Reza uma versão atribuída ao "Palácio do Planalto" que o governo resolveu não tomar conhecimento do fato de que seu ministro do Trabalho, Carlos Lupi, foi funcionário fantasma do gabinete da liderança do PDT na Câmara durante mais de cinco anos, porque em "todos os partidos" há contratados que não aparecem no trabalho.
Um adendo: como de resto se deixou para lá a escabrosa história de um mecânico petista que ao tentar registrar seu sindicato (cartório, guichê de arrecadação, como queiram, pois o objetivo é ter acesso ao dinheiro da contribuição sindical) no Ministério do Trabalho foi informado de que deveria pagar um "por fora" de R$ 1 milhão.
Recusou-se - até porque não tinha o dinheiro -, comunicou o ocorrido a parlamentares petistas, mandou e-mail ao gabinete da presidente, ao secretário-geral da Presidência, mas, como disse o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, são muitas as mensagens que chegam todos os dias dizendo isso e aquilo.
Portanto, não havendo mãos a medir para atendê-las, a solução é deixar todas para lá.
A Presidência foi mais atenciosa na resposta: informou que o e-mail enviado a Dilma Rousseff chegou truncado, não dava para ler justamente o trecho da denúncia sobre a tentativa de extorsão. Do cinismo, uma obra de arte.
E as outras mensagens? E os avisos aos parlamentares? O senador Eduardo Suplicy disse que mandou um ofício à boca do lobo, ou melhor, ao Ministério do Trabalho. De onde menos se esperava que saísse uma providência é que não saiu nada mesmo.
Em Roma como os romanos, deixemos para lá. Voltemos ao caso da Câmara, de onde Carlos Lupi recebeu salário entre 2000 e 2006 sem aparecer para trabalhar, ato considerado aceitável porque há fantasmas para todo lado.
É a lógica da ilegalidade tornada legítima pela adesão à prática - a mesma aplicada ao uso do caixa 2 nas campanhas eleitorais. Se muita gente comete uma infração, ela passa a ser considerada, digamos, um hábito.
Em tempos menos estranhos à distinção entre o certo e o errado e em ambiente menos permissivo, tal revelação suscitaria dois tipos questionamentos: um ao ministro, cuja ficha já se assemelha a um boletim de ocorrências, outro à Câmara dos Deputados a fim de se verificar que bagunça é essa.
No lugar de admoestações, no entanto, o que tivemos foi a assinatura do líder do governo na Câmara em mais um atestado de desmoralização do Parlamento.
"A maioria dos funcionários (contratados pelos deputados) jamais pisou na Câmara", disse Vaccarezza. Ao defender o sagrado direito à boquinha, o deputado defendeu também a malversação.
Uma velha conhecida dele. Desde os idos de 1996, quando prestava o mesmo tipo de serviço no gabinete do vereador malufista Brasil Vita. Era, então, secretário-geral do PT, não tinha mandato parlamentar e ganhava a vida na base do ponto assinado sem comparecer ao trabalho.
Não fossem tão estranhos os tempos nem tão permissivo o ambiente, a afirmação do, note-se, líder do governo na Câmara requereria do presidente da Casa uma averiguação e dos partidos ali representados a apresentação da prova em contrário.
Não haverá uma nem outra. Os partidos serão comedidos nos protestos (se houver) a fim de não materializar seus fantasmas, Vaccarezza talvez se veja obrigado a consertar a declaração dizendo que foi entendida fora do contexto e Marco Maia, ah, o presidente da Câmara no dia anterior já havia explicitado a empresários paulistas qual é o seu padrão.
Reunido com o Grupo de Líderes Empresariais (Lide) na segunda-feira, foi instado a se manifestar sobre ética na política e cobrado por causa da absolvição de Jaqueline Roriz, filmada recebendo dinheiro de origem suspeita.
E o que disse o deputado aos homens de negócios? "A Câmara não é uma delegacia de polícia, embora muitos desejem que se transforme numa delegacia de polícia."
Engana-se ou se faz de desentendido o presidente da Câmara. Ninguém quer que o Legislativo seja uma delegacia. Bastaria que cumprisse direito sua delegação e não contribuísse para fazer da política um caso de polícia.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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