Ontem foi um dia especial para o Estado do Rio, e não apenas porque estava lindo, um daqueles dias de luz, festa do sol, da canção de bossa-nova que nós cariocas gostamos de afirmar que só mesmo uma cidade como o Rio pode proporcionar. Havia razões concretas, palpáveis, para transformar o dia em especial, e não apenas vantagens intangíveis.
Muitos cariocas acordaram com uma boa notícia na manchete dos jornais - outros devem ter sabido na televisão de madrugada: Nem, o chefão do tráfico da Rocinha, havia sido preso.
Aconteceu também, por coincidência benéfica, a passeata contra a tentativa de alterar a distribuição dos royalties do petróleo, que prejudica de maneira brutal a economia do Rio justamente no momento em que o estado tenta se recuperar moral e financeiramente.
Mesmo que a mobilização para a passeata tenha sido facilitada pelos governos estadual e municipais, com a liberação do funcionalismo público e a utilização da máquina governamental a serviço do protesto, foram 150 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, que se mexeram para chamar a atenção dos políticos de Brasília. Uma passeata "oficial" sem dúvida, mas que tinha um significado.
É inegável que havia no ar ontem uma sensação de que cada um dos habitantes deveria estar solidário, independentemente de sua tendência política, em defesa dos interesses do estado.
A tentativa de não apenas mudar a distribuição dos royalties do petróleo no novo sistema de partilha, mas, sobretudo, nos campos já licitados, é uma clara quebra de contrato que pode colocar em risco a economia do Estado do Rio.
Todo mundo pelas ruas entende que estão querendo tungar o que é nosso, mesmo os que não entendem nada de petróleo.
Na prisão de Nem, nem tudo foram flores. A notícia da prisão dos chefões do tráfico da Rocinha, destrinchada, tem aspectos que justificam o receio de que, sem uma mudança estrutural nas polícias do estado, não seja possível ter a esperança de imaginar-se um futuro com uma polícia-cidadã, não conivente com os crimes, que recupere a confiança da população.
Policiais federais que interceptaram o carro em cujo porta-malas Nem se escondia recusaram um suborno na casa do milhão de reais, mas houve uma tentativa de fazer o acordo criminoso por parte de alguns policiais civis.
Da mesma maneira que horas antes outro grupo de policiais federais havia prendido traficantes e policiais civis e militares que faziam sua escolta, em outra tentativa de fuga da Rocinha antes da retomada da maior favela da Zona Sul pelas forças de segurança do estado.
Desta vez, a operação policial para retomar o espaço público dos traficantes nas favelas do Rio teve um êxito mais completo.
Como nas ações anteriores, a polícia avisou que iria invadir a Rocinha com antecedência, para evitar um confronto com os traficantes que colocaria em risco a vida dos moradores das favelas ocupadas.
Mas ao mesmo tempo montou uma operação de inteligência, com a ajuda do Exército e da Polícia Federal, para impedir a fuga dos principais traficantes.
Teve pleno êxito, e a implantação de mais uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) parece que acontecerá sem maiores atropelos, com os traficantes desarticulados e, como bem definiu o secretário de Segurança José Mariano Beltrame, demonstrando toda a sua fragilidade.
Estabelecida essa marca, será preciso aprofundar a reorganização das polícias civis e militares do Estado do Rio, para que o esforço não se perca em novas formas de acordos com os traficantes.
Há indícios de que em algumas das favelas já pacificadas começa a ocorrer uma conivência criminosa entre polícia e bandidos, que preserva as aparências, mas permite que o domínio do território pouco a pouco volte a ser dos bandidos.
Seria ingenuidade achar que essas operações acabariam com o tráfico de drogas nas favelas ocupadas. Esse não poderia ser o objetivo da ação, por inviável.
Mas é inadmissível que o controle territorial volte a ser dos bandidos, apenas sem as armas expostas ao público. Tanto empenho e sacrifício não podem servir para montar uma farsa a fim de enganar a população.
Da mesma maneira, a questão dos royalties, além do seu aspecto jurídico, contém aspectos políticos relevantes.
O Estado do Rio estaria, com as perdas que a proposta de redivisão das receitas do petróleo provocaria, impedido de dar sequência à sua política de segurança pública, que é fundamental para a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas em 2016, mas, sobretudo, tem que ser encarada como uma política permanente de Estado, importante não apenas para os moradores do Rio, mas também para o país.
O Estado do Rio deve perder R$91,47 bilhões até 2020 com a redistribuição de royalties e participação especial se o substitutivo for aprovado no Congresso, segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Outros cálculos, que incluem perdas já dadas com a legislação do ICMS aprovada na Constituinte de 1988 - e que justificaram a criação dos royalties como compensação pela não cobrança do imposto do petróleo na sua origem - e o critério do Fundo de Participação dos Estados, que beneficia os estados menores, ampliam as perdas para R$125,6 bilhões até 2020, conforme mostrou ontem reportagem do GLOBO.
A mudança dos critérios para a distribuição dos royalties, portanto, tem uma dimensão social muito maior e pode afetar uma política de segurança pública que vem tendo êxito inegável.
Não é descabido, por isso, que o governador Sérgio Cabral lembre à presidente Dilma que ela teve aqui no estado 60% dos votos e que deve a seu povo uma retribuição à altura do apoio que recebeu.
A retribuição terá necessariamente que ser institucional, dispensando-se gestos demagógicos.
FONTE: O GLOBO
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