sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Em frente com os programas de inclusão - Robson de Oliveira*

Valor Econômico

Realidade brasileira é única e os avanços obtidos no país não podem ser comprometidos por decisões estrangeiras

Nos últimos anos, as políticas de diversidade e inclusão têm ganhado destaque no Brasil, impulsionadas pelo reconhecimento histórico das desigualdades estruturais que afetam a população negra e outros grupos minorizados.

A recente reversão de políticas de ação afirmativa nos Estados Unidos, como a decisão da Suprema Corte americana de restringir o uso da raça como critério em processos seletivos universitários e a implementação de medidas pelo presidente Donald Trump, desmantelam programas federais de diversidade, equidade e inclusão (DE&I) e os avanços conquistados.

Colocar funcionários de DE&I em licença remunerada, fechar escritórios dedicados a essas iniciativas, além de determinar ordens executivas que restringem o reconhecimento de gênero somente ao sexo biológico de nascimento, afetando diretamente os direitos da comunidade LGBTQ+, representam verdadeiros retrocessos.

Ações como essas em um contexto de conexões globais e influências internacionais geram questionamentos sobre quais os caminhos a seguir a partir de agora.

Medidas regressivas que enfraquecem ou eliminam políticas de DE&I podem gerar preocupações em escala global. Por outro lado, oferecem uma oportunidade estratégica para que países como o Brasil fortaleçam sua soberania e reafirmem seu compromisso com a inclusão social.

Quando governos e empresas reconhecem que essas políticas são essenciais para garantir melhores condições de vida para suas populações, passam a consolidar um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável, alinhado às suas próprias realidades e necessidades.

A realidade brasileira é única e os avanços obtidos no país não podem ser comprometidos por decisões estrangeiras que não refletem nosso contexto social e histórico, embora estejamos inseridos em um contexto mundial e de relações comerciais internacionais.

O Brasil consolidou um modelo de desigualdade baseado em um mito de democracia racial que, por muito tempo, mascarou a exclusão de negros, indígenas, mulheres, pessoas com deficiência e da comunidade LGBTQ+.

As políticas de diversidade, equidade e inclusão no Brasil não são apenas uma questão de justiça social, mas também de reconhecimento e reparação histórica com relação a grupos minorizados.

O impacto dessas políticas tem sido significativo. Iniciativas como a Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012), que garante vagas para estudantes negros, indígenas e de baixa renda em universidades públicas, e o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), que estabelece diretrizes para a promoção da equidade racial, têm proporcionado maior acesso a oportunidades para grupos historicamente marginalizados.

Além disso, programas como a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), que protege os direitos das pessoas com deficiência, e as iniciativas de promoção da igualdade de gênero nas empresas e instituições públicas têm fortalecido a construção de um Brasil mais diverso e igualitário.

Por isto, a defesa e a ampliação dessas políticas demonstram maturidade institucional e o reconhecimento de que a diversidade é uma vantagem competitiva e um imperativo ético.

Além do setor público, as empresas brasileiras desempenham papel crucial na promoção da diversidade e inclusão. Em um país tão plural e diverso como o Brasil, empresas inclusivas são capazes de oferecer produtos e serviços que melhor atendem às necessidades de seus consumidores e usuários. Produzem e servem a partir de pessoas que partem de diferentes lugares, com experiências plurais e perspectivas múltiplas da vida e do mundo, o que reflete a riqueza cultural e social da população.

É importante frisar que negócios que adotam a diversidade como valor genuíno compreendem que equipes mais diversas geram inovação, ampliam perspectivas e fortalecem sua competitividade no mercado.

Empresas que praticam a diversidade e a inclusão de forma autêntica não vão abandonar essas políticas, pois entendem que a pluralidade é um diferencial estratégico e uma necessidade para o crescimento sustentável.

Os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas, adotados em 2011, continuam apontando para a necessidade de avanços nas políticas de diversidade, reforçando a responsabilidade corporativa de respeitar os direitos humanos e promover a inclusão.

Esses princípios estabelecem que as empresas devem atuar de forma proativa para garantir a igualdade de oportunidades e combater qualquer forma de discriminação, contribuindo para o desenvolvimento social e econômico.

A implementação, de fato, de práticas de ESG (Ambiental, Social e de Governança) fortalece as empresas para que atuem na conformidade com a lei, assim como de acordo com a necessidade social, na formulação de políticas internas e no desenvolvimento de programas que promovam uma cultura organizacional alinhada com os princípios de diversidade e inclusão. Isso para compreender e atender as exigências regulatórias, fugindo dos riscos associados ao não cumprimento das diretrizes de ESG, o que contribui para a construção de ambientes corporativos mais responsáveis e sustentáveis.

Ao invés de enxergar as ações regressivas externas como uma ameaça, o Brasil deve usá-las como um catalisador para reafirmar sua identidade e compromisso com a equidade, fortalecendo políticas públicas e iniciativas privadas que promovam um futuro mais inclusivo e próspero para todos.

A conjuntura brasileira aponta para a manutenção de práticas de diversidade. Sua continuidade é essencial para garantir a emancipação social de grupos minorizados e vulneráveis, a fim de promover uma sociedade mais justa e igualitária, ao mesmo tempo em que contribui para o desenvolvimento econômico sustentável.

Portanto, empresas transnacionais que possuem negócios no Brasil devem seguir as regras observadas pelo Estado brasileiro e os Princípios Orientadores Sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU.

Por fim, é importante que se compreenda que as empresas que adotam práticas de diversidade e inclusão permanecerão promovendo-as no ambiente corporativo, não por imposição legal ou exigência do mercado, mas por medida de justiça e promoção do bem viver de todas as pessoas.

*Robson de Oliveira é sócio do Demarest Advogados, é mestre em Direitos Humanos pela Universidade Pablo de Olavide, Espanha. Foi reconhecido em 2023 pela Mundo Negro como um dos 25 executivos pretos que estão reconstruindo narrativas no mercado corporativo.

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