- Folha de S. Paulo
Um organismo sem olhos, estômago ou cérebro. Onde você já viu um parecido?
Um amigo me mandou um artigo sobre um organismo até há pouco desconhecido e que vem intrigando a ciência. É o “Physarum polycephalum”, um primo em segundo grau das amebas e cujo nome, para quem matou aquela aula de latim, significa “mofo de muitas cabeças”. A classificação é instigante, mas enganadora. Não se trata de um fungo, nem animal ou planta, embora às vezes lembre um ou outro. E, mesmo já definido como inofensivo, está sendo chamado de A Bolha, numa referência a um filme Z de 1958, “A Bolha Assassina”, com o ainda anônimo Steve McQueen.
A Bolha —o organismo, não o filme— tem como habitat lugares úmidos e meio pantanosos, onde haja decomposição de cascas e folhas de árvores. É do que se compõe sua dieta, mas ela não se queixa. Algo dentro dela lhe ensina a descobrir esse alimento e se mover na direção dele, à razão de um centímetro por hora —velocidade quase olímpica, considerando-se que A Bolha não tem olhos, estômago e muito menos cérebro.
Mas tem outras características. Quando se aproxima de uma colega, por exemplo, dá-se uma espécie de fusão e o “conhecimento” de uma passa para a outra. Como A Bolha não tem cérebro, isso acontece de maneira acrítica —uma herda tudo que a outra “sabe” e sai repetindo pelo brejo como uma bobalhona, sem pensar e sem discutir. E, ah, sim, A Bolha tem nada menos que 720 opções sexuais para se reproduzir, o que a torna uma das maiores enciclopédias desse assunto na natureza.
No nosso próprio brejo, temos um equivalente aproximado desses organismos. São os seguidores de Bolsonaro. Eles também parecem não ter olhos, estômago ou cérebro, considerando-se as informações de que se alimentam e que saem repetindo acrítica e abobalhadamente, cegos para os fatos que insistem em desmentir as versões.
Só diferem nas 720 opções sexuais. Eles também as têm, mas não assumem.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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