Para Marco Aurélio Mello, mudança do Supremo em relação ao crime decepciona sociedade
Maria Lima
BRASÍLIA — Para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio Mello, a mudança do STF em relação à formação de quadrilha decepciona sociedade e poderá afetar as eleições de outubro, quando o TSE fará campanha pelo voto consciente.
O TSE vai iniciar uma campanha para neutralizar os protestos de rua, o linchamento político e pedir que os eleitores protestem nas urnas. O recuo do Supremo e a iminente soltura dos mensaleiros dificultam essa campanha?
Temos que buscar a conscientização do eleitor. Às vezes, ele imagina que por ter apenas um voto, não vá fazer diferença, é irrelevante. Mas esse voto se soma a outros que implicam na escolha do representante. A forma de se mudar o país é escolhendo bons representantes. Não é queimando lixeiras, partindo para a violência que já desaguou em uma morte. Estamos concentrados na publicidade institucional, em sensibilizar o eleitor. Não cabe o protesto anulando-se o voto nem se votando em branco.
O que, às vezes, acaba beneficiando justamente quem o eleitor quer tirar...
Claro! O voto em branco é considerado para se aferir se o candidato que está na frente consegue alcançar os 50% para se eleger. O nulo, não. Temos que utilizar essa manifestação negativa de compreensão da quadra vivida. A forma eficiente de se protestar é indo às urnas e sufragando o nome do candidato de vida irreprochável.
Acredita que haverá frustração do eleitor com o recuo do STF? Como isso vai se refletir nas urnas?
Vou repetir o que li num romance do John Steinbeck, “O inverno da nossa desesperança”, em que ele termina assim: “Quando uma luz se apaga fica muito mais escuro como se ela jamais houvesse brilhado”. Quando o Supremo por seis votos a quatro (uma cadeira estava vaga) impôs a condenação, a luz esteve acesa. Deu-se uma esperança à sociedade quanto ao afastamento da impunidade dos poderosos. Agora o mesmo tribunal, porque vinga a impessoalidade, deu o dito pelo não dito. Aí transformou a condenação em absolvição, por seis votos a cinco.
Isso é uma sinalização ruim para a sociedade que acreditou no STF durante esse julgamento?
Isso, para o leigo, é péssimo. Embora o crime de quadrilha tenha uma pena pequena frente à pena da corrupção, do peculato, da lavagem de dinheiro, que pode chegar até a uma dezena ou mais de anos, o simbolismo é muito grande. O leigo vai ficar decepcionado, o que não é bom em termos de fortalecimento e crença nas instituições. Mas, de qualquer forma, estamos numa democracia e prevalece a ótica da maioria.
Ao invés de formação de quadrilha, os ministros novatos inauguraram o termo “concurso de agente”...
Ao invés de se ter a quadrilha, associação para a prática criminosa, se assentou que seria uma simples coautoria. No caso concreto, apenas oito dos 25 réus tinham sido condenados por formação de quadrilha, porque estavam, segundo a ótica da maioria de então (em 2012), realmente acordados para a prática de crimes. Se não tivesse sido escancarada a mazela, o governo seria esse que está aí? E aí, teria cessado a prática? Então, eles estavam realmente ajustados de forma permanente para implementar condutas criminosas. Digo que tenho que reexaminar minha compreensão sobre a matéria, mas até aqui eu estou apenas vencido, não convencido.
Pelo novo entendimento do STF, vai ser difícil condenar por formação de quadrilha criminosos de colarinho branco? Só para o pobre, o traficante?
Exatamente! Esse é outro aspecto. Mostra que estamos acostumados a perceber o crime de formação de quadrilha apenas para estelionatários, assaltantes, homicidas ou grupos de extermínio, mas não de criminosos do colarinho branco. A meu ver, o Ministério Público, no passado, logrou provar que teve formação de quadrilha entre os oito condenados, muito embora, agora, o Supremo tenha dito que é improcedente a imputação.
Nas redes sociais já há uma intensa campanha de difamação do Supremo. Esse recuo pode ser usado politicamente para dizer que o julgamento foi uma farsa?
O simbolismo de se anular esse entendimento inicial das condenações por formação de quadrilha é muito grande. Mas prevaleceu o convencimento da maioria. Repito: o Supremo deu o dito pelo não dito. Reforça a visão leiga de que foi um julgamento político, e não foi. Precisamos fazer justiça inclusive ao colega que já saiu, o ministro Carlos Ayres Brito, que votou pela condenação por formação de quadrilha. Não julgamos no campo do direito alternativo, muito menos para condenar um ser humano! Julgamos o que consideramos realmente demonstrado, em cima dos autos, das provas produzidas no processo pelo Ministério Público, que a minoria de ontem, e a maioria de antes, entendeu que foi feita. Agora, vamos ver, avançar futuramente e buscar dias melhores.
Pode o TSE, como o STF, também dar um choque e impugnar, antes de chegar às urnas, o candidato que comete todo tipo de crime eleitoral na campanha e apenas paga uma multa?
Nós temos o processo de registro. A data limite para a apresentação dos pedidos é 5 de julho e aí nós julgamos. Só que, com a grande carga de processos, o pronunciamento às vezes acontece depois da eleição. E no Brasil há a moda de se potencializar o fato consumado. Mas no TSE, na Justiça Eleitoral, ainda estamos no rescaldo de 2008. Ainda julgando processos de 2008, de mandatos que estão para terminar. Precisamos avançar com uma emenda constitucional para dar aos Tribunais Regionais e ao TSE composição de juízes efetivos e não juízes emprestados, como ocorre agora. A demanda e a litigiosidade é muito grande. E há aqueles que apostam na morosidade da Justiça, no jeitinho brasileiro ou na multa. Já é hora de majorar essas multas.
A Internet é um território desconhecido e os candidatos estão investindo milhões para aparelhar as redes. Como controlar abusos?
O abuso aí, a meu ver, não diz respeito apenas à liberdade de expressão, que é um valor maior e tem de ser preservado. O abuso está na desqualificação dos opositores. Aí surge o problema do direito de resposta, responsabilidade civil, indenizações. É uma matéria em aberto. E a disciplina até hoje proporcionada pelo Congresso é muito escassa. Os artigos são muito poucos. Não sabemos o que vai acontecer. E, a rigor, nós teremos uma ênfase especial nas redes sociais nessas eleições. Já podemos vislumbrar aí pela frente muitos processos, emperrando ainda mais a máquina judiciária.
Fonte: O Globo
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