- O Globo
Explicações improváveis são o padrão entre os acusados de corrupção no país. Há um traço comum entre os acusados de corrupção no Brasil. Eles dão explicações inverossímeis para os seus atos. No caso do senador Aécio Neves, ele diz que a família estava pondo a venda o apartamento da mãe, que ele estima valer R$ 40 milhões, e por isso ofereceu o imóvel ao empresário Joesley Batista, pedindo um empréstimo de R$ 2 milhões, tendo em vista essa transação futura.
Na economia não funciona assim. Quando alguém quer vender um imóvel de alto valor procura empresas especializadas. A avaliação é feita por critérios técnicos dos corretores e consultores. Aí se coloca o imóvel à venda. Não faz sentido vender um apartamento desse valor de forma improvisada, falando com um amigo que sequer viu o imóvel.
Mesmo entre amigos, haveria, antes de o vendedor pedir qualquer adiantamento, um documento assinado de compromisso de compra e venda, com cláusulas que garantissem ambas as partes. Aécio diz que caiu numa armadilha montada por um criminoso confesso e que queria pegá-lo para usar como moeda de troca na negociação na delação premiada. Foi ele a procurar o criminoso confesso, a entrar na armadilha ao tentar fazer um negócio fora de qualquer padrão.
A afirmação de que nada deu em troca é comum a todos os acusados. O problema é que o empresário, no caso Joesley Batista, tinha muitos interesses nas relações com o setor público, nas leis que eventualmente tramitavam no Congresso. O pressuposto em empresários que fazem contribuições generosas aos políticos é que eles retribuam quando seus interesses estiverem em jogo.
O senador Aécio disse que cometeu um erro e não um crime. Seu adversário político, José Dirceu, a um passo de uma prisão prolongada, também disse que não cometeu crimes. Apenas erros. Em entrevista à Mônica Bergamo, Dirceu afirmou que comprou um imóvel, financiou-o e pagou a entrada. O “erro” foi aceitar que o lobista Milton Pascowitch fizesse a reforma do imóvel. Segundo ele, era também um “empréstimo não declarado", coisa que agora Dirceu se dá conta de que é indevida. “Ele reformou o imóvel e eu não paguei".
É curioso que no país do dinheiro mais caro do mundo, homens públicos, influentes e poderosos tenham aceitado empréstimos informais de lobistas e empresários, sem se dar conta, ainda hoje, o que houve de criminoso nos seus atos.
O artigo 317 do Código Penal diz que corrupção passiva é solicitar ou receber vantagens, ou aceitar oferta de vantagens. Aécio as solicitou, José Dirceu as recebeu. Mas ambos dizem que cometeram erros.
O ex-presidente Fernando Henrique disse em entrevista à Maria Cristina Fernandes, do “Valor”, que “no caso de Aécio, a citação diz respeito ao que se deu na esfera privada”. Aécio não é apenas “citado", agora ele é réu. Não existe “esfera privada” num negócio entre um senador e um empresário cheio de interesses na esfera pública. Sobre Eduardo Azeredo, o ex-presidente diz que ele “está sendo processado". Também é mais que isso. Ele já foi condenado em duas instâncias e está agora se completando o julgamento dos recursos. Fernando Henrique disse que não conhece o processo contra Azeredo. “Qual é a acusação? É dinheiro de campanha que teria sido dado". Deveria conhecer melhor, porque foi no caso Azeredo que o PSDB pegou o caminho errado, de passar a mão sobre os seus e acusar os outros. Azeredo foi acusado do mesmo crime que condenou tantos petistas no mensalão.
José Dirceu é um ser político e a entrevista mostra sua visão estratégica. Não deve ser tomada pelo valor de face, apenas como peça da construção do discurso político. Sua tese é de que o PT estava implantando o “estado de bem-estar social no Brasil” e que as prisões, inclusive a do ex-presidente Lula, são fruto da reação a esse “legado”, como ocorreu com o ex-presidente Getúlio Vargas. Joga essa resposta para a militância. Não tem qualquer base real. O estado do bemestar social vem sendo montado no Brasil há muito tempo, a contribuição do PT foi o Bolsa Família, um bom programa, que foi mantido. O PT pouco fez para melhorar outras bases do estado de bem-estar social, como o SUS, por exemplo.
Os acusados de corrupção no Brasil ou dão respostas que contrariam os fatos ou explicações inverossímeis.
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