sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

A lei da selva nas relações internacionais - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Trump implode o multilateralismo e instaura um salve-se quem puder no mundo

Com a postura imperial e a determinação de usar o poder dos EUA para impor vontades, crenças e certezas pessoais, Donald Trump está criando fissuras drásticas não apenas na sociedade americana, mas nos organismos internacionais e nas alianças regionais. O multilateralismo, que favoreceu países do porte do Brasil, está em desuso, com instituições desacreditadas, inoperantes. O mundo não é mais o mesmo. Prevalece a lei da selva, o que equivale a dizer: salve-se quem puder!

Ao recorrer ao seu poder de veto e impedir o cessar-fogo em Gaza com um único voto, os EUA, ainda na era Biden, mostraram o quanto a antes poderosa ONU se tornou irrelevante. Com Trump, o que já estava ruim só piora e se soma à crescente sede de hegemonia da China, ao voluntarismo da Rússia, ao descaso de Israel com a comunidade internacional, ao tudo ou nada do Oriente Médio e ao declínio da Alemanha.

A diplomacia tem de se ajustar aos movimentos do mundo, aos novos líderes e ao impacto das redes sociais no planeta. Se a ONU está ladeira abaixo, leva junto toda sua estrutura. Trump, que fala até em anexar o Canadá (!), já retirou os EUA da OMS (Saúde) e ameaça inclusive aliados americanos de taxações, sem dar a menor bola para as regras da OMC (Comércio).

O desmonte dos organismos internacionais decanta para os regionais, inclusive, claro, os da nossa região. A Celac (América Latina e Caribe), por falta de consenso, não consegue sequer se reunir para discutir uma questão comum a todos os países, a da deportação de “milhões e milhões” nos EUA. A OEA (Américas, incluindo EUA) não se entende em questões razoavelmente simples. E qual será o futuro do Mercosul, com o trumpista Javier Milei ameaçando retirar a Argentina do bloco e criar muros nas fronteiras?

Voltando: é a lei da selva. O que significa que a diplomacia é cada vez menos exercitada em torno de consensos e se transformando num difícil desafio bilateral. As articulações de Brasil, Colômbia e México não funcionaram nem para o indescritível Nicolás Maduro, como poderiam dar em algo contra o mais indescritível ainda Trump? Há uma diferença de escala: bastou uma cara feia e duas ameaças e Trump reduziu a valentia do colombiano Gustavo Petro a pó.

A “nova diplomacia” tem de pisar em ovos, medir ainda mais palavras e gestos, mirar alvos certos e identificar com clareza os riscos. Levar um vareio de Maduro já foi um vexame. Enfrentar Trump seria devastador. Mas jogar a toalha para absurdos não dá. Há que calibrar ações, reações e riscos e usar a velha técnica do “homem a homem”, ou país a país. Inclusive com os EUA de Trump.

 

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