Valor Econômico
Na carona que tentaram pegar na candidatura e
na eleição do americano, Bolsonaro e o bolsonarismo caíram numa armadilha
O teatro de comédia que se desenrolou quanto
ao papel de brasileiros na posse de Donald Trump cumpriu funções reveladoras do
muito menos do que para ele são Bolsonaro e os bolsonaristas.
Uma das revelações é a de que Bolsonaro não é
o Trump brasileiro, é apenas pretensão de ser. Com a mudança política nos EUA,
sendo Trump mediação involuntária do imaginário do bolsonarismo, os Bolsonaros
vão se descobrir desconstruídos e revelados pela dialética do que é uma trama
de irracionalidades e reciprocidades visíveis e invisíveis. E com eles o
bolsonarismo, os cúmplices e coadjuvantes, os sabidos e os ingênuos, os que o
integram, civis e militares.
Tanto Trump quanto Bolsonaro consideram-se absolutos. Trump entende que Deus é servo do poder que ele ocupa. Bolsonaro, como se viu em ato supostamente religioso, de que foi protagonista sua esposa que declarou ser a cadeira presidencial de Deus e que Deus designara o marido para ocupá-la.
Na carona que tentaram pegar na candidatura e
na eleição do americano, Bolsonaro e o bolsonarismo caíram numa armadilha que
revelou serem reles contrafação local de Trump. E do que a eleição de Trump
significa nesta realidade política de fim da era clássica do capitalismo.
Agoniza o empresário schumpeteriano, criativo. Nasce a era do negocismo e do
rentismo ancorados na alta tecnologia.
As personagens decisivas desse sistema
econômico que está nascendo, pobre de autenticidade, tendem a ser protagonistas
políticos vicários, de alguém como outro que é imaginário, como Bolsonaro em
relação a Trump.
O primeiro não repete o segundo sem que o
segundo o saiba senão como faz de conta, expressão de sua alienação política e
de sua falsa consciência. No entanto, Bolsonaro, sociologicamente, não terá
como não expressar as contradições, irracionalidades sociais e anomalias
personificadas por Trump.
Ao analisar o golpe de Estado de 1851, na
França, que levou Luís Bonaparte ao poder, como Napoleão III, o sociólogo Karl
Marx concluiu que a história acontece como tragédia e se repete como farsa. Na
relação entre Bolsonaro e Trump, que se expressou na não confirmação do alegado
convite aos Bolsonaros e aos bolsonaristas para a cerimônia de sua posse,
Bolsonaro descobriu-se como apenas a farsa.
Ele não tem competência para ser cópia de
Trump. O desespero dele e da família para se infiltrarem como penetras e
coadjuvantes da posse do presidente americano explica-se por essa busca e
carência de indícios explícitos de subalternidade por proximidade. É a
concepção que eles têm do Brasil.
Por essa fantasia ele se julga figura da
direita internacional da Turquia, da Argentina, da Itália e dos EUA. A resposta
devastadora de Trump numa entrevista a uma jornalista brasileira, de que os EUA
precisam menos do Brasil do que o Brasil dos Estados Unidos, acaba com sua
suposta cumplicidade em relação ao político brasileiro.
A revelação mais importante do episódio da
posse do americano foi o discurso programático de Trump. O novo governo terá
como objetivo minimizar a democracia americana, questionando a legitimidade das
instituições para aumentar o poder pessoal do governante. Não o poder da lei,
mas o poder da bravata.
O discurso é um elenco de iniquidades que
expressam o extremismo reacionário da relativa maioria do povo americano que
nele votou. Trump está sobrepondo a bravata à legitimidade de seu mandato. Nos
EUA o presidente tem um enorme poder porque é um servo das instituições e da
pluralidade de vontades e valores da sociedade. Aqui, Bolsonaro se julga um
poder contra as instituições e a sociedade.
Horas depois do discurso, a democracia
americana manifestou sua vitalidade e a vitalidade de suas instituições e
tradições.
Em cerimônia ecumênica na Saint John’s
Episcopal Church, em Washington, a que estiveram presentes o presidente, o
vice-presidente e outras autoridades, os que pouco antes haviam aplaudido o
discurso reacionário e ameaçador, a celebrante, a episcopisa Mariann Edgar
Budde, disse em seu sermão: “Em nome do nosso Deus, peço-lhe que tenha
misericórdia das pessoas em nosso país que estão assustadas. Há crianças, há
gays, há lésbicas e há transgêneros em famílias democratas, republicanas e
independentes, que temem por suas vidas”.
Nos EUA, pelo menos 90% da população vai à
igreja nos fins de semana. Antes mesmo da cerimônia religiosa, 22 estados
americanos já haviam ido à Justiça contra o ato presidencial que nega o direito
à cidadania americana aos filhos de imigrantes nascidos no país. A Justiça já
acatou o apelo. A religiosa detalhou o quanto a sociedade americana depende dos
imigrantes. Sem os estrangeiros, a sociedade americana não teria condições de
existir.
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