segunda-feira, 3 de junho de 2024

Diogo Schelp - Fake news, crime?

O Estado de S. Paulo

Criminalizar a desinformação é uma péssima ideia. Melhor seria aprovar o PL das Fake News

Jair Bolsonaro se elegeu em 2018 com a ajuda de fake news e governou espraiando fake news – contra vacinas, contra as urnas eletrônicas, contra adversários, contra o que fosse.

Em 2021, vetou a inclusão de um artigo no Código Penal que tipificava “comunicação enganosa em massa” como crime que poderia ser punido com um a cinco anos de reclusão e multa.

Parecia, com razão, que Bolsonaro estava agindo em causa própria.

Na semana passada, o Congresso finalmente analisou esse veto, entre outros. Bolsonaro entrou em cena para convencer parlamentares a mantê-lo. O governo Lula orientou pela derrubada, ou seja, a favor de criminalizar a disseminação de fatos inverídicos que pudessem “comprometer a higidez do processo eleitoral”, como dizia o trecho cortado.

Venceu a posição de Bolsonaro, perdeu a de Lula. A manutenção do veto à criminalização das fake news é um alívio para muitos aliados e políticos imitadores de Bolsonaro, além de desinformadores de outras vertentes partidárias, que de santas não têm nada. Ainda bem que isso aconteceu.

Criminalizar as notícias fraudulentas é o jeito errado de combatê-las. Em vez de proteger a busca pela verdade, essa medida abriria brecha para ameaçá-la, sob a desculpa de blindar a democracia.

O trecho vetado definia o crime como “promover ou financiar (...) campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos”. Eis um problema sem solução: quem define o que são fatos sabidamente inverídicos? Quem é sabido a esse ponto? O STF, que abriu de ofício um inquérito para apurar o que chama de fake news em que tudo cabe, até reportagens baseadas em fontes e documentos verificáveis?

O TSE, que em 2022 fez uma lista de palavras que não podiam ser usadas para descrever determinado candidato? O governo federal, que manda a PF investigar simples críticas à sua atuação durante as enchentes no Rio Grande do Sul como se fossem notícias fraudulentas?

Criminalizar a desinformação é uma péssima ideia.

Muito melhor seria aprovar o PL 2630/2020, das Fake News, que não fala em crime, mas obriga as grandes empresas de tecnologia a coibir o anonimato e a desinformação em escala industrial e a promover a transparência nas suas redes. Claro que os aliados de Bolsonaro são contra. Mas nesse projeto, sim, valeria a pena gastar a saliva dos articuladores políticos do governo.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Se os aliados de Bolsonaro são contra...