Incúria fiscal dos governadores é preocupante
O Globo
Em dois anos, despesas dos governos estaduais
cresceram 8,7%, ante aumento de apenas 2,1% nas receitas
Menos evidente e menos discutida que a
incúria do governo federal com as contas
públicas, a irresponsabilidade fiscal dos governadores também preocupa.
Assim como o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, muitos administram as contas dos seus estados como se não houvesse
amanhã. Com a perspectiva de desaceleração da economia, a má gestão dos estados
é a receita para um desastre. As tentativas de ajuste têm sido insuficientes.
Nenhum governador pode alegar desconhecimento sobre as consequências da
negligência.
Os governos estaduais deverão encerrar a metade dos atuais mandatos com o crescimento dos gastos em ritmo superior ao das receitas. Em 2023, as despesas dos 26 estados e do Distrito Federal subiram 3,9% sobre o ano anterior, enquanto as receitas caíram 3,1%, segundo levantamento do jornal Valor Econômico. No ano passado, os esforços para conter o desequilíbrio foram insuficientes. De janeiro a outubro, as receitas cresceram 5,3% em relação ao mesmo período do ano anterior, e os gastos 4,7%. Ao longo dos dois anos, os gastos subiram 8,7%, e as receitas apenas 2,1%.
É verdade que os estados são heterogêneos.
Cada um tem a sua peculiaridade. De forma geral, o crescimento dos gastos foi
alavancado por despesas com pessoal e encargos sociais. Outro ponto que chamou
a atenção em 2024 foram os investimentos, mantidos em patamar alto. O total
aplicado em obras entre janeiro e outubro chegou a R$ 60,6 bilhões, quase o
triplo dos R$ 21,5 bilhões no mesmo período em 2019, ano anterior à pandemia.
Por óbvio, os governos estaduais precisam cuidar dos serviços públicos, repor seus
quadros, promover programas sociais e melhorar a infraestrutura. Mas não é
razoável fazer isso sem amparo na realidade, distribuindo aumentos salariais
descabidos para o funcionalismo e promovendo outras medidas eleitoreiras.
A medida do descompasso fica evidente na
comparação da política fiscal dos estados com o ritmo da economia. Nos últimos
dois anos, o PIB registrou altas anuais expressivas, acima dos 3%. Ainda assim,
a despesa corrente dos estados aumentou perto de 2 pontos percentuais acima da
alta do PIB. Nas palavras de Manoel Pires, coordenador do Centro de Política
Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre, os estados estão “esticando bastante” a
gastança. Com um agravante: o regime fiscal e outros instrumentos funcionam como
incentivo ao descalabro.
Há duas semanas, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva sancionou uma nova lei de renegociação das dívidas dos estados,
conhecida pela sigla Propag. O vice-presidente Geraldo
Alckmin disse nunca ter visto “algo tão generoso”. Mediante o
cumprimento de algumas metas, as taxas de juros hoje em 4% poderão cair a zero,
sem contrapartidas adicionais de responsabilidade fiscal. “Será mais uma nova
rodada de financiamento federal para a expansão dos gastos públicos”, diz
Pires. É o quarto alívio às dívidas estaduais desde o Plano Real. Nenhum dos
anteriores representou avanço no equilíbrio das contas públicas. Nos últimos
dois anos, os estados com maior discrepância entre gastos e receitas nem são os
mais endividados. Isso mostra como o descaso tem se disseminado de forma
preocupante. É um custo que o brasileiro já está cansado de pagar.
Alerta nos celulares para risco de tempestade
severa representa avanço
O Globo
Recurso pode ajudar a salvar vidas, mas
autoridades precisam evitar uso excessivo que acabe por banalizá-lo
Moradores de São Paulo, Rio de Janeiro e
outras cidades podem ter estranhado nos últimos dias mensagens em seus
celulares com um “alerta severo” da Defesa Civil, informando sobre o risco
iminente de tempestades. Em muitos casos o recurso foi usado pela primeira vez.
Como o objetivo é chamar a atenção, o alerta não é nada discreto. Invade a tela
do aparelho com uma mensagem, apitando e vibrando. Avisos semelhantes por SMS
já existem. A diferença é que agora não apenas os cadastrados os recebem. A
intenção é que cheguem a qualquer um em áreas suscetíveis a alagamentos,
deslizamentos de terra ou vendavais.
Em São Paulo, moradores da capital se
surpreenderam com o alerta disparado no dia 24. Foi a primeira vez que a
ferramenta, implantada em dezembro, foi usada na cidade, embora já tivesse sido
testada noutros municípios. O cenário que se seguiu justificou o alerta.
Naquele dia, a cidade registrou 125,4 milímetros de chuva (82 milímetros em
apenas uma hora), terceiro maior volume dos últimos 64 anos. Com tanta chuva,
ruas ficaram alagadas, carros boiaram e até uma estação do metrô foi invadida
pelas águas. A enxurrada matou ao menos três pessoas.
No Rio, cidade que historicamente sofre com
os temporais de verão, o alerta extremo foi disparado pela primeira vez na
noite de quarta-feira, informando sobre a possibilidade de chuvas fortes. A
reação inusitada dos cariocas levou o prefeito Eduardo Paes (PSD) a se
manifestar: “Estou recebendo um monte de mensagem aqui de gente dizendo que
quase infartou, quase morreu do coração, mas é bom a gente ir se habituando. É
para dar susto mesmo, para chamar a atenção”.
É verdade que, na capital fluminense, não se
repetiu o dilúvio de São Paulo. Mas avisos sobre risco de tempestades são
baseados em modelos meteorológicos que apontam a probabilidade de chuvas
fortes, com potencial para causar transtornos e mortes. Evidentemente, elas
podem não se concretizar ou ficar restritas a uma pequena área. O importante é
a população não ser apanhada de surpresa.
A nova ferramenta já é usada noutros países
em avisos de desastres. Cabe aos governos conscientizar a população sobre a
importância dos alertas meteorológicos, para que uma iniciativa positiva não se
transforme em piada. É fundamental que a medida seja usada apenas em casos
extremos, para não ser banalizada.
Saber que uma tempestade violenta se aproxima
é importante para que gestores e famílias se planejem. Deslocamentos sem
urgência podem ser adiados, motoristas podem replanejar suas rotas, moradores
de áreas de risco podem buscar abrigo em lugares seguros. Diferentemente de
outras ações de prevenção necessárias, trata-se de medida relativamente
simples. Uma solitária mensagem na tela do celular pode salvar vidas.
Juros sobem e Lula descarta novas medidas de
ajuste
Valor Econômico
O presidente deixa ao relento o BC, que terá
sozinho de conter a inflação que começou a provocar estragos enormes nas
pesquisas de imagem do governo
O Banco Central (BC) elevará a taxa de juros
a 14,25% em março e depois disso ninguém sabe. O Copom não deu sinais sobre o
futuro ontem, embora os investidores sigam no piloto automático e apostem em
uma taxa que supera 15% com folga. Em pesquisa feita pelo Valor à véspera da reunião
do Copom, 88 de 120 casas assinalaram que aguardam uma Selic dessa magnitude ou
maior. O comunicado lacônico do BC após a reunião indica que ele não sanciona
esta expectativa, sem, no entanto, descartá-la.
Sob o comando de Gabriel Galípolo, o BC mudou
parcialmente a equação do balanço de riscos, a única novidade no comunicado do
Copom. Ele continua sinalizando que as chances de alta da inflação, por boa
margem, são maiores que as de queda, e descartou os dois ultrapassados fatores
baixistas que continuavam como escolhos nas referências do Copom: desaceleração
da economia global e desinflação global mais forte do que o esperado. Em seu
lugar entraram a possibilidade de “desaceleração da atividade econômica doméstica
mais acentuada” e um pouco claro “cenário menos inflacionário para economias
emergentes decorrente de choques sobre o comércio internacional e condições
financeiras globais”.
Durante pelo menos dois anos, os investidores
apostaram em uma desaceleração da economia que não ocorreu. Os estímulos
fiscais frustraram essas apostas, que podem afinal se materializar, na
perspectiva do BC. Os dados mais recentes do IBGE a tornam plausível.
Indústria, comércio e serviços começaram a recuar a partir de novembro, em um
movimento cuja continuidade não está assegurada. Adicionalmente, os dados de
dezembro mostram que a queda dos empregos foi um pouco mais forte do que a
sazonalidade indicaria e que os salários iniciais, que demonstram ganhos ou
perdas na substituição da mão de obra empregada pela que vai ingressar, já não
estão subindo. No entanto, estatísticas de um par de meses não podem ser
tomadas como tendência.
A desaceleração da economia deve esfriar o
ímpeto do reajuste de preços. Em novembro, último dado disponível, a indústria
recuou pelo segundo mês consecutivo. Mais importante, a indústria paulista, a
maior do país, encolheu 4,7% no mês, a maior retração desde julho de 2023. Mês
do Black Friday, novembro também não foi favorável às vendas do varejo comum,
que caíram 0,4%, e às do ampliado (inclui construção e venda de automóveis),
que tiveram tombo maior, de 1,8%.
O setor de serviços iniciou trajetória
descendente, ainda que seja difícil prognosticar seu futuro. Em novembro, teve
um baque de 0,9%. Um indicador indireto, o do emprego, seguiu a mesma
tendência. Segundo dados do Caged, que computam apenas empregos formais, em
dezembro o setor de serviços foi o que teve o maior fechamento líquido de vagas
(contratações menos demissões), com perda de 257.703, quase a metade do
fechamento de 535.547 postos de trabalho. O salário médio de admissão parou de
crescer e manteve-se no mesmo nível do mês anterior.
Mais difícil de vislumbrar é o outro fator
baixista indicado pelo Copom, de inflação sob menor pressão nos países
emergentes, decorrente de choques no comércio e condições financeiras globais.
Desde que Trump assumiu a Presidência dos Estados Unidos, as expectativas vão
na direção oposta - tarifas maiores favorecendo inflação e, em decorrência,
política monetária mais contida, com juros ainda altos por mais tempo. Juntos,
haveria aperto das condições financeiras e mais pressão sobre os preços em
geral, ao contrário do que sugere o Copom. Uma hipótese é que o presidente
Donald Trump elevaria tarifas sobre produtos da China e dos parceiros de acordo
comercial dos EUA, México e Canadá, logo nos primeiros dias de governo, e, ao
não fazê-lo, o cenário seria então mais benigno. Seria preciso boa dose de
ingenuidade para acreditar nisso. A ata do Copom deve esclarecer esse ponto na
terça-feira.
O certo é que as fragilidades fiscais do
governo Lula desancoraram as expectativas, desvalorizaram o real e alimentaram
a inflação. É urgente modificar a trajetória da política fiscal, mas há cada
vez menos sinais de que isso vá ocorrer. A queda da avaliação do governo e da
popularidade do presidente Lula o empurra em direção contrária a um acerto nas
contas públicas. O timing de sua política de expansão de gastos levou o governo
a enfrentar inflação em alta, juros em elevação e economia a caminho da retração
perto do período eleitoral de 2026. Em entrevista ontem, Lula disse que não
prevê novas medidas fiscais e que não houve déficit relevante em 2024. “Déficit
de 0,1% é zero”, afirmou. “Não existiu rombo fiscal. Rombo fiscal existiu no
governo passado”.
O presidente deixa ao relento o BC, que terá sozinho de conter a inflação que começou a provocar estragos enormes nas pesquisas de imagem do governo. Na altura em que estão, os juros podem provocar uma freada brusca na economia sem que a inflação decline rapidamente, combinação tóxica para um incumbente em busca da reeleição. Lula acha que o pleito está a longínquos 18 meses e que tudo pode mudar, ignorando o ritmo da política monetária e de seu efeito sobre os preços. Não se pode acusá-lo de inexperiência.
Sem ajuda do governo, BC corre atrás da
inflação
Folha de S. Paulo
Alta dos juros sob Galípolo vem após salto da
projeção do IPCA; órgão deve deixar mais clara sua visão na ata da decisão
Como era esperado, o Banco Central,
agora sob o comando de Gabriel
Galípolo, elevou
a taxa de juros de 12,25% para 13,25% ao ano, além de praticamente
confirmar nova alta de 1 ponto percentual para a reunião de 19 de março.
Esperava-se também alguma indicação de qual
seria a perspectiva do BC sobre o cenário de inflação e
juros para a segunda metade do ano, o que não se viu.
A autoridade monetária decerto não tem como
se comprometer com avaliações de períodos tão longos. O fato, porém, é que o
comunicado sobre o aumento da taxa Selic acabou
por dividir opiniões a respeito do futuro mais imediato da atuação do BC, cuja
cúpula agora tem maioria indicada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT).
De um lado, o texto deixou claro que há mais
incerteza, citando dúvidas em relação à política econômica dos Estados Unidos
sob Donald Trump. Enumerou riscos cada vez maiores, apontando também, de modo
explícito, que a baixa taxa de desemprego pode afetar a inflação.
Pelo modelo do BC, o IPCA para este 2025 está
em 5,2%, bem acima da meta de 3% e do teto oficial de 4,5%. Para o terceiro
trimestre de 2026, momento que é alvo maior de suas preocupações, estaria em 4%
em 12 meses.
Por outro lado, o órgão insinuou que pode
haver desaceleração importante da atividade econômica doravante, entre os
fatores que podem contribuir para conter a alta dos preços. Além do mais, não
deu indício de que a política monetária pode ser mais restritiva do que já é.
Algumas instituições financeiras reafirmaram
sua previsão
de que a meta da Selic vá a 15% ao ano. Outras, que indicam taxa
maior, afirmaram que talvez tenham de revisar para baixo suas projeções. No
mercado, as taxas de prazo mais curto caíam no dia seguinte ao da decisão do
Comitê de Polícia Monetária (Copom).
O BC terá de ser mais explícito na ata da
reunião, que será divulgada na semana que vem. As expectativas para o IPCA
deste ano deram um grande salto, para 5,5% e em tendência de alta; para 2026,
são mais de 4%. Conta-se no máximo, portanto, com uma queda paulatina do
índice, mesmo com uma taxa real de juros de um ano próxima de 10% anuais.
Trata-se de um ambiente tenso.
Decerto houve valorização inesperada do real,
embora para um nível ainda ruim. É provável que o aumento do gasto federal seja
menor neste ano —mas a administração petista não se mostra disposta a um ajuste
que colabore para a missão do BC.
Por ora, não estão à vista choques
climáticos, e a safra de grãos deve ser recorde; não há no horizonte sinal de
pressões advindas dos preços de outras commodities; prevê-se
crescimento menor do Produto Interno Bruto (PIB).
Todos esses fatores devem ser colocados na
balança. É inescapável, de todo modo, que Galípolo inicia seu mandato sob
condições desfavoráveis e terá de deixar clara sua visão do cenário.
Nunes precisa entregar resultados na educação
de SP
Folha de S. Paulo
Maior metrópole do país tem taxas precárias
de aprendizagem; gestão privada e ensino integral podem melhorar indicadores
Dentre os desafios de Ricardo Nunes (MDB), prefeito
de São
Paulo, em seu segundo mandato está o aprendizado no ensino fundamental.
Afinal, é constrangedor que a maior metrópole
do país apresente maus resultados nessa etapa, ainda mais diante da situação
favorável do caixa da administração municipal —a receita no Orçamento deste ano
é de R$ 125,6 bilhões; quando Bruno Covas (PSDB) assumiu a
gestão anterior, em 2021, eram R$ 86,8 bilhões (corrigidos pela inflação).
Em entrevista à Folha, o secretário
de Educação,
Fernando Padula, mantido no cargo após a reeleição de Nunes, afirmou
que esse será o foco da pasta e se comprometeu a levar a gestão
privada para as 50 escolas mais vulneráveis da capital e universalizar o ensino
de tempo integral na pré-escola, que atende crianças de 4 e 5 anos, e nos 1º e
2º anos do ensino fundamental até o fim de 2028.
As medidas são bem-vindas porque já passa da
hora de a prefeitura mostrar avanços nos indicadores de aprendizagem.
Segundo levantamento do Ministério da
Educação, 37,9% dos estudantes de 7 anos de idade da rede paulistana estavam
alfabetizados em 2023. São Paulo ficou na vergonhosa 21ª posição entre as
capitais, bem abaixo da média nacional (56%). Fortaleza (74%), Curitiba (70,4%)
e Goiana (66,6%) conquistaram o topo do ranking.
Na avaliação mais recente do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2023, a
nota dos alunos nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) foi de
5,6 —ante 5,7 em 2021 e 6 em 2019. O
resultado foi novamente abaixo da média brasileira (5,7) e pior que o
de cidades bem mais pobres, como Teresina e Rio Branco,
ambas com 6,4.
A parceria público-privada indicada por
Padula pode contribuir para a eficiência na gestão das escolas, que precisam
ser selecionadas a partir de diagnósticos que atestem baixos índices de
aprendizagem e contexto socioeconômico mais vulnerável.
Sobre o ensino integral, estudo da USP divulgado
em 2024 mostra que, nas escolas estaduais de São Paulo que implantaram o
modelo, os estudantes do 5º e do 9º ano do ensino fundamental tiveram alta
de 35% na obtenção de conhecimento em matemática e de 26% em língua
portuguesa.
Problemas de aprendizado nas primeiras etapas
do ensino geram uma reação em cadeia nefasta por toda a vida acadêmica do
alunado, contribuindo para a repetência e a evasão escolar.
A prefeitura precisa aproveitar o caixa em ordem para tomar as rédeas da educação na capital e alcançar melhores indicadores.
Kassab não costuma dar ponto sem nó
O Estado de S. Paulo
Ao chamar Haddad de ‘fraco’ e dizer que Lula
perderia a eleição se fosse hoje, Kassab mostra uma aliança governista pouco
sólida e escancara a fragilidade do ministro da Fazenda
O presidente nacional do PSD, Gilberto
Kassab, fez uma avaliação duríssima sobre o governo do presidente Lula da Silva
e seu principal ministro, o titular da Fazenda, Fernando Haddad. Em um evento
para investidores em São Paulo, Kassab queixou-se da condução da política
econômica e disse que Haddad é um “ministro fraco”, que “não consegue se impor”
e tem “dificuldade de comandar”. Um ministro da Fazenda sem autoridade, afirmou
ele, é um “péssimo indicativo para o País”. Kassab também afirmou que, se a eleição
presidencial fosse hoje, Lula não seria reeleito, disse não enxergar
“articulação para reverter a piora no cenário” e lamentou não ver “nenhuma
marca boa, como teve Fernando Henrique Cardoso e Lula nos primeiros mandatos”.
E avisou: “Os partidos de centro estão criando uma alternativa para 2026”.
Nada do que disse escapa à constatação de
observadores políticos sobre o rarefeito cotidiano do governo, mas uma
avaliação como essa, vinda de um aliado habilidoso, que não costuma dar ponto
sem nó, traduz o adoecimento da gestão de Lula e seu horizonte cada vez mais
sombrio. Kassab não é o tipo de político que dá declarações improvisadas e
impensadas. Ao contrário, sabe como poucos andar entre cristais e costuma
calcular cada movimento. Foi nessa condição que se transformou num dos
políticos mais influentes do País. Seu partido elegeu o maior número de
prefeitos nas últimas eleições, e ele se equilibra magistralmente entre a
condição de aliado de Lula (o PSD tem três ministros na equipe do presidente),
secretário de Governo e Relações Institucionais do governo de São Paulo e
mentor do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Descontadas as eventuais motivações
partidárias da declaração, já que Kassab e o PSD têm um olho no incômodo com o
nível de participação no ministério e outro na viabilidade de 2026, o fato é
que um gesto como esse constitui um mau diagnóstico para Lula e Haddad. Emite
sinais de uma aliança governista pouco sólida e escancara a fragilidade do
ministro da Fazenda. Lula e Haddad, previsivelmente, minimizaram o peso das
declarações. Provocado horas depois por jornalistas, Haddad desconversou: “Não
li essa declaração. Não tomei conhecimento”. No dia seguinte, durante
entrevista coletiva convocada no Palácio do Planalto, Lula tratou o tema com
ironia e um calculado bom humor. “Comecei a rir”, disse, afirmando ter ficado
“despreocupado porque hoje não tem eleição”, e chamou Haddad de
“extraordinário”.
Trata-se de uma evidente marotagem. É verdade
que faltam 20 meses para a eleição, mas as disfuncionalidades governistas e,
como disse Kassab, a baixa perspectiva de mudança capaz de reverter a piora no
cenário inspiram prognósticos pessimistas, tanto para o lulopetismo quanto para
o País. Também é verdade que Haddad tem sido “extraordinário” – não para a
economia, mas para Lula e seus bajuladores. Nos primeiros dois anos,
cultivou-se a expectativa de que o ministro poderia ser o guardião da
sobriedade econômica ante o desprezo do lulopetismo pelo equilíbrio fiscal e
pelo controle da inflação. Esse otimismo ruiu. Desde o anúncio do pacote de
revisão de gastos do governo, ficou evidente que Haddad não conseguiu – e
provavelmente não conseguirá – conter o ímpeto eleitoreiro de Lula. Seu
enfraquecimento significa a vitória dos radicais do PT. E, como se sabe, quando
os radicais do PT vencem, é o Brasil que paga a conta.
A cada dia Lula e o PT deixam claro que
ignoram algo imprescindível num país de economia frágil e instável como o
Brasil: a necessidade de um ministro da Fazenda confiável, forte e com respaldo
do chefe. Kassab citou o caso dos ministros Pedro Malan (governo FHC), Antonio
Palocci (Lula 1) e Henrique Meirelles (governo Michel Temer). Poderia ter
citado também exemplos inversos, como Guido Mantega, fiel cumpridor de ordens
nos governos Lula 2 e Dilma 1, e Joaquim Levy, que no segundo mandato de Dilma
até tentou mudar o rumo, mas foi engolido pelas sabotagens do PT. Sempre que
presidentes tornaram seus ministros da Fazenda fracos, deixaram ruínas
econômicas para o País.
O espírito do lavajatismo ainda assombra
O Estado de S. Paulo
Vazamento de parte do depoimento de Mauro Cid
à PF lembra os piores momentos da Lava Jato. A exploração política de delações
sem provas mina os esforços por uma justa reparação penal
A Operação Lava Jato está enterrada no que
diz respeito a seus desdobramentos jurídico-penais. Se ainda havia dúvidas
quanto a isso, um vídeo publicado pelo notório Sérgio Cabral Filho há poucos
dias em uma rede social, sobre o qual já nos manifestamos (ver editorial Cabral
debocha do Brasil, 24/1/2025), decerto as dissipou por completo.
No entanto, perdida a oportunidade de impor a
uma pletora de criminosos confessos a justa reparação penal pelos males que
causaram, o País teria muito a ganhar do ponto de vista institucional se ao
menos as lições deixadas pela Lava Jato, em particular pelos erros cometidos
por órgãos estatais e até pela imprensa, tivessem sido mais bem assimiladas.
Não parece ser o caso. A Lava Jato pode estar morta, mas o espírito do
lavajatismo ainda assombra o País.
Há poucos dias, veio a público o conteúdo do
primeiro depoimento prestado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de
ordens de Jair Bolsonaro, no âmbito do acordo de colaboração premiada que o
militar firmou com a Polícia Federal (PF). Informações divulgadas pelo
jornalista Elio Gaspari nos jornais O Globo e Folha de S.Paulo dão
conta de que Cid contou à PF que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e a
ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro teriam integrado a “ala mais radical” que
supostamente incentivou o então presidente da República a dar um golpe armado
para impedir a posse de Lula da Silva.
Embora gravíssima, a acusação feita por Cid e
vazada à imprensa veio desacompanhada de provas, razão pela qual nem Eduardo
nem Michelle Bolsonaro figuram no rol de indiciados pela suposta sedição. Isso
mostra, em primeiro lugar, que a PF parece ter trilhado um bom caminho
investigativo, afinal, a chamada “delação premiada”, à luz da Lei 12.850/2013,
é apenas um meio de obtenção de prova, não tendo o condão de, por si só, provar
coisa alguma. Por outro lado, o vazamento lança luz para a instrumentalização
política de inquéritos policiais, que, por óbvio, devem ser orientados única e
exclusivamente por imperativos legais e pela boa técnica policial.
Somado à falta de substância probatória, o
momento da divulgação do teor do depoimento de Mauro Cid – o primeiro dos mais
de dez que o militar já prestou à PF e ao Supremo Tribunal Federal (STF) de
agosto de 2023 até agora – autoriza a suspeita de que a investigação dos fatos
narrados por ele pode estar sendo explorada politicamente, tal como foram
exploradas muitas delações firmadas durante a Lava Jato, calculadamente vazadas
em nome de interesses para lá de obscuros.
Eduardo e Michelle Bolsonaro passam por uma
fase de súbita notoriedade desde que ambos foram aventados como possíveis
candidatos à Presidência em 2026. O presidente Lula da Silva, ao contrário,
atravessa seu pior momento neste terceiro mandato, assistindo a seus índices de
aprovação e popularidade despencarem em regiões e estratos sociais nos quais o
petista outrora nadava de braçada.
Manifestações públicas do diretor da PF,
Andrei Passos, e de ministros do STF, como o presidente da Corte, Luís Roberto
Barroso, e o decano, Gilmar Mendes, só alimentam especulações perigosas. Passos
tem abusado de entrevistas nas quais, entre outras impertinências, tece
considerações a respeito dos casos que a PF investiga. Barroso e Mendes, por
sua vez, não raro comentam o caso, como se não fossem julgá-lo mais adiante.
Recentemente, Barroso afirmou que pautará o julgamento dos acusados da trama
golpista “imediatamente” após a produção de provas. Mendes, outro ministro que
não se contenta em falar somente nos autos, afirmou que espera julgar o caso
“ainda em 2025”, de modo a “evitar tumultos em 2026”, ano eleitoral, como se o
tempo da Justiça tivesse de se submeter ao tempo da política.
É de interesse nacional que o processo contra
os acusados de tentar impedir a posse do presidente legitimamente eleito em
2022 seja imaculado. Só assim todos os que vierem a ser condenados com base em
provas por sua participação na intentona poderão pagar duramente pelos crimes
que cometeram contra o Estado Democrático de Direito. É dever do STF agir com
imparcialidade para que uma audácia deste jaez nunca mais seja cogitada no
País.
A trégua marota de Lula ao BC
O Estado de S. Paulo
Petista engole alta de juros no BC dirigido
por seu apadrinhado, mas diz ter ‘certeza’ de que taxa vai cair
Como esperado, o Comitê de Política Monetária
(Copom) seguiu a orientação dada na reunião de dezembro último e aumentou a
taxa básica de juros em 1 ponto porcentual, para 13,25% ao ano. Unânime e sem
surpresas, a decisão levou a Selic ao maior nível desde setembro de 2023.
Desta vez, foram poucas as vozes dispostas a
criticar o Banco Central (BC). O tom foi dado por Lula da Silva, para quem o
presidente do BC, Gabriel Galípolo, não poderia dar “um cavalo de pau em um mar
revolto de uma hora para outra”. “Já estava praticamente demarcada a
necessidade de subida de juros pelo outro presidente”, afirmou.
A rara trégua dada ao Copom só ocorreu
porque, na versão petista, ainda é possível atribuir toda a culpa a Roberto
Campos Neto. “Nós temos que ter paciência. Eu tenho 100% de confiança no
trabalho do presidente do Banco Central e tenho certeza de que ele vai criar as
condições para entregar ao povo brasileiro uma taxa de juros menor no tempo em
que a política permitir que ele faça”, afirmou Lula da Silva.
Em tempos de tanta instabilidade, o
armistício é positivo. Como disse o comunicado divulgado pelo Copom após a
reunião, o ambiente externo continua desafiador, há dúvidas sobre qual será o
ritmo de desaceleração da economia norte-americana e os bancos centrais das
principais economias do mundo ainda lutam para conduzir a inflação à meta em
meio a um mercado de trabalho pressionado.
Não é diferente no Brasil. A taxa de
desemprego segue baixa, as projeções para a inflação estão acima da meta para
este ano e 2026 e ainda subiram nas últimas semanas e a percepção dos
investidores sobre a política fiscal e a trajetória da dívida continua a causar
impactos relevantes nos preços dos ativos e nas expectativas.
Se o Copom cumprir a rota indicada, haverá ao
menos mais uma elevação de 1 ponto porcentual e a Selic irá a 14,25% ao ano em
março, o maior nível desde o fim de 2016. Depois disso, o caminho está em
aberto, o que é até compreensível em um momento de tantas incertezas e o
retorno de Donald Trump à Casa Branca. Na conjuntura atual, os três meses até a
reunião do Copom marcada para os dias 6 e 7 de maio parecem uma eternidade para
sinalizar algo mais firme.
A desaceleração econômica ainda parece
incipiente, mas já entrou no rol de preocupações do BC. O recuo do câmbio nos
últimos dias pode ajudar a arrefecer o aumento dos preços dos alimentos,
enquanto os serviços devem continuar pressionados. Parte do mercado aposta em
uma Selic a 15% ao ano em maio, mas a última vez em que a taxa esteve neste
patamar foi em 2006, e nem esse nível seria capaz, hoje, de conduzir a inflação
ao centro da meta, de 3%.
Tantas dúvidas no cenário econômico poderiam ser parcialmente dissipadas se o governo estivesse disposto a ajudar a autoridade monetária com uma política fiscal mais austera. Sobre isso, no entanto, Lula da Silva não poderia ter sido mais claro e declarou que, a depender dele, não haverá novas medidas para cortar gastos. Como o BC lidará com esse cenário ainda é uma incógnita, mas, até maio, a instituição poderá contar com a condescendência do presidente da República.
Juros e inflação em alta: ameaças para a
economia
Correio Braziliense
A elevação dos juros a patamares praticados
há 20 anos vai desacelerar ou até mesmo frear a economia, com impacto sobre a
arrecadação de impostos, agravando a necessidade de corte de gastos
A decisão do Comitê de Política Monetária
(Copom) de elevar a taxa básica de juros da economia em um ponto percentual não
será suficiente para conter a inflação no curto prazo, mas terá efeito imediato
sobre os investimentos produtivos. Isso porque o ajuste na Selic, adotado de
forma unânime, chega no momento em que os preços dos combustíveis estão sendo
reajustados e vão pressionar os preços para os consumidores. A pressão dos
combustíveis e dos alimentos deve aumentar as projeções de inflação para este
ano. O último Relatório Focus do Banco Central (BC) mostra que o mercado
financeiro subiu de 5,08% para 5,50% a projeção para o Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o que vai estourar o teto da meta para este
ano, que é de 3%, com tolerância de 1,5 ponto para mais (4,5%) ou para menos
(1,5%).
Com esse cenário e o provável aumento no
valor do diesel pela Petrobras, o trabalho do BC praticamente não terá efeito
sobre o controle de preços no curto prazo e será necessária nova alta na taxa
básica para ver a efetividade da escalada dos juros no combate à inflação,
deixando em aberto a possibilidade de um terceiro aumento em 2025, com a taxa
chegando a mais de 15% ao ano, no maior patamar em quase 20 anos. Ainda assim,
caso os preços não cedam, os diretores do BC terão que puxar os juros mais ainda,
o que será mortal para o PIB, cujas projeções devem começar a ser reduzidas nos
próximos dias.
Esse ciclo vicioso poderia ser amenizado com
uma decisão mais firme do governo federal, no sentido de buscar corte de gastos
que sinalizem equilíbrio nas contas públicas, que serão fortemente afetadas com
a alta da Selic. No comunicado após a decisão, o Copom ressalta que acompanha
com atenção os aspectos da política fiscal que impactam a política monetária e
os ativos financeiros, considerando que a percepção dos agentes econômicos
sobre a questão fiscal e a sustentabilidade da dívida segue pesando de forma
relevante sobre os preços dos ativos, o que indica que, além dos preços dos
alimentos, o regime fiscal também influencia na inflação.
Esse é um quadro que tende a se perpetuar e
obrigar o BC a elevar mais vezes a taxa de juros, sufocando a economia e
afetando a capacidade de pagamento das famílias brasileiras. E, nesse caso,
ajuda pouco o governo e partidos da base atacarem o aumento de juros, eximindo
a responsabilidade do atual presidente da autoridade monetária, Gabriel
Galípolo. Menos ainda o governo ficar batendo cabeça e gastando tempo em
encontrar uma forma de reduzir os preços dos alimentos.
Mais do que buscar soluções mirabolantes para
reduzir preços, o governo precisa buscar formas de equilibrar as contas
públicas. O presidente resiste em cortar gastos sociais. Então, é preciso que
determine outras ações que possam surtir efeito sobre as contas públicas, como
combate efetivo à sonegação de impostos, que, apenas neste primeiro mês do ano,
soma quase R$ 50 bilhões. Dinheiro que deixa de ser arrecadado por ineficiência
da máquina pública.
Sem um ajuste do governo nas contas públicas, a tarefa do BC no combate à inflação pode ser como enxugar gelo. E, nesse caso, a elevação dos juros a patamares praticados há 20 anos vai desacelerar ou até mesmo frear a economia, com impacto sobre a arrecadação de impostos, agravando a necessidade de corte de gastos. Caso não atue agora para equacionar as contas públicas, sinalizando para o mercado medidas que efetivamente tragam confiança aos investidores, o governo pode ser forçado no futuro a realizar o corte mais drástico, sob pena de a economia caminhar para crescimentos mais baixos ou mesmo uma recessão.
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