sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Em entrevista, Lula tenta trancar debate sobre sua sucessão em 2026 - César Felício

Valor Econômico

Reação do presidente às críticas de Kassab dá pistas sobre estratégia para próximas eleições

Na longa entrevista coletiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva há um ponto que se destaca: a reação do governante às declarações da véspera feitas pelo presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, que classificou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como “fraco” e disse que a oposição seria favorita se a eleição presidencial fosse hoje.

Seria fácil para Lula se esquivar da pergunta. Lula poderia dizer, assim como fez Haddad, que não havia tomado conhecimento das declarações. Ninguém iria acreditar, mas seria uma sinalização de que as declarações de Kassab não haviam sido tão importantes quanto parecem ser, vindas de quem vêm. O presidente optou por outro caminho: chamou Kassab de “companheiro” e disse que, ao ver a história, começou a rir. “A eleição vai ser só daqui a dois anos”, ressaltou Lula.

O presidente prosseguiu, afirmando que Kassab tem problemas pessoais com Haddad que prejudicam a análise. “Acho que Kassab foi injusto com o significado do companheiro Haddad no ministério”, disse, citando em seguida o que Kassab poderia ter visto e não viu: o protagonismo de Haddad na aprovação da PEC da transição, da reforma tributária e do arcabouço fiscal.

O PSD saiu fortalecido das últimas eleições municipais, mas não teve o aval do Planalto nem para disputar a presidência da Câmara, nem para tentar manter a presidência do Senado. Por último, Kassab viu nos últimos dias a cota do partido na Esplanada entrar na negociação de uma provável reforma ministerial. Ele não tem motivos políticos para estar próximo do governo federal nesse instante.

Ao comentar as declarações, Lula optou por não tirar Kassab do caminho do confronto, o que não passou despercebido de analistas políticos. “Lula pagou para ver”, comenta Carlos Pereira, da FGV. Para Pereira, Kassab deu sinalização clara de que não espera muito mais do presidente. Foi um sinal de desesperança de uma intervenção de Lula para reequilibrar o jogo de poder de forma mais favorável para o PSD. “Kassab ameaçou e Lula está querendo saber até que ponto o Kassab de fato tem condições de apostar em outra candidatura. Em última instância, Lula não vai ceder”, comentou.

Lula frisou na sua resposta que é cedo para falar de eleição. O corolário é que é cedo também para fazer um arranjo já voltado para construir a aliança em torno de sua reeleição. É uma tentativa do presidente de brecar um debate sobre 2026 depois de uma pesquisa de opinião pública mostrando que Lula está fraco nos seus redutos mais tradicionais. O próximo lance será de Kassab.

Ao falar de economia, Lula foi dúbio. Disse que a Petrobras tinha autonomia para aumentar o diesel, se necessário, e disse que jamais interferiria na produção de alimentos de modo a criar um mercado paralelo. Por outro lado negou a existência de um problema fiscal. Descartou a adoção de novas medidas para conter gastos, no que dependesse dele.

Outro ponto importante da entrevista foi sua própria realização. Lula afirmou que essa iniciativa irá se repetir muitas vezes, e citou qual sua inspiração: as “mañaneras” do ex-presidente mexicano Andrés Manuel Lopez Obrador.

As mañaneras eram entrevistas coletivas diárias dadas pelo então presidente mexicano às seis horas da manhã. Os encontros duravam horas e foram a principal forma de comunicação de Lopez Obrador durante seu governo (2018-2024). Lula disse que não seguiria à risca esse modelo e é bom que seja assim. Lopez Obrador era conhecido pela truculência ao lidar com a imprensa e as entrevistas eram momentos de intimidação.

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