• Tesouro saca R$ 3,5 bi do Fundo Soberano para cobrir arrecadação menor sem cortar despesas
Martha Beck, Cristiane Bonfanti e Nice de Paula – O Globo
BRASÍLIA e RIO - Diante do fraco desempenho da arrecadação devido ao baixo crescimento da economia, a equipe recorreu a novas manobras para fechar as contas públicas em 2014, sem o corte efetivo de despesas discricionárias (custeio e investimentos). A estimativa de receitas caiu R$ 10,541 bilhões no quarto bimestre, em relação ao período anterior. Para compensar a perda, o governo vai usar R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano e cortou a estimativa de despesas obrigatórias em R$ 7,041 bilhões.
Com essas manobras, o governo manteve a projeção de superávit primário (economia para o pagamento de juros) em R$ 99 bilhões ou 1,9 % do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). As informações constam do relatório de avaliação de receitas e despesas primárias do quarto bimestre, divulgado ontem pelo Ministério do Planejamento.
Segundo a pasta, a decisão de usar o Fundo foi para "mitigar os efeitos do atual quadro econômico, caracterizado por perspectiva de crescimento mais baixo nesse ano. Essa medida de política econômica visa à atenuação dos efeitos conjunturais de redução da arrecadação".
No documento, o governo voltou a reduzir a projeção para o crescimento do PIB em 2014, de 1,8% para 0,9%. O número ainda é bem mais otimista que o esperado pelo mercado, que prevê alta de apenas 0,3%. No relatório do terceiro bimestre, divulgado em julho, a expectativa de crescimento já havia sido reduzida de 2,5% para 1,8%.
Menos R$ 2,2 bi com pessoal
O Fundo Soberano foi criado em 2008 com recursos do superávit primário. A ideia do governo era fazer uma poupança para ser usada em momentos de crise. Isso foi o que aconteceu em 2012, quando o Tesouro sacou R$ 12,4 bilhões do Fundo para fechar o caixa do ano. Quando foi criada, a poupança tinha R$ 14 bilhões.
A receita de R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano vai servir para compensar parcialmente a queda da receita líquida. Estimativa de arrecadação foi reduzida em R$ 7,041 bilhões. "Houve queda em praticamente todas as projeções dos tributos que compõem o grupo de receitas (primárias). Os decréscimos mais acentuados ocorreram nas estimativas da Cofins e das outras receitas administradas pela Receita Federal", informa o relatório.
Ainda de acordo com o documento, a estimativa de arrecadação com dividendos cresceu R$ 1,5 bilhão devido a uma "alteração no cronograma de pagamentos por parte das empresas em que o governo é acionista". O governo não deu detalhes dessa alteração.
Segundo fontes, a arrecadação do Refis em agosto ficou em torno de R$ 7 bilhões, enquanto a estimativa inicial do governo era em torno de R$ 13 bilhões
Como não houve corte da meta de superávit primário, que continua a ser de R$ 99 bilhões (ou 1,9% do PIB), o governo optou por reduzir as estimativas de despesas obrigatórias. Houve redução de R$ 2,218 bilhões na previsão de gastos com pessoal e encargos e de R$ 4 bilhões com a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Segundo o relatório, a estimativa de despesa com a CDE caiu de de R$ 13 bilhões para R$ 9 bilhões em 2014, porque houve uma "revisão no cronograma de pagamentos dessas despesas". Segundo técnicos do governo, entraram recursos da Celg Distribuidora, que acaba de receber um empréstimo da Caixa Econômica Federal. A empresa vai o usar o dinheiro para pagar dívidas, inclusive com a CDE.
No caso dos gastos com pessoal e encargos, a queda foi explicada por "mudanças no cronograma de preenchimento das vagas". Também foi reduzida a estimativa de despesas com sentenças judiciais e precatórios (R$ 113 milhões) e subsídios, subvenções e Proagro (R$ 3,061 bilhões).
O governo reduziu de R$ 27,016 bilhões para R$ 9,546 bilhões a previsão de receitas extraordinárias deste ano. Neste cálculo está embutida uma frustração com a arrecadação do Refis da Crise (programa que permite o pagamento de dívidas tributárias com desconto de juros e multa). A previsão do relatório anterior era de R$ 18 bilhões que foi reduzida para R$ 3, 443 bilhões. Mas o relatório não detalha essa diferença nas projeções.
Meta de superávit em risco
Especialistas acreditam que, mesmo com as medidas anunciadas ontem, o governo não vai cumprir a meta de superávit primário prevista para este ano.
- Qual é a medida que o governo está adotando para reduzir os gastos? Nenhuma. Os gastos não vão parar de crescer no só porque estão decretando. Essa meta de superávit primário não vai ser obtida de jeito nenhum. Estão prevendo 1,9% do PIB, mas chega no máximo a 1% - diz Margarida Gutierrez, da Coppe/UFRJ.
Margarida lembra que o Fundo Soberano foi muito criticado quando foi criado.
- É mais uma uma medida que só mostra a indisciplina fiscal que reina no país desde 2012 - diz a professora.
Raul Velloso, especialista em contas públicas, reforça a tese de que a meta de superávit não será alcançada.
- O que eles estão fazendo e refazendo são estimativas, sem nenhum corte.
Segundo Velloso, ao revisar para baixo os gastos com energia, o governo está dizendo que pode empurrar a fatura para as empresas ou para os consumidores.
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