sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Incúria fiscal dos governadores é preocupante

O Globo

Em dois anos, despesas dos governos estaduais cresceram 8,7%, ante aumento de apenas 2,1% nas receitas

Menos evidente e menos discutida que a incúria do governo federal com as contas públicas, a irresponsabilidade fiscal dos governadores também preocupa. Assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, muitos administram as contas dos seus estados como se não houvesse amanhã. Com a perspectiva de desaceleração da economia, a má gestão dos estados é a receita para um desastre. As tentativas de ajuste têm sido insuficientes. Nenhum governador pode alegar desconhecimento sobre as consequências da negligência.

Os governos estaduais deverão encerrar a metade dos atuais mandatos com o crescimento dos gastos em ritmo superior ao das receitas. Em 2023, as despesas dos 26 estados e do Distrito Federal subiram 3,9% sobre o ano anterior, enquanto as receitas caíram 3,1%, segundo levantamento do jornal Valor Econômico. No ano passado, os esforços para conter o desequilíbrio foram insuficientes. De janeiro a outubro, as receitas cresceram 5,3% em relação ao mesmo período do ano anterior, e os gastos 4,7%. Ao longo dos dois anos, os gastos subiram 8,7%, e as receitas apenas 2,1%.

É verdade que os estados são heterogêneos. Cada um tem a sua peculiaridade. De forma geral, o crescimento dos gastos foi alavancado por despesas com pessoal e encargos sociais. Outro ponto que chamou a atenção em 2024 foram os investimentos, mantidos em patamar alto. O total aplicado em obras entre janeiro e outubro chegou a R$ 60,6 bilhões, quase o triplo dos R$ 21,5 bilhões no mesmo período em 2019, ano anterior à pandemia. Por óbvio, os governos estaduais precisam cuidar dos serviços públicos, repor seus quadros, promover programas sociais e melhorar a infraestrutura. Mas não é razoável fazer isso sem amparo na realidade, distribuindo aumentos salariais descabidos para o funcionalismo e promovendo outras medidas eleitoreiras.

A medida do descompasso fica evidente na comparação da política fiscal dos estados com o ritmo da economia. Nos últimos dois anos, o PIB registrou altas anuais expressivas, acima dos 3%. Ainda assim, a despesa corrente dos estados aumentou perto de 2 pontos percentuais acima da alta do PIB. Nas palavras de Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre, os estados estão “esticando bastante” a gastança. Com um agravante: o regime fiscal e outros instrumentos funcionam como incentivo ao descalabro.

Há duas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma nova lei de renegociação das dívidas dos estados, conhecida pela sigla Propag. O vice-presidente Geraldo Alckmin disse nunca ter visto “algo tão generoso”. Mediante o cumprimento de algumas metas, as taxas de juros hoje em 4% poderão cair a zero, sem contrapartidas adicionais de responsabilidade fiscal. “Será mais uma nova rodada de financiamento federal para a expansão dos gastos públicos”, diz Pires. É o quarto alívio às dívidas estaduais desde o Plano Real. Nenhum dos anteriores representou avanço no equilíbrio das contas públicas. Nos últimos dois anos, os estados com maior discrepância entre gastos e receitas nem são os mais endividados. Isso mostra como o descaso tem se disseminado de forma preocupante. É um custo que o brasileiro já está cansado de pagar.

Alerta nos celulares para risco de tempestade severa representa avanço

O Globo

Recurso pode ajudar a salvar vidas, mas autoridades precisam evitar uso excessivo que acabe por banalizá-lo

Moradores de São PauloRio de Janeiro e outras cidades podem ter estranhado nos últimos dias mensagens em seus celulares com um “alerta severo” da Defesa Civil, informando sobre o risco iminente de tempestades. Em muitos casos o recurso foi usado pela primeira vez. Como o objetivo é chamar a atenção, o alerta não é nada discreto. Invade a tela do aparelho com uma mensagem, apitando e vibrando. Avisos semelhantes por SMS já existem. A diferença é que agora não apenas os cadastrados os recebem. A intenção é que cheguem a qualquer um em áreas suscetíveis a alagamentos, deslizamentos de terra ou vendavais.

Em São Paulo, moradores da capital se surpreenderam com o alerta disparado no dia 24. Foi a primeira vez que a ferramenta, implantada em dezembro, foi usada na cidade, embora já tivesse sido testada noutros municípios. O cenário que se seguiu justificou o alerta. Naquele dia, a cidade registrou 125,4 milímetros de chuva (82 milímetros em apenas uma hora), terceiro maior volume dos últimos 64 anos. Com tanta chuva, ruas ficaram alagadas, carros boiaram e até uma estação do metrô foi invadida pelas águas. A enxurrada matou ao menos três pessoas.

No Rio, cidade que historicamente sofre com os temporais de verão, o alerta extremo foi disparado pela primeira vez na noite de quarta-feira, informando sobre a possibilidade de chuvas fortes. A reação inusitada dos cariocas levou o prefeito Eduardo Paes (PSD) a se manifestar: “Estou recebendo um monte de mensagem aqui de gente dizendo que quase infartou, quase morreu do coração, mas é bom a gente ir se habituando. É para dar susto mesmo, para chamar a atenção”.

É verdade que, na capital fluminense, não se repetiu o dilúvio de São Paulo. Mas avisos sobre risco de tempestades são baseados em modelos meteorológicos que apontam a probabilidade de chuvas fortes, com potencial para causar transtornos e mortes. Evidentemente, elas podem não se concretizar ou ficar restritas a uma pequena área. O importante é a população não ser apanhada de surpresa.

A nova ferramenta já é usada noutros países em avisos de desastres. Cabe aos governos conscientizar a população sobre a importância dos alertas meteorológicos, para que uma iniciativa positiva não se transforme em piada. É fundamental que a medida seja usada apenas em casos extremos, para não ser banalizada.

Saber que uma tempestade violenta se aproxima é importante para que gestores e famílias se planejem. Deslocamentos sem urgência podem ser adiados, motoristas podem replanejar suas rotas, moradores de áreas de risco podem buscar abrigo em lugares seguros. Diferentemente de outras ações de prevenção necessárias, trata-se de medida relativamente simples. Uma solitária mensagem na tela do celular pode salvar vidas.

Juros sobem e Lula descarta novas medidas de ajuste

Valor Econômico

O presidente deixa ao relento o BC, que terá sozinho de conter a inflação que começou a provocar estragos enormes nas pesquisas de imagem do governo

O Banco Central (BC) elevará a taxa de juros a 14,25% em março e depois disso ninguém sabe. O Copom não deu sinais sobre o futuro ontem, embora os investidores sigam no piloto automático e apostem em uma taxa que supera 15% com folga. Em pesquisa feita pelo Valor à véspera da reunião do Copom, 88 de 120 casas assinalaram que aguardam uma Selic dessa magnitude ou maior. O comunicado lacônico do BC após a reunião indica que ele não sanciona esta expectativa, sem, no entanto, descartá-la.

Sob o comando de Gabriel Galípolo, o BC mudou parcialmente a equação do balanço de riscos, a única novidade no comunicado do Copom. Ele continua sinalizando que as chances de alta da inflação, por boa margem, são maiores que as de queda, e descartou os dois ultrapassados fatores baixistas que continuavam como escolhos nas referências do Copom: desaceleração da economia global e desinflação global mais forte do que o esperado. Em seu lugar entraram a possibilidade de “desaceleração da atividade econômica doméstica mais acentuada” e um pouco claro “cenário menos inflacionário para economias emergentes decorrente de choques sobre o comércio internacional e condições financeiras globais”.

Durante pelo menos dois anos, os investidores apostaram em uma desaceleração da economia que não ocorreu. Os estímulos fiscais frustraram essas apostas, que podem afinal se materializar, na perspectiva do BC. Os dados mais recentes do IBGE a tornam plausível. Indústria, comércio e serviços começaram a recuar a partir de novembro, em um movimento cuja continuidade não está assegurada. Adicionalmente, os dados de dezembro mostram que a queda dos empregos foi um pouco mais forte do que a sazonalidade indicaria e que os salários iniciais, que demonstram ganhos ou perdas na substituição da mão de obra empregada pela que vai ingressar, já não estão subindo. No entanto, estatísticas de um par de meses não podem ser tomadas como tendência.

A desaceleração da economia deve esfriar o ímpeto do reajuste de preços. Em novembro, último dado disponível, a indústria recuou pelo segundo mês consecutivo. Mais importante, a indústria paulista, a maior do país, encolheu 4,7% no mês, a maior retração desde julho de 2023. Mês do Black Friday, novembro também não foi favorável às vendas do varejo comum, que caíram 0,4%, e às do ampliado (inclui construção e venda de automóveis), que tiveram tombo maior, de 1,8%.

O setor de serviços iniciou trajetória descendente, ainda que seja difícil prognosticar seu futuro. Em novembro, teve um baque de 0,9%. Um indicador indireto, o do emprego, seguiu a mesma tendência. Segundo dados do Caged, que computam apenas empregos formais, em dezembro o setor de serviços foi o que teve o maior fechamento líquido de vagas (contratações menos demissões), com perda de 257.703, quase a metade do fechamento de 535.547 postos de trabalho. O salário médio de admissão parou de crescer e manteve-se no mesmo nível do mês anterior.

Mais difícil de vislumbrar é o outro fator baixista indicado pelo Copom, de inflação sob menor pressão nos países emergentes, decorrente de choques no comércio e condições financeiras globais. Desde que Trump assumiu a Presidência dos Estados Unidos, as expectativas vão na direção oposta - tarifas maiores favorecendo inflação e, em decorrência, política monetária mais contida, com juros ainda altos por mais tempo. Juntos, haveria aperto das condições financeiras e mais pressão sobre os preços em geral, ao contrário do que sugere o Copom. Uma hipótese é que o presidente Donald Trump elevaria tarifas sobre produtos da China e dos parceiros de acordo comercial dos EUA, México e Canadá, logo nos primeiros dias de governo, e, ao não fazê-lo, o cenário seria então mais benigno. Seria preciso boa dose de ingenuidade para acreditar nisso. A ata do Copom deve esclarecer esse ponto na terça-feira.

O certo é que as fragilidades fiscais do governo Lula desancoraram as expectativas, desvalorizaram o real e alimentaram a inflação. É urgente modificar a trajetória da política fiscal, mas há cada vez menos sinais de que isso vá ocorrer. A queda da avaliação do governo e da popularidade do presidente Lula o empurra em direção contrária a um acerto nas contas públicas. O timing de sua política de expansão de gastos levou o governo a enfrentar inflação em alta, juros em elevação e economia a caminho da retração perto do período eleitoral de 2026. Em entrevista ontem, Lula disse que não prevê novas medidas fiscais e que não houve déficit relevante em 2024. “Déficit de 0,1% é zero”, afirmou. “Não existiu rombo fiscal. Rombo fiscal existiu no governo passado”.

O presidente deixa ao relento o BC, que terá sozinho de conter a inflação que começou a provocar estragos enormes nas pesquisas de imagem do governo. Na altura em que estão, os juros podem provocar uma freada brusca na economia sem que a inflação decline rapidamente, combinação tóxica para um incumbente em busca da reeleição. Lula acha que o pleito está a longínquos 18 meses e que tudo pode mudar, ignorando o ritmo da política monetária e de seu efeito sobre os preços. Não se pode acusá-lo de inexperiência.

Sem ajuda do governo, BC corre atrás da inflação

Folha de S. Paulo

Alta dos juros sob Galípolo vem após salto da projeção do IPCA; órgão deve deixar mais clara sua visão na ata da decisão

Como era esperado, o Banco Central, agora sob o comando de Gabriel Galípolo, elevou a taxa de juros de 12,25% para 13,25% ao ano, além de praticamente confirmar nova alta de 1 ponto percentual para a reunião de 19 de março.

Esperava-se também alguma indicação de qual seria a perspectiva do BC sobre o cenário de inflação e juros para a segunda metade do ano, o que não se viu.

A autoridade monetária decerto não tem como se comprometer com avaliações de períodos tão longos. O fato, porém, é que o comunicado sobre o aumento da taxa Selic acabou por dividir opiniões a respeito do futuro mais imediato da atuação do BC, cuja cúpula agora tem maioria indicada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De um lado, o texto deixou claro que há mais incerteza, citando dúvidas em relação à política econômica dos Estados Unidos sob Donald Trump. Enumerou riscos cada vez maiores, apontando também, de modo explícito, que a baixa taxa de desemprego pode afetar a inflação.

Pelo modelo do BC, o IPCA para este 2025 está em 5,2%, bem acima da meta de 3% e do teto oficial de 4,5%. Para o terceiro trimestre de 2026, momento que é alvo maior de suas preocupações, estaria em 4% em 12 meses.

Por outro lado, o órgão insinuou que pode haver desaceleração importante da atividade econômica doravante, entre os fatores que podem contribuir para conter a alta dos preços. Além do mais, não deu indício de que a política monetária pode ser mais restritiva do que já é.

Algumas instituições financeiras reafirmaram sua previsão de que a meta da Selic vá a 15% ao ano. Outras, que indicam taxa maior, afirmaram que talvez tenham de revisar para baixo suas projeções. No mercado, as taxas de prazo mais curto caíam no dia seguinte ao da decisão do Comitê de Polícia Monetária (Copom).

O BC terá de ser mais explícito na ata da reunião, que será divulgada na semana que vem. As expectativas para o IPCA deste ano deram um grande salto, para 5,5% e em tendência de alta; para 2026, são mais de 4%. Conta-se no máximo, portanto, com uma queda paulatina do índice, mesmo com uma taxa real de juros de um ano próxima de 10% anuais. Trata-se de um ambiente tenso.

Decerto houve valorização inesperada do real, embora para um nível ainda ruim. É provável que o aumento do gasto federal seja menor neste ano —mas a administração petista não se mostra disposta a um ajuste que colabore para a missão do BC.

Por ora, não estão à vista choques climáticos, e a safra de grãos deve ser recorde; não há no horizonte sinal de pressões advindas dos preços de outras commodities; prevê-se crescimento menor do Produto Interno Bruto (PIB).

Todos esses fatores devem ser colocados na balança. É inescapável, de todo modo, que Galípolo inicia seu mandato sob condições desfavoráveis e terá de deixar clara sua visão do cenário.

Nunes precisa entregar resultados na educação de SP

Folha de S. Paulo

Maior metrópole do país tem taxas precárias de aprendizagem; gestão privada e ensino integral podem melhorar indicadores

Dentre os desafios de Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo, em seu segundo mandato está o aprendizado no ensino fundamental.

Afinal, é constrangedor que a maior metrópole do país apresente maus resultados nessa etapa, ainda mais diante da situação favorável do caixa da administração municipal —a receita no Orçamento deste ano é de R$ 125,6 bilhões; quando Bruno Covas (PSDB) assumiu a gestão anterior, em 2021, eram R$ 86,8 bilhões (corrigidos pela inflação).

Em entrevista à Folha, o secretário de Educação, Fernando Padula, mantido no cargo após a reeleição de Nunes, afirmou que esse será o foco da pasta e se comprometeu a levar a gestão privada para as 50 escolas mais vulneráveis da capital e universalizar o ensino de tempo integral na pré-escola, que atende crianças de 4 e 5 anos, e nos 1º e 2º anos do ensino fundamental até o fim de 2028.

As medidas são bem-vindas porque já passa da hora de a prefeitura mostrar avanços nos indicadores de aprendizagem.

Segundo levantamento do Ministério da Educação, 37,9% dos estudantes de 7 anos de idade da rede paulistana estavam alfabetizados em 2023. São Paulo ficou na vergonhosa 21ª posição entre as capitais, bem abaixo da média nacional (56%). Fortaleza (74%), Curitiba (70,4%) e Goiana (66,6%) conquistaram o topo do ranking.

Na avaliação mais recente do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2023, a nota dos alunos nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) foi de 5,6 —ante 5,7 em 2021 e 6 em 2019. O resultado foi novamente abaixo da média brasileira (5,7) e pior que o de cidades bem mais pobres, como Teresina e Rio Branco, ambas com 6,4.

A parceria público-privada indicada por Padula pode contribuir para a eficiência na gestão das escolas, que precisam ser selecionadas a partir de diagnósticos que atestem baixos índices de aprendizagem e contexto socioeconômico mais vulnerável.

Sobre o ensino integral, estudo da USP divulgado em 2024 mostra que, nas escolas estaduais de São Paulo que implantaram o modelo, os estudantes do 5º e do 9º ano do ensino fundamental tiveram alta de 35% na obtenção de conhecimento em matemática e de 26% em língua portuguesa.

Problemas de aprendizado nas primeiras etapas do ensino geram uma reação em cadeia nefasta por toda a vida acadêmica do alunado, contribuindo para a repetência e a evasão escolar.

A prefeitura precisa aproveitar o caixa em ordem para tomar as rédeas da educação na capital e alcançar melhores indicadores.

Kassab não costuma dar ponto sem nó

O Estado de S. Paulo

Ao chamar Haddad de ‘fraco’ e dizer que Lula perderia a eleição se fosse hoje, Kassab mostra uma aliança governista pouco sólida e escancara a fragilidade do ministro da Fazenda

O presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, fez uma avaliação duríssima sobre o governo do presidente Lula da Silva e seu principal ministro, o titular da Fazenda, Fernando Haddad. Em um evento para investidores em São Paulo, Kassab queixou-se da condução da política econômica e disse que Haddad é um “ministro fraco”, que “não consegue se impor” e tem “dificuldade de comandar”. Um ministro da Fazenda sem autoridade, afirmou ele, é um “péssimo indicativo para o País”. Kassab também afirmou que, se a eleição presidencial fosse hoje, Lula não seria reeleito, disse não enxergar “articulação para reverter a piora no cenário” e lamentou não ver “nenhuma marca boa, como teve Fernando Henrique Cardoso e Lula nos primeiros mandatos”. E avisou: “Os partidos de centro estão criando uma alternativa para 2026”.

Nada do que disse escapa à constatação de observadores políticos sobre o rarefeito cotidiano do governo, mas uma avaliação como essa, vinda de um aliado habilidoso, que não costuma dar ponto sem nó, traduz o adoecimento da gestão de Lula e seu horizonte cada vez mais sombrio. Kassab não é o tipo de político que dá declarações improvisadas e impensadas. Ao contrário, sabe como poucos andar entre cristais e costuma calcular cada movimento. Foi nessa condição que se transformou num dos políticos mais influentes do País. Seu partido elegeu o maior número de prefeitos nas últimas eleições, e ele se equilibra magistralmente entre a condição de aliado de Lula (o PSD tem três ministros na equipe do presidente), secretário de Governo e Relações Institucionais do governo de São Paulo e mentor do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Descontadas as eventuais motivações partidárias da declaração, já que Kassab e o PSD têm um olho no incômodo com o nível de participação no ministério e outro na viabilidade de 2026, o fato é que um gesto como esse constitui um mau diagnóstico para Lula e Haddad. Emite sinais de uma aliança governista pouco sólida e escancara a fragilidade do ministro da Fazenda. Lula e Haddad, previsivelmente, minimizaram o peso das declarações. Provocado horas depois por jornalistas, Haddad desconversou: “Não li essa declaração. Não tomei conhecimento”. No dia seguinte, durante entrevista coletiva convocada no Palácio do Planalto, Lula tratou o tema com ironia e um calculado bom humor. “Comecei a rir”, disse, afirmando ter ficado “despreocupado porque hoje não tem eleição”, e chamou Haddad de “extraordinário”.

Trata-se de uma evidente marotagem. É verdade que faltam 20 meses para a eleição, mas as disfuncionalidades governistas e, como disse Kassab, a baixa perspectiva de mudança capaz de reverter a piora no cenário inspiram prognósticos pessimistas, tanto para o lulopetismo quanto para o País. Também é verdade que Haddad tem sido “extraordinário” – não para a economia, mas para Lula e seus bajuladores. Nos primeiros dois anos, cultivou-se a expectativa de que o ministro poderia ser o guardião da sobriedade econômica ante o desprezo do lulopetismo pelo equilíbrio fiscal e pelo controle da inflação. Esse otimismo ruiu. Desde o anúncio do pacote de revisão de gastos do governo, ficou evidente que Haddad não conseguiu – e provavelmente não conseguirá – conter o ímpeto eleitoreiro de Lula. Seu enfraquecimento significa a vitória dos radicais do PT. E, como se sabe, quando os radicais do PT vencem, é o Brasil que paga a conta.

A cada dia Lula e o PT deixam claro que ignoram algo imprescindível num país de economia frágil e instável como o Brasil: a necessidade de um ministro da Fazenda confiável, forte e com respaldo do chefe. Kassab citou o caso dos ministros Pedro Malan (governo FHC), Antonio Palocci (Lula 1) e Henrique Meirelles (governo Michel Temer). Poderia ter citado também exemplos inversos, como Guido Mantega, fiel cumpridor de ordens nos governos Lula 2 e Dilma 1, e Joaquim Levy, que no segundo mandato de Dilma até tentou mudar o rumo, mas foi engolido pelas sabotagens do PT. Sempre que presidentes tornaram seus ministros da Fazenda fracos, deixaram ruínas econômicas para o País.

O espírito do lavajatismo ainda assombra

O Estado de S. Paulo

Vazamento de parte do depoimento de Mauro Cid à PF lembra os piores momentos da Lava Jato. A exploração política de delações sem provas mina os esforços por uma justa reparação penal

A Operação Lava Jato está enterrada no que diz respeito a seus desdobramentos jurídico-penais. Se ainda havia dúvidas quanto a isso, um vídeo publicado pelo notório Sérgio Cabral Filho há poucos dias em uma rede social, sobre o qual já nos manifestamos (ver editorial Cabral debocha do Brasil, 24/1/2025), decerto as dissipou por completo.

No entanto, perdida a oportunidade de impor a uma pletora de criminosos confessos a justa reparação penal pelos males que causaram, o País teria muito a ganhar do ponto de vista institucional se ao menos as lições deixadas pela Lava Jato, em particular pelos erros cometidos por órgãos estatais e até pela imprensa, tivessem sido mais bem assimiladas. Não parece ser o caso. A Lava Jato pode estar morta, mas o espírito do lavajatismo ainda assombra o País.

Há poucos dias, veio a público o conteúdo do primeiro depoimento prestado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, no âmbito do acordo de colaboração premiada que o militar firmou com a Polícia Federal (PF). Informações divulgadas pelo jornalista Elio Gaspari nos jornais O Globo e Folha de S.Paulo dão conta de que Cid contou à PF que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro teriam integrado a “ala mais radical” que supostamente incentivou o então presidente da República a dar um golpe armado para impedir a posse de Lula da Silva.

Embora gravíssima, a acusação feita por Cid e vazada à imprensa veio desacompanhada de provas, razão pela qual nem Eduardo nem Michelle Bolsonaro figuram no rol de indiciados pela suposta sedição. Isso mostra, em primeiro lugar, que a PF parece ter trilhado um bom caminho investigativo, afinal, a chamada “delação premiada”, à luz da Lei 12.850/2013, é apenas um meio de obtenção de prova, não tendo o condão de, por si só, provar coisa alguma. Por outro lado, o vazamento lança luz para a instrumentalização política de inquéritos policiais, que, por óbvio, devem ser orientados única e exclusivamente por imperativos legais e pela boa técnica policial.

Somado à falta de substância probatória, o momento da divulgação do teor do depoimento de Mauro Cid – o primeiro dos mais de dez que o militar já prestou à PF e ao Supremo Tribunal Federal (STF) de agosto de 2023 até agora – autoriza a suspeita de que a investigação dos fatos narrados por ele pode estar sendo explorada politicamente, tal como foram exploradas muitas delações firmadas durante a Lava Jato, calculadamente vazadas em nome de interesses para lá de obscuros.

Eduardo e Michelle Bolsonaro passam por uma fase de súbita notoriedade desde que ambos foram aventados como possíveis candidatos à Presidência em 2026. O presidente Lula da Silva, ao contrário, atravessa seu pior momento neste terceiro mandato, assistindo a seus índices de aprovação e popularidade despencarem em regiões e estratos sociais nos quais o petista outrora nadava de braçada.

Manifestações públicas do diretor da PF, Andrei Passos, e de ministros do STF, como o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, e o decano, Gilmar Mendes, só alimentam especulações perigosas. Passos tem abusado de entrevistas nas quais, entre outras impertinências, tece considerações a respeito dos casos que a PF investiga. Barroso e Mendes, por sua vez, não raro comentam o caso, como se não fossem julgá-lo mais adiante. Recentemente, Barroso afirmou que pautará o julgamento dos acusados da trama golpista “imediatamente” após a produção de provas. Mendes, outro ministro que não se contenta em falar somente nos autos, afirmou que espera julgar o caso “ainda em 2025”, de modo a “evitar tumultos em 2026”, ano eleitoral, como se o tempo da Justiça tivesse de se submeter ao tempo da política.

É de interesse nacional que o processo contra os acusados de tentar impedir a posse do presidente legitimamente eleito em 2022 seja imaculado. Só assim todos os que vierem a ser condenados com base em provas por sua participação na intentona poderão pagar duramente pelos crimes que cometeram contra o Estado Democrático de Direito. É dever do STF agir com imparcialidade para que uma audácia deste jaez nunca mais seja cogitada no País.

A trégua marota de Lula ao BC

O Estado de S. Paulo

Petista engole alta de juros no BC dirigido por seu apadrinhado, mas diz ter ‘certeza’ de que taxa vai cair

Como esperado, o Comitê de Política Monetária (Copom) seguiu a orientação dada na reunião de dezembro último e aumentou a taxa básica de juros em 1 ponto porcentual, para 13,25% ao ano. Unânime e sem surpresas, a decisão levou a Selic ao maior nível desde setembro de 2023.

Desta vez, foram poucas as vozes dispostas a criticar o Banco Central (BC). O tom foi dado por Lula da Silva, para quem o presidente do BC, Gabriel Galípolo, não poderia dar “um cavalo de pau em um mar revolto de uma hora para outra”. “Já estava praticamente demarcada a necessidade de subida de juros pelo outro presidente”, afirmou.

A rara trégua dada ao Copom só ocorreu porque, na versão petista, ainda é possível atribuir toda a culpa a Roberto Campos Neto. “Nós temos que ter paciência. Eu tenho 100% de confiança no trabalho do presidente do Banco Central e tenho certeza de que ele vai criar as condições para entregar ao povo brasileiro uma taxa de juros menor no tempo em que a política permitir que ele faça”, afirmou Lula da Silva.

Em tempos de tanta instabilidade, o armistício é positivo. Como disse o comunicado divulgado pelo Copom após a reunião, o ambiente externo continua desafiador, há dúvidas sobre qual será o ritmo de desaceleração da economia norte-americana e os bancos centrais das principais economias do mundo ainda lutam para conduzir a inflação à meta em meio a um mercado de trabalho pressionado.

Não é diferente no Brasil. A taxa de desemprego segue baixa, as projeções para a inflação estão acima da meta para este ano e 2026 e ainda subiram nas últimas semanas e a percepção dos investidores sobre a política fiscal e a trajetória da dívida continua a causar impactos relevantes nos preços dos ativos e nas expectativas.

Se o Copom cumprir a rota indicada, haverá ao menos mais uma elevação de 1 ponto porcentual e a Selic irá a 14,25% ao ano em março, o maior nível desde o fim de 2016. Depois disso, o caminho está em aberto, o que é até compreensível em um momento de tantas incertezas e o retorno de Donald Trump à Casa Branca. Na conjuntura atual, os três meses até a reunião do Copom marcada para os dias 6 e 7 de maio parecem uma eternidade para sinalizar algo mais firme.

A desaceleração econômica ainda parece incipiente, mas já entrou no rol de preocupações do BC. O recuo do câmbio nos últimos dias pode ajudar a arrefecer o aumento dos preços dos alimentos, enquanto os serviços devem continuar pressionados. Parte do mercado aposta em uma Selic a 15% ao ano em maio, mas a última vez em que a taxa esteve neste patamar foi em 2006, e nem esse nível seria capaz, hoje, de conduzir a inflação ao centro da meta, de 3%.

Tantas dúvidas no cenário econômico poderiam ser parcialmente dissipadas se o governo estivesse disposto a ajudar a autoridade monetária com uma política fiscal mais austera. Sobre isso, no entanto, Lula da Silva não poderia ter sido mais claro e declarou que, a depender dele, não haverá novas medidas para cortar gastos. Como o BC lidará com esse cenário ainda é uma incógnita, mas, até maio, a instituição poderá contar com a condescendência do presidente da República.

Juros e inflação em alta: ameaças para a economia

Correio Braziliense

A elevação dos juros a patamares praticados há 20 anos vai desacelerar ou até mesmo frear a economia, com impacto sobre a arrecadação de impostos, agravando a necessidade de corte de gastos

A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa básica de juros da economia em um ponto percentual não será suficiente para conter a inflação no curto prazo, mas terá efeito imediato sobre os investimentos produtivos. Isso porque o ajuste na Selic, adotado de forma unânime, chega no momento em que os preços dos combustíveis estão sendo reajustados e vão pressionar os preços para os consumidores. A pressão dos combustíveis e dos alimentos deve aumentar as projeções de inflação para este ano. O último Relatório Focus do Banco Central (BC) mostra que o mercado financeiro subiu de 5,08% para 5,50% a projeção para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o que vai estourar o teto da meta para este ano, que é de 3%, com tolerância de 1,5 ponto para mais (4,5%) ou para menos (1,5%).

Com esse cenário e o provável aumento no valor do diesel pela Petrobras, o trabalho do BC praticamente não terá efeito sobre o controle de preços no curto prazo e será necessária nova alta na taxa básica para ver a efetividade da escalada dos juros no combate à inflação, deixando em aberto a possibilidade de um terceiro aumento em 2025, com a taxa chegando a mais de 15% ao ano, no maior patamar em quase 20 anos. Ainda assim, caso os preços não cedam, os diretores do BC terão que puxar os juros mais ainda, o que será mortal para o PIB, cujas projeções devem começar a ser reduzidas nos próximos dias.

Esse ciclo vicioso poderia ser amenizado com uma decisão mais firme do governo federal, no sentido de buscar corte de gastos que sinalizem equilíbrio nas contas públicas, que serão fortemente afetadas com a alta da Selic. No comunicado após a decisão, o Copom ressalta que acompanha com atenção os aspectos da política fiscal que impactam a política monetária e os ativos financeiros, considerando que a percepção dos agentes econômicos sobre a questão fiscal e a sustentabilidade da dívida segue pesando de forma relevante sobre os preços dos ativos, o que indica que, além dos preços dos alimentos, o regime fiscal também influencia na inflação.

Esse é um quadro que tende a se perpetuar e obrigar o BC a elevar mais vezes a taxa de juros, sufocando a economia e afetando a capacidade de pagamento das famílias brasileiras. E, nesse caso, ajuda pouco o governo e partidos da base atacarem o aumento de juros, eximindo a responsabilidade do atual presidente da autoridade monetária, Gabriel Galípolo. Menos ainda o governo ficar batendo cabeça e gastando tempo em encontrar uma forma de reduzir os preços dos alimentos.

Mais do que buscar soluções mirabolantes para reduzir preços, o governo precisa buscar formas de equilibrar as contas públicas. O presidente resiste em cortar gastos sociais. Então, é preciso que determine outras ações que possam surtir efeito sobre as contas públicas, como combate efetivo à sonegação de impostos, que, apenas neste primeiro mês do ano, soma quase R$ 50 bilhões. Dinheiro que deixa de ser arrecadado por ineficiência da máquina pública. 

Sem um ajuste do governo nas contas públicas, a tarefa do BC no combate à inflação pode ser como enxugar gelo. E, nesse caso, a elevação dos juros a patamares praticados há 20 anos vai desacelerar ou até mesmo frear a economia, com impacto sobre a arrecadação de impostos, agravando a necessidade de corte de gastos. Caso não atue agora para equacionar as contas públicas, sinalizando para o mercado medidas que efetivamente tragam confiança aos investidores, o governo pode ser forçado no futuro a realizar o corte mais drástico, sob pena de a economia caminhar para crescimentos mais baixos ou mesmo uma recessão.

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