segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Miguel de Almeida – Deus não é brasileiro

O Globo

O discurso de Michelle e Damares ameaça quem não comunga com suas crenças

Em 1941, Getúlio Vargas baixou decreto que proibia as mulheres de jogar futebol. O ditador já vinha matando e prendendo oposicionistas desde a implantação do Estado Novo, em 1937, quando avançou ainda mais nas liberdades individuais.

Dizia o texto:

— Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza.

A proibição obrigou as entidades esportivas, então atreladas ao Estado, a vetar campeonatos femininos. Várias mulheres foram detidas (!), acusadas de organizar jogos. Houve sedição. Desobediência. À revelia do ditador, continuaram a ocorrer partidas em campos distantes. A estapafúrdia lei só caiu em 1983.

O decreto de Getúlio atendia à pressão de setores conservadores, junto aos religiosos, interessados em cercear o comportamento feminino. Defendiam que a mulher deveria limpar a casa, ter filhos e cuidar do marido. Exatamente o que pensa a terceira mulher de Bolsonaro.

A revolta das mulheres iranianas, nas últimas semanas, exibe ao vivo o que é um Estado teocrático, intolerante com a diversidade religiosa e com a liberdade de opinião. Na terra dos aiatolás, as mulheres são obrigadas por lei a cobrir a cabeça e a enxergar seus esposos (!) como comandantes em chefe.

Dias atrás, em Teerã, uma jovem, presa por não usar véu na rua, acabou morta pelas forças policiais da moralidade. São encarceradas aquelas que ainda vestem calças apertadas ou saias acima dos joelhos.

Pobre Irã. Depois de derrubar um governo autoritário e sanguinário, de Reza Pahlevi, caiu na ditadura dos aiatolás e retrocedeu em liberdades individuais aos tempos da Inquisição Católica.

Um Estado teocrático, aquele em que se criminaliza qualquer religião não oficial, não é diferente de qualquer outra ditadura, seja da Coreia do Norte ou da Arábia Saudita. Não há imprensa livre, liberdade de opinião, e o Poder Judiciário é vassalo do Poder Executivo. Sem dúvida, o que deseja Bolsonaro com todas as letras.

No Brasil, juridicamente um país laico, embora a Constituição fale de Deus, a religião sempre buscou influenciar leis e políticas públicas. O divórcio, controle de natalidade, aborto, distribuição de preservativos, até o canabidiol, entre outros exemplos, ou foram retardados ou barrados por pressões religiosas. Também a educação sexual é vista não como saúde pública, mas como depravação de sátiro capaz de criar crianças para se casar três vezes.

Anos atrás, a conclusão do sequenciamento genético resultou em embates, principalmente a partir de denominações evangélicas, na tentativa de criar entraves ao financiamento público de pesquisas capazes de evitar doenças, com adiamento da morte dos pacientes. Há um desespero religioso na possibilidade de o homem, aquele criado à semelhança de Deus, vir a prolongar a vida por meio de renovação de órgãos e até mesmo superar a morte. Basta ler os livros de Ray Kurzweil para saber que os avanços da biotecnologia devem levar os algoritmos da inteligência artificial a criar equipamentos para ser implantados no corpo humano. Ou mesmo drogas capazes de reparar tecidos apodrecidos.

A pesquisa, a dedução e a ciência sempre foram perseguidas por diferentes matizes religiosos. Embora cada época tenha sua Damares, os franciscanos em geral respeitavam o novo conhecimento. Não chegavam a desafiar o axioma do bom Sócrates: “Eu não imagino que sei aquilo que não sei”.

Mas foram quase uma exceção entre os crentes. Santo Agostinho, ali pelo ano 410, dizia que os teatros não o atraíam mais, nem se preocupava em saber o “curso das estrelas”. Era o mote para os procatólicos mergulharem o mundo nas trevas da ignorância, dando as costas ao estudo e ao questionamento, no que hoje chamamos de Idade Média. Santo Tomás de Aquino, conhecido como o “boi mudo”, colocava a teologia como a “rainha das ciências”!

Do resultado dos muitos dogmas impostos pela Igreja, pipocaram as superstições e o desestímulo às descobertas e invenções. A Terra então era religiosamente plana.

Os pastores bolsonaristas, apoiados pela isenção de impostos na pessoa física e na jurídica, usam a mais-valia evangélica para um proselitismo político desejoso de liquidar com a diversidade de opiniões e as liberdades individuais. O discurso de Michelle Bolsonaro e Damares Alves não são rezas pias, mas ameaças a quem não comunga com suas crenças e visão de mundo.

Em último caso, os pastores usam a quantia não recolhida, portanto de toda a sociedade, que faz falta na educação e saúde, para conduzir todos, de novo, à Terra plana.

Agora, como antes, é uma Inquisição com dinheiro público.

 

6 comentários:

Anônimo disse...

Quem é um tribunal inquisitório é o ST,F e o Alexandre de Moraes o seu Verdugo

Anônimo disse...

Q bom!
Kkkkkkkkk

Anônimo disse...

Verdade. Q bom. E o bolsonaro tem tanto medo do verdugo q não passa nem agulha.
RáRáRáRáRáRáRáRáRá

Anônimo disse...

Falou a Sra do Lula

Anônimo disse...

Michelle já explicou o motivo do Queiroz ter depositado 89 mil na conta dela? Ela tem tanto tempo pra falar besteira da vida alheia e não encontra tempo pra explicar a bufunfa que ela recebeu?

ADEMAR AMANCIO disse...

Damares é um caso clínico.