O Globo
Alcolumbre nunca deixou de exercer poder imenso no Senado, ditando o rumo dos recursos das emendas e decidindo pautas, e Motta teve de pedir a bênção de Lira
Vem aí um novo comando do Congresso, que de
novo não tem nada. Só haverá, de fato, mudança se passar a vigorar uma nova
lógica no pagamento de emendas parlamentares, depois de anos de um descontrole
completo, que levou parlamentares a prescindir até da necessidade de manter boa
relação com o governo para irrigar suas bases com dinheiro público.
Davi Alcolumbre nunca deixou de exercer poder
imenso no Senado, ditando o rumo dos recursos das emendas e decidindo pautas e
destinos a partir da Comissão de Constituição e Justiça. Agora só volta a
ocupar a cadeira a que se agarrou com unhas e dentes em sua primeira eleição.
O jovem Hugo Motta se viabilizou para o comando da Câmara na base do “resta um”, depois que candidatos se lançaram cedo demais a uma guerra fratricida pela sucessão de Arthur Lira. Só foi ungido porque beijou a mão do próprio Lira, antes mesmo de conseguir apoio do governo e da oposição bolsonarista. É de esperar, portanto, que o alagoano mantenha sobre ele certa ascendência, sobretudo na largada.
Como o governo Lula trafegará nesse Congresso
com um novo/velho comando? A resposta, meu amigo, está no terceiro vértice da
Praça dos Três Poderes, lá no Supremo Tribunal Federal. Uma decisão é aguardada
com ansiedade por todos: afinal, a relatoria da investigação sobre as acusações
de corrupção envolvendo emendas na Bahia, que têm como pivô o empresário José
Marcos de Moura, mais conhecido pelo epíteto de “Rei do Lixo”. O caso foi
distribuído ao ministro Kassio Nunes Marques, mas a Polícia Federal recorreu
para que seja redistribuído para Flávio Dino, por prevenção, por ele já relatar
ações referentes às emendas parlamentares.
É tudo que o governo quer, e tudo que os
congressistas mais temem. A avaliação generalizada no Congresso é que relatar
um inquérito com alto poder de atingir nomes de diferentes siglas dará a Dino
ainda mais poder sobre os mecanismos de distribuição de recursos.
O Planalto teme que um caso assim tão
sensível nas mãos de um ministro nomeado por Jair Bolsonaro, com conhecidas
relações com caciques de partidos do Centrão, possa dar um trunfo ao
ex-presidente em sua guerra contra o Supremo.
Além disso, existe uma esperança não
explicitada por parte do Executivo de que, com Dino no comando, se descubram
mais meandros da falta de transparência na destinação das emendas e novas
medidas de restrição aos repasses sejam determinadas. Seria um freio
conveniente ao poder e à sem-cerimônia de Alcolumbre, alguém com apetite maior
que Lira por esse assunto.
Esse pano de fundo apenas confirma o que já
se sabe desde 2023: Lula segue sem governabilidade garantida e pretende
depender cada vez menos do Legislativo para não ter de dar aos congressistas
mais do que já vem dando. Até a ideia de uma reforma ministerial generalizada,
para atrair esse Centrão ao seu palanque, deu lugar a uma visão mais realista
de que as legendas podem levar os anéis, os dedos, as pulseiras e os colares e,
ainda assim, estarão dispostas a pular no barco da oposição se o vento soprar para
o lado de lá.
Ficou evidente na entrevista coletiva concedida pelo presidente nesta quinta-feira que ele, de fato, não se envolveu diretamente na não disputa pelo comando das duas Casas. Mas isso não deveria fazer com que o governo se descuidasse da definição da distribuição das comissões permanentes, algo que passa ao largo da atenção da opinião pública, mas tem poder real de paralisar a pauta econômica e criar barulho com bobagens ideológicas (caso da CCJ da Câmara no último período) ou segurar indicações e embarreirar projetos com base em interesses paroquiais (caso dos expedientes de Alcolumbre no Senado).
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