segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Mais manobras – Editorial/Folha de S. Paulo

Seria de espantar se inexistissem, na atual conjuntura, movimentações no sentido de diminuir os potenciais efeitos destrutivos da Lava Jato sobre as principais forças políticas do país.

Entretanto, dada a sensibilidade da população diante de qualquer medida que possa sugerir um arrefecimento da operação, os políticos sempre que possível evitarão ataques frontais às autoridades investigativas e seus procedimentos.

Tão discretos quanto suspeitos, alguns movimentos contra as ações do Ministério Público Federal têm-se verificado nos últimos meses.

O caso da chamada anistia para os crimes de caixa dois, barrado à última hora graças aos alarmes de alguns poucos deputados da Rede e do PSOL, ocupou as atenções há não muito tempo.

Nenhum líder político assumiu a responsabilidade pela proposta, que ia sendo aprovada, em clima de virtual sigilo, em uma sessão noturna da Câmara dos Deputados, realizada excepcionalmente numa segunda-feira.

A ideia de criar instrumentos contra abusos de autoridade, por certo merecedora de discussão diante dos ocasionais excessos cometidos pela Lava Jato ou por qualquer autoridade, foi por sua vez retomada no Senado, por seu presidente Renan Calheiros (PMDB-AL).

Embora se possa considerar saudável algum aprimoramento das leis nesse sentido, a circunstância de que o próprio Renan enfrenta mais de uma dezena de inquéritos será o bastante para tingir a proposta de uma densa suspeição.

Ainda que o tema admita detalhadas discussões técnicas —e talvez exatamente por isso—, só pode despertar desconfiança uma terceira tentativa de modificar os parâmetros legislativos nos quais se desenvolve a Lava Jato.

Na semana passada, tentou-se colocar em regime de urgência na Câmara o projeto nº 3.636, de 2015, que propõe mudanças na Lei Anticorrupção. Segundo os procuradores da Lava Jato, a medida traria alterações indesejáveis nos acordos de leniência —equivalente, para empresas, à delação premiada.

Estaria aberta a possibilidade para uma anistia a executivos envolvidos em corrupção, além de impedir-se o uso em outros processos das informações obtidas no acordo celebrado. Seria o enterro da Lava Jato, reagiram os participantes da força-tarefa.

Qualquer que fosse o conteúdo das iniciativas, sua tramitação em regime de urgência consistia por si só em elemento suspeito e inaceitável na manobra.

Foi interrompida; a própria base aliada divergiu sobre a questão. O que não significa que tenha desaparecido a vontade dos parlamentares de, diante do mais leve cochilo da sociedade, aprovar medidas capazes de livrá-los do cerco.

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