Em entrevista publicada na quinta-feira (24) por estaFolha, o advogado Carlos Ayres Britto, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, tratou de dizer o óbvio: como o processo de impeachment está previsto na Constituição, não pode ser considerado um golpe. Um dia antes, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, atuais integrantes da corte, haviam afirmado o mesmo.
Em tese, deveria ser desnecessário recorrer a expoentes do mundo jurídico para obter resposta tão evidente quanto essa. Dada a escalada da crise política no país e da polarização exagerada que a acompanha, porém, mesmo as coisas mais óbvias precisam ser ditas.
Tome-se o caso da presidente Dilma Rousseff. Assumindo o discurso capaz de engajar sua militância, a petista disse, na terça (22), que "está em curso um golpe contra a democracia".
Dois dias depois, em entrevista a veículos estrangeiros, repetiu a ladainha. "Não estou comparando com os golpes militares do passado, mas isso [impeachment] seria uma ruptura da ordem democrática", afirmou a presidente, segundo o jornal britânico "The Guardian".
É embaraçoso que a presidente do Brasil se permita, por puro apego ao cargo, arranhar a imagem do país no exterior. Ela sabe, ou deveria saber, que seu eventual afastamento pelo Congresso representará somente o fim de um ciclo de poder, e não uma fratura da Constituição.
A frenética tática defensiva do governo está aí –e por isso convém reduzir ao mínimo os pretextos que possam ser utilizados pela militância na guerra retórica.
As balizas do ordenamento jurídico devem ser observadas em qualquer circunstância, como lembraram Ayres Britto e Cármen Lúcia, mas a atual conjuntura impõe uma dose extra de zelo.
Isso significa, obviamente, seguir à risca o roteiro descrito em lei. Significa fundar as decisões em bases sólidas. Significa também que os magistrados devem restringir aos autos seus comentários, sem antecipar juízos.
Não se pode deixar de criticar, nesse contexto, a viagem do ministro Gilmar Mendes a Portugal, para um seminário no qual estarão reunidos líderes da oposição. O fato de ser um evento acadêmico programado há muito tempo não diminui sua inconveniência.
Se o Executivo e o Legislativo gozam de pouco prestígio, se a presidente e lideranças do Congresso contribuem para acirrar os ânimos, cabe ao Judiciário dar o exemplo. Um processo de impeachment já é suficientemente traumático; o país não precisa sair da crise com suas instituições desacreditadas.
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