segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

A imparcialidade da Justiça – Editorial | O Estado de S. Paulo

A Operação Lava Jato não apenas inaugurou um novo patamar de eficiência no combate à corrupção. Ela trouxe o Direito Penal e o Direito Processual Penal para o centro do debate público. Basta ver a repercussão gerada nas últimas semanas pela criação, por meio da Lei n.º 13.964/2019, da figura do juiz das garantias. Poucas vezes se viu uma alteração da legislação processual penal suscitar tamanha celeuma. Se é extremamente positivo o envolvimento da população com temas de evidente interesse público, como é o caso, ao mesmo tempo é necessário não se distanciar dos fatos.

Tratada por alguns como um retrocesso no combate à corrupção e à impunidade, a figura do juiz das garantias, “responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais”, como dispõe a nova lei, é um evidente aperfeiçoamento do sistema penal, ao garantir a imparcialidade do magistrado. O juiz das garantias, também conhecido em muitos países como juiz de instrução, não traz nenhum empecilho para a eficiência da persecução penal.

Vale ressaltar, em primeiro lugar, que a nova lei não produz nenhum efeito retroativo. Todos os casos julgados sob a égide da lei anterior continuam perfeitamente válidos. A Lei n.º 13.964/2019 não acaba, portanto, com a Lava Jato e tampouco dá margem a questionamentos sobre atos anteriores, como se fosse uma jogada de quem tem interesse em procrastinar o andamento de processos já instaurados.

Ao criar o juiz das garantias, a Lei n.º 13.964/2019 simplesmente estabeleceu uma divisão da competência funcional do magistrado. A legislação penal passará a exigir que um juiz acompanhe a fase preliminar de investigação – o juiz das garantias – e outro, diferente dele, assumirá o processo após o recebimento da denúncia. Este segundo magistrado será o responsável por proferir a sentença.

Com isso, o sistema penal torna-se mais imparcial. O juiz que autorizou a produção de provas não será quem avaliará essas mesmas provas. Vislumbrar nessa nova divisão de competências algum retrocesso é exercício de ficção. Para ser implantada em algumas comarcas, a medida envolverá custos adicionais em relação ao funcionamento da Justiça atual. Mas isso não transforma a figura do juiz das garantias em um entrave para o bom funcionamento do sistema penal.

Chama a atenção a reação desproporcional de algumas associações de juízes contra a novidade trazida pela Lei n.º 13.964/2019. Ora, a medida representa um controle mais efetivo da legalidade e do respeito aos direitos individuais. Por força do ofício que exerce, nenhum juiz pode ser contrário a melhorias nesse campo. Seu papel é defender a lei e os direitos.

Também não se deve exagerar nos custos e na complexidade da implantação do juiz das garantias, tendo em vista o alto porcentual de informatização dos processos. Segundo o relatório Justiça em Números 2019, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a informatização na Justiça Federal é de 81,8% e, na Justiça Estadual, de 82,6%. Não faz sentido barrar uma relevante inovação, que melhora a qualidade da decisão final, alegando uma complexidade que já não existe na realidade.

Ainda que a novidade do juiz das garantias seja muito bem-vinda, um ponto merece ressalva. A Lei n.º 13.964/2019 entrará em vigor 30 dias após a sua publicação. É inviável implantar em todo o País a nova divisão de competência funcional em prazo tão exíguo. Mas esse descuido da lei não torna a nova medida, em nenhum momento, um problema a ser combatido. Antes, é uma novidade a ser bem implementada e, por isso, deve o Judiciário dispor de tempo hábil para tomar as providências devidas.

Começa a recuperação da malha ferroviária – Editorial | O Globo

Projetos corroboram avanço da participação chinesa em infraestrutura no Brasil

Em 24 meses, preveem o governo e concessionários, estará em operação o trecho ferroviário de 1.537 quilômetros ligando as cidades de Estrela D’Oeste, em São Paulo, e Porto Nacional, no Tocantins, com fluxo de 22,7 milhões de toneladas de carga por ano.

É ótima notícia porque sinaliza a conclusão de dois terços da Ferrovia Norte-Sul, espinha dorsal da projetada malha ferroviária brasileira. Deve-se aos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro o desembaraço desse empreendimento relevante à integração nacional, iniciado há 35 anos na administração José Sarney.

Significa que a partir de 2022 haverá interconexão ferroviária efetiva entre os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Tocantins e Maranhão. Ou seja, será possível o trânsito de cargas num arco ferroviário de pouco mais de três mil quilômetros ligando os portos de Santos (SP) e de Itaqui (MA). O custo logístico de exportação tende a cair significativamente para o agronegócio nesses cinco estados.

No porto de São Luís avança a construção de um terminal de uso misto, voltado para a Ferrovia Norte–Sul/Carajás, liderada por um consórcio do qual participam a maior corporação chinesa de infraestrutura e dois grupos privados.

A China já confirmou, também, interesse no empreendimento ferroviário para ligar Tocantins à Bahia (Ferrovia de Integração Oeste-Leste) e na conexão sobre trilhos entre Mato Grosso e Pará (Ferrogrão). Nos dois casos, as licenças para construção serão leiloadas este ano.

Há evidências de que está sendo intensificada a prospecção chinesa em infraestrutura no Brasil. No alvo, confirmou recentemente a China Communications Construction Company, estão duas dezenas de projetos de energia, portos, ferrovias, desenvolvimento de mobiliário urbano e agroindústria, com investimento potencial de R$ 102 bilhões.

Não é casual que o Brasil tenha se tornado o quarto destino global de investimentos diretos chineses entre 2010 e 2017. Recebeu 40% do capital aplicado na América do Sul, nesse período, porque apresenta oportunidades em energia e infraestrutura, tem mercado atraente e as relações comerciais fazem da China o maior cliente de 14 estados exportadores e o segundo dos demais. A expansão chinesa objetiva garantir suprimento de matérias-primas e alimentos básicos, além de desenvolver mercados para os produtos industriais nos quais se especializou, com alto nível de tecnologia embutida.

Governo e Congresso precisam refletir estrategicamente sobre a arquitetura dessa nova fase na parceria. É evidente a carência de capital em setores críticos, mas é necessário preparar a base de um relacionamento mais sofisticado com a China, assentado no desenvolvimento tecnológico, para desenhar um futuro muito além da dependência de investimentos em energia e infraestrutura e das exportações de commodities.

Houve quem dissesse que a figura do juiz das garantias seria inconstitucional. Ora, a Constituição, em seu artigo 5.º, estabelece o princípio do juiz natural, com a fixação de regras objetivas de competência jurisdicional para garantir precisamente a independência e a imparcialidade do magistrado. Sob esse aspecto, a Lei n.º 13.964/2019 cumpre rigorosamente a Carta Magna. Agora, cabe a todos cumprir a nova lei. Bem aplicada, ela pode evitar muitas dúvidas de isenção, reforçando a autoridade e o bom nome do Judiciário.

Os pratos da balança – Editorial | Folha de S. Paulo

Brasil registra queda do comércio exterior em 2019; abertura precisa avançar

O comércio do Brasil com o restante do mundo diminuiu em 2019. Não se tratou de mudança dramática, mas de baixa de 4,7% na corrente de comércio, a soma do valor de exportações e importações. Flutuações na economia global explicam a maior parte do declínio.

Houve queda mais acentuada, de 6%, na exportação, em particular de bens manufaturados (cerca de 11%). A venda de produtos industriais foi prejudicada pela fraqueza das economias da América do Sul, em especial no caso da Argentina. O fenômeno foi significativo nos segmentos de veículos e peças.

A desaceleração do crescimento econômico mundial, de 3,5% para 3% ao ano, afetou a balança como um todo. O Brasil embarcou menos soja, depois de um 2018 excepcional, e também os preços caíram; o mesmo se deu com o petróleo. Soja, petróleo (e derivados) e minério de ferro perfazem mais de um terço das exportações do Brasil.

O valor das importações pouco se alterou, ainda mais quando se desconta o efeito meramente contábil de negócios com plataformas de petróleo. Cresceu a compra de máquinas e outros bens de capital, sinal de alguma recuperação dos investimentos privados.

A corrente de comércio foi algo maior que 21% do Produto Interno Bruto, variação pouco significativa além da média de 20% registrada neste século —o que mantém o país entre os mais fechados do planeta, mas ainda assim um avanço ante os 14% da década de 1990.

O salto pós-2000 se deveu à expansão das vendas de produtos básicos, impulsionada, como se sabe, pela ascensão chinesa. Além desse fator de origem externa, não houve mudança significativa no comércio exterior brasileiro, ainda marcado pela tradição protecionista.

A equipe econômica do governo Jair Bolsonaro fala de abertura e mais acordos; no Itamaraty, de modo desinformado e ideológico, prega-se o “fim da ideologia” nas relações com os demais mercados.

Entretanto não se dispõe de programa claro, que vá além da retórica —e mesmo esta não raro provoca incertezas e temores com incompetências diplomáticas que comprometem a imagem do país.

Em outros tempos, dependia-se de elevados superávits comerciais para a obtenção de divisas. Hoje, importa menos o saldo da balança.

É fundamental, isso sim, buscar maior integração, mais trocas de mercadorias, serviços, tecnologia, conhecimento e mão de obra. Para tanto há que enfrentar interesses e visões mercantilistas arraigadas à esquerda e à direita.

Extemporâneo debate sobre sucessão no Congresso – Editorial | Valor Econômico

Os mandatos dos atuais ocupantes das mesas diretoras das duas Casas do Congresso expiram apenas em fevereiro de 2021. Mesmo assim, ganha cada vez mais espaço, nas agendas e nas rodas de conversa de parlamentares, a discussão sobre quem sucederá os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Um debate inoportuno e precoce, que a cada dia vem sendo tratado como se urgente fosse, a despeito da robusta pauta econômica à espera de deliberação por parte do Legislativo.

A própria Constituição Federal fixa o período para a disputa pelos comandos da Câmara e do Senado. Estabelece, em seu artigo 57, que “cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. A legislação também é clara ao definir o ano legislativo - período compreendido entre o dia 2 de fevereiro a 22 de dezembro, com uma pausa de 17 de julho até 1º de agosto.

Seria inocente acreditar que as campanhas ficariam sempre restritas a apenas um dia, a cada dois anos. Nada mais natural que as negociações acabem por dominar o recesso imediatamente anterior a cada pleito, uma vez que a distribuição das cadeiras da cúpula do Parlamento é um fator estratégico na construção da dinâmica de interação entre os Poderes da República. Mas isso não justifica o fato de pré-candidatos e seus respectivos partidos terem destravado a disputa a mais de um ano do dia marcado para as eleições.

O Congresso encerrou 2019 com uma grande lista de afazeres pendentes, os quais iniciam o ano novo demandando um ainda maior senso de urgência.

Os deputados e senadores deverão discutir em conjunto, por exemplo, um novo modelo para o sistema tributário. Espera-se para este mês as sugestões do Executivo, embora os partidos precisem ainda indicar seus representantes para integrar a comissão mista que definirá os rumos da reforma tributária.

O governo também quer ver bem encaminhado, no Legislativo, o chamado pacote Mais Brasil no primeiro semestre. Um prazo que tenta conciliar as necessidades do Executivo e as eleições municipais de outubro.

O pacote Mais Brasil é composto por três propostas de emendas constitucionais. Uma delas visa extinguir fundos públicos e é considerada a mais palatável pelos senadores. A PEC Emergencial prevê gatilhos em caso de situação fiscal grave e uma série de medidas para conter os gastos públicos. Sua tramitação pode ganhar velocidade na Comissão de Constituição e Justiça do Senado já a partir de fevereiro. Há ainda a PEC que trata do pacto federativo. Do Senado também se espera celeridade na aprovação do novo marco legal do saneamento.

Na Câmara, os desafios não são mais modestos. Deve entrar em pauta neste ano um projeto de lei sobre a autonomia do Banco Central, além de propostas que tratam de recuperação judicial e um novo marco legal das concessões e parcerias público-privadas (PPPs).

O Brasil vem conseguindo superar os piores momentos de uma insistente crise econômica. Empresários e investidores necessitam de previsibilidade e estabilidade política, para finalmente poderem destravar os projetos que reaquecerão a economia e gerarão empregos.

Mesmo assim, deputados e senadores insistem em gastar energia com discussões sobre o destino do comando do Congresso. Tanto os adversários de Maia e Alcolumbre como seus aliados. Alguns parlamentares voltaram a tratar, inclusive, da possibilidade de se alterar a Constituição para permitir a eventual reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado em uma mesma legislatura. Ou seja: mais um ingrediente capaz de atrapalhar o bom andamento da agenda econômica no Legislativo.

As eleições municipais de outubro já devem provocar uma desaceleração dos trabalhos legislativos no segundo semestre. Os senadores e os deputados federais devem evitar que ocorra uma inversão das prioridades do Congresso Nacional, com os interesses partidários se sobrepondo aos interesses do país.

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