta aos Brasileiros. O PT não poderia afugentar os mercados que o presidente, a muito custo, havia acalmado. Desta vez, não há fios desencapados na sucessão, o que liberaria o PT a agir em favor das teses que o movimento acredita serem de esquerda.
Se a tese parece razoável num cenário de vitória tucana, as chances de que vingue num eventual governo Dilma estão diretamente associadas à crença de que Lula continue bancando o movimento mesmo longe do Planalto. A pergunta que fica é por que Lula, se estivesse interessado na permanência da hegemonia sindical, teria escolhido uma candidata que não soma meia dúzia de horas de assembleia.
Sindicalistas e empresários passaram a travar uma batalha pela prioridade das reformas trabalhista e sindical. O mensalão jogou Lula no colo de sua base social e as centrais acabaram descolando seu reconhecimento legal. O crescimento acelerado da economia e a fartura do crédito aquietaram o patronato.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
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