Valor Econômico
Realidade brasileira é única e os avanços obtidos no país não podem ser comprometidos por decisões estrangeiras
Nos últimos anos, as políticas de diversidade
e inclusão têm ganhado destaque no Brasil, impulsionadas pelo reconhecimento
histórico das desigualdades estruturais que afetam a população negra e outros
grupos minorizados.
A recente reversão de políticas de ação
afirmativa nos Estados Unidos, como a decisão da Suprema Corte americana de
restringir o uso da raça como critério em processos seletivos universitários e
a implementação de medidas pelo presidente Donald Trump, desmantelam programas
federais de diversidade, equidade e inclusão (DE&I) e os avanços
conquistados.
Colocar funcionários de DE&I em licença
remunerada, fechar escritórios dedicados a essas iniciativas, além de
determinar ordens executivas que restringem o reconhecimento de gênero somente
ao sexo biológico de nascimento, afetando diretamente os direitos da comunidade
LGBTQ+, representam verdadeiros retrocessos.
Ações como essas em um contexto de conexões globais e influências internacionais geram questionamentos sobre quais os caminhos a seguir a partir de agora.
Medidas regressivas que enfraquecem ou
eliminam políticas de DE&I podem gerar preocupações em escala global. Por
outro lado, oferecem uma oportunidade estratégica para que países como o Brasil
fortaleçam sua soberania e reafirmem seu compromisso com a inclusão social.
Quando governos e empresas reconhecem que
essas políticas são essenciais para garantir melhores condições de vida para
suas populações, passam a consolidar um modelo de desenvolvimento mais justo e
sustentável, alinhado às suas próprias realidades e necessidades.
A realidade brasileira é única e os avanços
obtidos no país não podem ser comprometidos por decisões estrangeiras que não
refletem nosso contexto social e histórico, embora estejamos inseridos em um
contexto mundial e de relações comerciais internacionais.
O Brasil consolidou um modelo de desigualdade
baseado em um mito de democracia racial que, por muito tempo, mascarou a
exclusão de negros, indígenas, mulheres, pessoas com deficiência e da
comunidade LGBTQ+.
As políticas de diversidade, equidade e
inclusão no Brasil não são apenas uma questão de justiça social, mas também de
reconhecimento e reparação histórica com relação a grupos minorizados.
O impacto dessas políticas tem sido
significativo. Iniciativas como a Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012), que
garante vagas para estudantes negros, indígenas e de baixa renda em
universidades públicas, e o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010),
que estabelece diretrizes para a promoção da equidade racial, têm proporcionado
maior acesso a oportunidades para grupos historicamente marginalizados.
Além disso, programas como a Lei Brasileira
de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), que protege os direitos das pessoas com
deficiência, e as iniciativas de promoção da igualdade de gênero nas empresas e
instituições públicas têm fortalecido a construção de um Brasil mais diverso e
igualitário.
Por isto, a defesa e a ampliação dessas
políticas demonstram maturidade institucional e o reconhecimento de que a
diversidade é uma vantagem competitiva e um imperativo ético.
Além do setor público, as empresas
brasileiras desempenham papel crucial na promoção da diversidade e inclusão. Em
um país tão plural e diverso como o Brasil, empresas inclusivas são capazes de
oferecer produtos e serviços que melhor atendem às necessidades de seus
consumidores e usuários. Produzem e servem a partir de pessoas que partem de
diferentes lugares, com experiências plurais e perspectivas múltiplas da vida e
do mundo, o que reflete a riqueza cultural e social da população.
É importante frisar que negócios que adotam a
diversidade como valor genuíno compreendem que equipes mais diversas geram
inovação, ampliam perspectivas e fortalecem sua competitividade no mercado.
Empresas que praticam a diversidade e a
inclusão de forma autêntica não vão abandonar essas políticas, pois entendem
que a pluralidade é um diferencial estratégico e uma necessidade para o
crescimento sustentável.
Os Princípios Orientadores sobre Empresas e
Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas, adotados em 2011,
continuam apontando para a necessidade de avanços nas políticas de diversidade,
reforçando a responsabilidade corporativa de respeitar os direitos humanos e
promover a inclusão.
Esses princípios estabelecem que as empresas
devem atuar de forma proativa para garantir a igualdade de oportunidades e
combater qualquer forma de discriminação, contribuindo para o desenvolvimento
social e econômico.
A implementação, de fato, de práticas de ESG
(Ambiental, Social e de Governança) fortalece as empresas para que atuem na
conformidade com a lei, assim como de acordo com a necessidade social, na
formulação de políticas internas e no desenvolvimento de programas que promovam
uma cultura organizacional alinhada com os princípios de diversidade e
inclusão. Isso para compreender e atender as exigências regulatórias, fugindo
dos riscos associados ao não cumprimento das diretrizes de ESG, o que contribui
para a construção de ambientes corporativos mais responsáveis e sustentáveis.
Ao invés de enxergar as ações regressivas
externas como uma ameaça, o Brasil deve usá-las como um catalisador para
reafirmar sua identidade e compromisso com a equidade, fortalecendo políticas
públicas e iniciativas privadas que promovam um futuro mais inclusivo e
próspero para todos.
A conjuntura brasileira aponta para a
manutenção de práticas de diversidade. Sua continuidade é essencial para
garantir a emancipação social de grupos minorizados e vulneráveis, a fim de
promover uma sociedade mais justa e igualitária, ao mesmo tempo em que
contribui para o desenvolvimento econômico sustentável.
Portanto, empresas transnacionais que possuem
negócios no Brasil devem seguir as regras observadas pelo Estado brasileiro e
os Princípios Orientadores Sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU.
Por fim, é importante que se compreenda que
as empresas que adotam práticas de diversidade e inclusão permanecerão
promovendo-as no ambiente corporativo, não por imposição legal ou exigência do
mercado, mas por medida de justiça e promoção do bem viver de todas as pessoas.
*Robson de Oliveira é sócio do Demarest Advogados, é mestre em Direitos Humanos pela Universidade Pablo de Olavide, Espanha. Foi reconhecido em 2023 pela Mundo Negro como um dos 25 executivos pretos que estão reconstruindo narrativas no mercado corporativo.
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