terça-feira, 16 de abril de 2024

Míriam Leitão – Problemas enfileirados

O Globo

As contas públicas continuam no caminho do equilíbrio, mas o problema é quando se somam várias más notícias

O petróleo ficou em leve queda ontem. Melhor assim. O agravamento da crise no Oriente Médio chega no pior momento para o governo Lula. Há uma fila de problemas. O dólar fechando em R$ 5,18, em alta como há vários dias. O petróleo já subiu bastante. A Petrobras está sem presidente do Conselho de Administração, com o presidente executivo sendo contestado pelo próprio governo e os preços internos dos combustíveis com atraso. A situação externa piorou com a mudança na previsão de corte nos juros americanos e o governo anunciou ontem uma revisão das metas fiscais para os próximos anos. As contas públicas continuam no caminho do equilíbrio, mas o problema é quando se somam várias más notícias.

O mais imediato a saber é o que acontecerá com o petróleo. Especialistas que eu ouvi dentro e fora do país acreditam que não haverá uma escalada do conflito e, portanto, não acontecerá uma disparada dos preços, mas pode haver picos em momentos de maior tensão. É o que acha David Zylbersztajn, primeiro diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo.

— O Irã tem uma arma poderosa que é o Estreito de Ormuz, a principal rota do petróleo do Oriente Médio. O Irã não deu qualquer demonstração de querer usar esse poder. O que ficou claro também é que os iranianos não têm o apoio de todos os países. A Jordânia atacou os drones, o Egito fechou o espaço aéreo, a Arábia Saudita sempre foi inimiga do Irã, ainda que tenha começado a se aproximar recentemente — disse Zylbersztajn.

No mercado de petróleo externo o que se avaliava já no domingo era que não haveria uma disparada dos preços. Um especialista que está na área do conflito afirmou que, se houver aumento, será temporário. E que se não houver uma escalada da guerra ou um contra-ataque de Israel, o mercado mundial não seria muito afetado.

Mas outros problemas atingem o Brasil. A alta do dólar, por exemplo. Houve um vencimento dias atrás de títulos atrelados à moeda norte-americana que foram emitidos em 1997, nos primeiros tempos do Plano Real. Quando eles venceram, os bancos que os tinham em carteira foram ao mercado para comprar dólar. Este ano, a balança comercial e a safra estão mais fracas. O exportador não está internalizando câmbio. Com petróleo tendo chegado à casa dos US$ 90 e o dólar a R$ 5,18, a pressão por reajuste de combustíveis fica inevitável.

— Os preços internos estão bem defasados, e se a cotação do petróleo subir, mesmo que temporariamente, no curto prazo, só agrava. Aí o governo vai ficar encalacrado. A classe média que tem carro sente. E manter os preços como estão é aquela história que a gente já viu, vai impactar muito mal na Petrobras. Porque aí não será uma questão de se discutir se vai ou não distribuir dividendos extraordinários, é que haverá menos dividendos a distribuir. E não foi só o preço do petróleo que subiu. O dólar também subiu. Petróleo e dólar são as duas variáveis do preço final aqui. E eles foram na mesma linha, na mesma direção — explica David.

A economia mundial está numa situação muito diferente de outros momentos em que houve aumento de tensão. Não há um problema de suprimento, explica David. A segurança energética é maior porque, mesmo com todo o risco das mudanças climáticas, a produção de petróleo aumentou. Os Estados Unidos bateram, no ano passado, recorde de produção com 13 milhões de barris/dia. A Arábia Saudita está segurando produção para manter preço. Se o Irã sair do mercado, sempre fará alguma diferença, porque é grande exportador, mas o mundo já sabe viver sem o petróleo iraniano, tem alternativas a ele. Esse cenário externo mais benigno não alivia a situação brasileira, que continua tendo que encontrar uma saída para o imbróglio da Petrobras.

A mudança da meta fiscal para os próximos três anos não é grave em si, mas chega num mau momento. O próprio ministro Fernando Haddad lembrou ontem na entrevista ao Estúdio i, de Andréia Sadi, na GloboNews, que o mercado no começo do ano previa cinco cortes nos juros americanos, de 0,25%, e agora projeta dois cortes, ou talvez só um. Juntando tudo, situação externa mais pesada, mercado cambial mais estressado no Brasil, crise na Petrobras, mudança de meta, atraso no reajuste dos combustíveis, e aumento da instabilidade no Oriente Médio dá uma conjuntura muito mais adversa. Quando o mar não está para peixe, o governo tem que tomar mais cuidado em suas decisões.

 

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