- O Estado de S. Paulo
Se escapar do impeachment e das investigações da Polícia Federal, a presidente Dilma Rousseff terá perdido até o fim do ano 50% do segundo mandato, atolada nos problemas criados por ela mesma numa longa história de incompetência e de irresponsabilidade. A perspectiva de mais um ano de recessão e de frustração de receitas levou o governo a rever, mais uma vez, os planos para o Orçamento federal.
A ambição, agora, é qualquer resultado entre um ridículo superávit de R$ 2,8 bilhões e um déficit de R$ 96,65 bilhões nas contas primárias, sem considerar, portanto, os juros da dívida. O novo cenário apresentado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento inclui um produto interno bruto (PIB) 3,05% menor que o do ano anterior e uma inflação de 7,44%.
Outro governo talvez pudesse usar o mau estado da economia como desculpa, mesmo precária, para as dificuldades fiscais. Política e moralmente essa manobra está vedada ao grupo instalado no poder central. Se os negócios vão mal, a produção diminui, o desemprego aumenta e a receita tributária encolhe, ninguém pode atribuir a desgraça a uma crise global nem apontar a fatalidade de um fenômeno cíclico.
A maior parte do mundo cresce, embora de maneira desigual, e nenhuma outra economia exibe uma combinação semelhante de recessão, inflação e crise fiscal. No caso da crise brasileira, a culpa é mesmo de uma administração com um currículo quase inacreditável de erros e desmandos.
Barbaridades foram cometidas tanto na gestão orçamentária quanto no apoio fiscal e financeiro a grupos e setores e na política oficial de investimentos. As impressões do governo são visíveis tanto no desarranjo de suas contas quanto na paralisia dos negócios.
Mesmo sem a pilhagem da Petrobrás e de outras áreas do setor público, os danos às finanças federais e ao sistema produtivo teriam sido enormes. Não se chega por acidente, nas contas do governo geral, a um déficit nominal superior a 9% do PIB, mais que o triplo do limite aceito na União Europeia. Mas seria um erro tratar do saque da Petrobrás como um problema à parte. O assalto à empresa, tanto quanto seu prejuízo de R$ 34,83 bilhões em 2015, está associado a um estilo de governo e de ocupação do Estado.
Não há como separar, quando se trata de entender o drama brasileiro, o desastre fiscal, os erros da política de crescimento e a devastação da maior estatal do País. Até a transformação da Petrobrás em instrumento de política industrial – um brutal erro administrativo – abriu espaço a desmandos e a perdas bilionárias.
O mau começo de 2016 e a perspectiva de mais um ano muito ruim são desdobramentos de uma história iniciada antes do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Não há grande surpresa no quadro econômico. O desemprego de 9,5% da força de trabalho, no trimestre de novembro a janeiro, é consequência dos erros cometidos entre 2011 e 2014 e agravados em 2015. A desocupação incluiu nesse período 9,62 milhões de pessoas, segundo a Pnad, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, o mais amplo levantamento das condições do emprego.
A mais nova informação do IBGE, relativa apenas às seis maiores áreas metropolitanas, aponta uma piora do cenário em fevereiro, quando a desocupação nesse universo mais limitado passou de 7,6% para 8,2%. A mesma tendência deve ter sido observada na área coberta pela Pnad, a julgar pela evolução de outros indicadores.
O governo já incorporou ao cenário oficial a perspectiva de mais um ano ruim. Reduziu a expectativa de arrecadação e ao mesmo tempo decidiu rebaixar mais uma vez a meta fiscal. Só um otimismo incomum poderia levar alguém a prever para 2016 um saldo orçamentário positivo ou mesmo equilibrado. Tudo aponta, por enquanto, mais um ano com déficit primário e com maior endividamento.
Economistas do mercado já previam em fevereiro um resultado fiscal bem pior que o admitido pelo governo. Naquele momento, a mediana das projeções já correspondia a um déficit primário de R$ 79,47 bilhões. Com a nova revisão de seus planos, o governo ampliou o limite para R$ 96,65 bilhões.
Mas o balanço final poderá ser pior, porque as previsões oficiais ainda incluem receitas muito incertas, como R$ 13,64 bilhões da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Os congressistas ainda vão decidir se aprovam a recriação desse tributo, extinto em 2007. Muitos têm falado contra essa proposta.
Enquanto o governo conta votos para saber se será possível matar a ameaça de impeachment, parece um despropósito calcular se haverá apoio suficiente ao projeto da CPMF.
Por enquanto, a recessão produziu dois efeitos positivos. O primeiro é a melhora das contas externas, principalmente por causa da redução das importações e dos gastos menores no exterior. As exportações de manufaturados continuam fracas e só as vendas de produtos básicos ainda têm algum dinamismo. O outro efeito positivo é a desaceleração da alta de preços, em grande parte atribuível ao enfraquecimento da demanda. Como as contas públicas devem permanecer muito desajustadas, um dos principais fatores inflacionários continuará sem solução ainda por um bom tempo.
O governo permanece preso na armadilha criada por ele mesmo. Não há outro culpado pela recessão, nem pela crise fiscal, nem pela recessão como fator agravante do problema das contas públicas. Sem credibilidade, a presidente e sua equipe dificilmente poderão justificar um ajuste gradual, com espaço para medidas de estímulo aos negócios.
Se o processo de impeachment for extinto, a Lava Jato continuará assombrando o governo. A presidente poderá manter as acusações de golpismo. Acreditará quem já estiver inclinado a aceitar esse palavrório. Por enquanto, só se pode falar de um golpe: aquele aplicado pela presidente contra ela mesma com sua política incompetente e irresponsável.
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