Abandonar política de biocombustíveis seria retrocesso
O Globo
Projeto de Lei para deixar de acrescentar
etanol à gasolina e biodiesel ao diesel não pode prosperar
Não tem cabimento o Projeto de Lei do
deputado Marcos Pollon (PL-MS) para permitir a venda de gasolina sem adição de
etanol e de diesel sem acréscimo de biodiesel. É também descabido o pedido do
Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e
de Lubrificantes (Sindicom) à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) para suspender por 90 dias a adição obrigatória de
biodiesel ao diesel. A inserção de biocombustíveis na matriz de transportes foi
um êxito raro do Brasil, com enormes reflexos positivos em índices de saúde
pública e redução na emissão dos gases que provocam o aquecimento global.
Dificuldades conjunturais não podem servir de pretexto para retrocesso em
avanços duramente conquistados.
As causas da ofensiva aos biocombustíveis são econômicas. O custo do biodiesel está atrelado ao da soja, usada em sua produção. Embora a fração misturada no diesel seja pequena (14%), a alta na cotação da soja pressiona o preço do diesel nos postos. Há, portanto, preocupação legítima com o impacto inflacionário. Por isso, no mês passado, o Ministério de Minas e Energia decidiu manter inalterado o percentual de biodiesel no diesel, enquanto, pela Lei do Combustível do Futuro, ele deveria crescer 1 ponto percentual ao ano até chegar a 20% em 2030. A justificativa foi o temor de que a demanda por soja elevasse os preços e tivesse impacto negativo na inflação.
Embora indesejáveis, esses pequenos ajustes
podem ser corrigidos mais à frente. As mudanças defendidas no Projeto de Lei e
pelo Sindicom estão, porém, noutra categoria. Representam uma ameaça à política
de biocombustíveis. O sindicato se diz preocupado com fraudes. Elas estão por
toda a parte, é verdade. Se a legislação fosse seguida à risca, o Brasil
deveria ter produzido 100 mil metros cúbicos de biodiesel a mais em janeiro. O
descasamento entre as produções de diesel e biodiesel expõe as irregularidades na
mistura, comprovadas por pesquisas em postos de combustíveis. No Rio, um
revendedor consegue vender 1 litro do diesel com 31 centavos de desconto sem
acrescentar o biodiesel.
Embora a situação seja grave, suspender a
mistura por 90 dias não resolve o problema. No país em que o provisório se
torna perpétuo, seria um erro. Congresso e ANP devem barrar tais iniciativas e,
ao mesmo tempo, tratar de melhorar os mecanismos de fiscalização em postos e
distribuidoras. Do contrário, haverá outros prejuízos. Com a redução dos
poluentes propiciada pela adição de 10% de biodiesel ao diesel, foram evitadas
244 mortes somente na Região Metropolitana de São Paulo em 2018, estimou estudo
da Empresa de Pesquisa Energética. A mudança na composição do combustível
contribuiu para acréscimo de nove dias na expectativa de vida da população.
No Brasil, o setor de energia é o terceiro
que mais emite gases de efeito estufa, atrás de desmatamento e agropecuária —
quase metade tem como fonte os transportes. Em 2023, os veículos queimaram
diesel e gasolina como nunca, segundo o Balanço Energético Nacional. Mitigar as
emissões é fundamental para o Brasil cumprir compromissos assumidos em acordos
internacionais. Tentativas de desmontar a política de biocombustíveis são
sempre um retrocesso. No ano em que o Brasil hospedará um encontro decisivo da ONU
sobre aquecimento global, a COP30, também é uma vergonha.
Justiça erra ao barrar concessão da gestão de
escolas em São Paulo
O Globo
Argumentos usados para interromper programa
do governo Tarcísio não param de pé
Governos precisam ter autonomia para decidir
sobre políticas públicas. Para isso foram eleitos, com base nos programas
apresentados na campanha eleitoral e chancelados pelo voto. Portanto não faz
sentido a decisão do juiz Luis Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara de Fazenda
Pública de São
Paulo, que invalidou dois leilões realizados em 2024 pelo governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos) para conceder à iniciativa privada a
construção e a manutenção de 33 escolas.
Não que tenha havido irregularidades. Os
argumentos são outros. Para o magistrado, “as possibilidades de deliberar de
modo colegiado e participativo por todos os atores envolvidos na educação não
podem ser subtraídas da comunidade escolar, com a transferência a uma empresa
privada”. Ele sustenta também que não é possível dissociar o espaço físico da
atividade pedagógica e afirma ser dever do Estado promover “gestão democrática”
envolvendo a comunidade escolar. No ano passado, o mesmo juiz suspendera os
leilões ao analisar ação do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do
Estado de São Paulo (Apeoesp). A suspensão foi derrubada pelo presidente do
Tribunal de Justiça, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia.
No primeiro leilão, foram concedidas 17
escolas. No segundo, 16. O plano é expandir o programa, transferindo a gestão
de outros 143 estabelecimentos à iniciativa privada. O governo tem dito que,
embora o modelo cívico-militar dessas escolas seja diferente, elas seguirão o
currículo da Secretaria de Educação. A parte pedagógica continuará sob controle
do estado, bem como contratação e formação de professores. A iniciativa privada
ficará encarregada apenas da construção dos prédios e de sua manutenção. Não há,
portanto, motivo algum para tanto estardalhaço.
Pode-se argumentar que as escolas
cívico-militares, incensadas durante o governo Jair Bolsonaro, não são um bom
modelo para o país — e não são mesmo. Mas havia em 2024 pelo menos 569
estabelecimentos do tipo em 16 unidades da Federação. Não está em jogo, porém,
o projeto pedagógico, e sim a concessão de atividades administrativas das
escolas públicas à iniciativa privada e o direito do governador de tomar as
decisões que julgar adequadas.
Não importa se a escola é mantida pelo
governo ou pela iniciativa privada, mas sim se é bem gerida. A concessão a
empresas não significa interferência no ensino. O próprio Ministério Público
reconheceu que a concessão “visa à eficiência na gestão pública, sem que haja
violação aos princípios constitucionais”. Haverá, diz o governo, economia de R$
2,1 bilhões na construção de 33 escolas. Não se pode impedir um governo de
buscar eficiência na gestão.
A Justiça não deveria se intrometer na gestão da educação. Quem deve decidir são o governador e seu secretário de Educação. A decisão cria também insegurança jurídica, uma vez que as empresas não sabem se poderão cumprir os contratos. Por isso a anulação dos certames precisa ser revista. Por mais que o plano pedagógico do programa de Tarcísio desperte controvérsia, ele deve seguir seu curso normal.
Brasil negocia cotas para driblar tarifas de
Trump
Valor Econômico
Com Trump, tarifas visam simplesmente a
barrar a entrada de produtos estrangeiros, com o intuito de forçar os
exportadores a produzirem em solo americano. Não faz sentido e não vai dar
certo
Aço e alumínio são alvos preferenciais
intermitentes dos Estados Unidos em suas relações comerciais com o Brasil. Com
Donald Trump no comando da maior economia do mundo, não foi diferente, embora a
sanção aplicada tenha sido drástica - 25% de tarifa de importação - e
generalizada, envolvendo todos os principais fornecedores desses produtos.
Antes de Trump, medidas dessa natureza visavam a proteger a produção doméstica
de exportadores competitivos, agressivos e/ou altamente subsidiados. Com Trump,
visam simplesmente a barrar a entrada de produtos estrangeiros, com o intuito
de forçar os exportadores a produzirem em solo americano. Não faz sentido e não
vai dar certo.
Os EUA produzem cerca de 90 milhões de
toneladas de aço e importam de 20% a 25% do consumo doméstico. A indústria
siderúrgica do país deixou de ser competitiva, e, com o aumento drástico dos
preços dos importados, não conseguirá suprir localmente a demanda. O país terá
caminho livre para aumentar seus preços até o limite da tarifa, com a qual
pretende manter os competidores em desvantagem. O Brasil foi em 2024 o segundo
maior exportador de aços semiacabados para os EUA, com 4,1 milhões de
toneladas, com receita de US$ 4,67 bilhões. O maior fornecedor americano, o
Canadá, vendeu 6 milhões de toneladas no ano passado.
Isoladamente, os efeitos da tarifa americana
sobre esses produtos não são muito relevantes, embora ela atinja fortemente os
produtores brasileiros. Segundo cálculos do Ipea, o Brasil pode deixar de
faturar com a barreira tarifária US$ 1,5 bilhão. As exportações totais do país
cairiam 0,03%, e o PIB, 0,01%. Não se trata só de perdas e danos, mas, como
qualificou o governo brasileiro, de medida “injustificada e equivocada”, tomada
unilateralmente por um tradicional parceiro comercial brasileiro.
O Brasil, corretamente, resolveu adiar
reações ao início da vigência de restrições, na quarta-feira, e apostar na via
da negociação. A melhor linha de resistência foi a defesa de cotas, com a qual
o aço brasileiro garantiu, livre de tarifas, vendas de 3,5 milhões de toneladas
de aços semiacabados e 687 mil toneladas de aços laminados, em 2018, no
primeiro mandato de Trump. A cota seria um meio termo aceitável, pois
permitiria aos EUA dosar com precisão as fatias de importações necessárias que
não poderiam ser atendidas pela oferta doméstica.
Ao estabelecer a mesma sanção para todos os
grandes exportadores, Trump poderá escolher quem serão seus fornecedores
favoritos. Não está claro, talvez nem para o próprio Trump, como fazer isso.
Acordo comercial como o que tem com o Canadá e o México daria a resposta
natural, mas o presidente americano só o respeita quando lhe convém. O fato de
os EUA terem superávit comercial com o Brasil seria, em tese, uma vantagem
brasileira no caso.
Mas a guerra comercial está apenas começando,
e a sequência prometida para abril pode trazer dissabores ainda maiores ao
Brasil. Trump promete “reciprocidade” no tratamento a parceiros comerciais -
mesmas tarifas aplicadas pelos EUA que as incidentes sobre importações
americanas nos países exportadores. Como a tarifa média americana é uma das
menores do mundo, pouco mais de 3%, e a do Brasil, uma das maiores (quase 13%),
há espaço para perda de competitividade generalizada da pauta brasileira, se a
medida for aplicada. Uma ressalva: apesar de a tarifa média nominal do Brasil
ser alta, se olhada a tarifa efetivamente praticada sobre as importações
americanas, ela é de 2,7%, segundo a Amcham.
Por outro motivo - a lei antidesmatamento
europeia -, o PL 2088/23, com substitutivo da relatora, a senadora Tereza
Cristina (PP), ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro, pegou carona na
guerra tarifária de Trump e ganhou agilidade no Senado. Patrocinado pela
bancada ruralista, o texto original exigia que países exportadores para o
Brasil tivessem de cumprir padrões ambientais equivalentes aos brasileiros, no
caso de imposição de “restrições ambientais, de qualquer ordem, ao comércio
internacional”.
Tereza Cristina argumentou, com razão, que
tal tratamento equivalia ao que a UE estava dispensando aos demais países com
sua legislação “protecionista”. O conserto proposto é menos esdrúxulo e mais
punitivo. Estabelece a possibilidade de suspensão de “concessões comerciais,
investimentos e direitos de propriedade intelectual de países que imponham
restrições ambientais unilaterais”. A lei seria aplicada quando outros países
interferissem “nas escolhas legítimas e soberanas do Brasil” por medidas
comerciais unilaterais e quando estas tivessem por base requisitos ambientais
“mais onerosos do que os parâmetros, normas e padrões de proteção ambiental
adotados pelo Brasil”. Não é muito diferente do que Trump está fazendo com seus
parceiros comerciais.
O Brasil já tem sistemas de defesa comercial,
que sempre podem ser aperfeiçoados, mas o projeto de lei como está, além de
sacramentar o pífio padrão de cumprimento das normas ambientais vigentes como
norma de comércio com outros países, ainda retira a flexibilidade existente
para se negociar disputas comerciais. É dispensável para um país que sempre foi
muito protecionista.
Maré de impopularidade precoce assedia Trump
Folha de S. Paulo
Reversão do otimismo com o presidente reflete
os custos de seu ativismo disruptivo, que ameaçam a renda dos americanos
Os primeiros 50 dias do segundo mandato
de Donald
Trump foram marcados por intensa atividade disruptiva do chefe do
governo dos Estados
Unidos. Em pouco tempo abriram-se tantas frentes de controvérsia que as
repercussões negativas, para o presidente e seu país, não tardaram a aparecer.
O
otimismo nos mercados que precedeu a posse do republicano foi revertido assim
que ficou clara a resultante inflacionária e contracionista das suas medidas.
Hoje os investidores passaram a prever desaceleração —alguns vislumbram até
recessão— na maior economia do
planeta.
Não é para menos. O choque de custos embutido
nos anúncios
de elevação abrupta de impostos de importação castiga empresas e
consumidores norte-americanos que compram produtos estrangeiros. Os preços
domésticos do aço, apenas um dos muitos bens atingidos pela metralhadora
tarifária de Trump, dispararam.
Se os anúncios forem concretizados, cadeias
inteiras de suprimento que dependem de transações transfronteiriças serão
atingidas, bagunçando produção, transporte e distribuição de mercadorias com
sequelas que implicarão carestia e desemprego.
Mesmo se a catadupa de ameaças comerciais do
presidente norte-americano ao final se mostrar menos gravosa do que o
inicialmente alardeado, a mera incerteza disseminada por esse método
irresponsável de lidar com as expectativas de agentes econômicos já terá
produzido estragos.
No front político as sequelas do frêmito
mudancista que começam a aparecer tampouco parecem pequenas. A anomalia de
investir o empresário Elon Musk de
um poder
ao mesmo tempo ubíquo e informal na administração federal vai
produzindo desgaste.
Numa república de bananas, a figura do amigo
do rei que toca seus negócios privados enquanto manda e desmanda no governo com
o qual mantém contratos talvez passasse como algo normal. Não numa democracia
sólida de mais de 230 anos, como os EUA.
O Judiciário independente continua a bloquear
e a reverter ordens ilegais ou inconstitucionais da Casa Branca. Trump já
perdeu inclusive na Suprema Corte, apesar da inclinação conservadora da maioria
do tribunal.
Somadas as tribulações na política e na
economia causadas pelo ativismo trumpista, não espanta que uma maré precoce de
impopularidade assedie o líder recém-empossado. O índice de quem desaprova o
mandatário passou a superar o dos que o endossam num reputado agregador de
pesquisas de opinião pública.
Trump, vale lembrar, não tem direito à
reeleição pela regra constitucional dos EUA. Se continuar na toada de ameaçar a
renda dos cidadãos e de desafiar o sistema de freios e contrapesos do país,
correrá mais riscos de perder a tênue maioria no Congresso no pleito do ano que
vem.
A perspectiva de uma segunda metade de
mandato melancólica talvez estimule o vaidoso presidente a mudar logo de
atitude.
PGR oferece ao Supremo chance de reparar erro
de Toffoli
Folha de S. Paulo
Paulo Gonet pede que ministro do STF reveja
sua decisão de anular os atos da Operação Lava Jato contra Antonio Palocci
O procurador-geral da República, Paulo Gonet,
mostra-se atento ao seu papel institucional ao pedir para o ministro Dias Toffoli,
do Supremo Tribunal Federal (STF), rever
sua decisão de anular todos os atos da Operação
Lava Jato contra Antonio
Palocci.
Na visão do magistrado, o ex-ministro dos
petistas Luiz Inácio Lula da Silva
e Dilma
Rousseff merece o mesmo benefício dado a Marcelo Odebrecht —o
empresário conseguiu do próprio Toffoli a anulação de seu processo devido a
irregularidades na força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
Gonet bem que reconhece excessos cometidos
sob a batuta do ex-juiz federal Sergio Moro,
hoje senador pelo União Brasil paranaense, e do ex-procurador Deltan
Dallagnol na condução de investigações e julgamentos.
Mas daí não decorre que tudo seja imprestável
no âmbito da operação. O Ministério
Público, diz Gonet, visa impedir que provas livres de vícios sejam
indevidamente suprimidas do mundo jurídico —em termos populares, ele quer
evitar que se jogue fora o bebê junto com a água do banho.
Tendo se manifestado contra a canetada em
prol de Odebrecht, o PGR agora
elenca diversos motivos para adotar a mesma postura diante do caso de Palocci.
"O pleito formulado não se sustenta em
vícios processuais concretos ou na ausência de justa causa, mas na pretensão de
se desvincular de um acervo probatório autônomo, válido e robusto, cuja
existência, em parte, foi por ele próprio reconhecida em sua colaboração
premiada", afirma Gonet, e é difícil tirar-lhe razão.
Basta lembrar que Toffoli, ex-advogado
do PT,
manteve válida a delação de Palocci —donde se supõe veraz o conteúdo do acordo.
"Nos 23 termos de depoimento prestados à autoridade policial", diz o
PGR, "[ele] confirmou a prática de crimes no âmbito do Poder Executivo
Federal, detalhando esquemas ilícitos."
Aos olhos do ministro, porém, são
irrelevantes os argumentos lógicos e os elementos probatórios colhidos
na investigação. Suas decisões heterodoxas guiam-se por outras coordenadas
—embora não esteja claro quais são elas.
O que se sabe é que partiram de Toffoli
ordens pouco usuais em benefício da Odebrecht e da J&F, companhia
que teve a esposa do magistrado como advogada em um litígio empresarial.
Com tal retrospecto, pode-se imaginar que Toffoli dará pouca importância ao recurso de Gonet. Mas seus colegas de corte, que também examinarão o caso, não precisam se associar a esse histórico; eles podem —e devem— corrigir o erro.
O mundo arcaico de Lula
O Estado de S. Paulo
Presidente diz que escalou uma ‘mulher
bonita’ para melhorar a relação com o Congresso, dando nova prova de que não
compreende o mundo atual, em que o machismo é inaceitável
Há uma ampla oferta de explicações para as
agruras do presidente Lula da Silva, que vai mal das pernas nas pesquisas de
popularidade. Uma delas é mais imediata: os preços nos supermercados não param
de subir. A inflação está alta, mas longe do que os brasileiros viram nas
décadas de 1980 e 1990. Então, talvez seja o caso de buscar respostas em outro
lugar: Lula está desgastado porque representa um mundo que não existe mais.
No mundo de Lula, por exemplo, havia algo a
que se dava o nome de “classe trabalhadora”, cuja língua o ex-líder sindical
falava com fluência. Hoje, essa classe acabou, e Lula não sabe falar o dialeto
dos novos trabalhadores, que dispensam os sindicatos e exibem ares de
empreendedores. Do mesmo modo, no mundo de Lula os homens sentiam-se à vontade
para fazer publicamente piadas machistas, já que as mulheres ainda não haviam
conquistado espaços e direitos. Hoje, sugerir que uma mulher chegou a um lugar
de poder só porque é “bonita”, e não por sua capacidade, é simplesmente
inadmissível.
Pois foi exatamente o que Lula fez anteontem,
ao dizer que colocou uma “mulher bonita” para melhorar as relações do governo
com o Congresso, numa referência à nomeação de Gleisi Hoffmann para ser
ministra da Secretaria de Relações Institucionais. O presidente fazia mesuras
aos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Motta,
prometendo-lhes proximidade e acesso, e escolheu um argumento assombroso. “Uma
coisa que eu quero mudar é estabelecer uma relação com vocês, por isso eu
coloquei essa mulher bonita para ser ministra de Relações Institucionais”,
disse-lhes Lula.
Não faltaram ofertas de socorro ao demiurgo
petista, inclusive da própria ministra ofendida, que defendeu o chefe e mirou
em seus críticos bolsonaristas, buscando diferenciar Lula do antecessor, Jair
Bolsonaro – outro machista convicto. Houve quem tentasse explicar o machismo
presidencial como mera gafe, gerada por uma fala de improviso, ou como parte da
retórica de botequim associada a um incorrigível machismo geracional, sem
grandes consequências.
O esforço para livrar a cara de Lula é
comovente, mas, a esta altura, debalde. Já são tantos os “deslizes” e “gafes”
de Lula a respeito de mulheres que não é possível mais deixar de enxergar ali
um padrão. Para ficar só nos casos mais recentes, Lula já disse ser “amante da
democracia”, assim justificando a condição: “Amantes são mais apaixonados pela
amante do que pelas mulheres”. Também já disse que “depois do jogo de futebol
aumenta a violência contra a mulher”, mas, “se o cara é corintiano, tudo bem”.
A uma mãe de cinco filhos, perguntou: “Quando vai fechar a porteira,
companheira?”.
Gestos valem mais do que palavras, argumentou
Gleisi Hoffmann na defesa que fez do presidente. De fato, foi ele quem escolheu
a primeira mulher presidente do Brasil, fez de Gleisi presidente do PT e, mais
recentemente, indicou a primeira mulher a presidir o Superior Tribunal Militar.
Mas isso não atenua o fato de que palavras, sobretudo quando proferidas de
forma espontânea e, portanto, autêntica, dizem muito mais sobre a visão e a
conduta de quem as expressa do que gestos simbólicos e meticulosamente calculados,
como quando Lula tomou posse, em janeiro: ali o petista recebeu a faixa
presidencial de pessoas escolhidas para representar a diversidade brasileira e,
no discurso que leu, prometeu convocar o País a um “mutirão contra a
desigualdade”.
Acreditou quem costuma interpretar a
parolagem lulista como revelação mística. Promessa de tamanha hipérbole, além
dos novos tempos que Lula não viu chegar e com os quais não parece conseguir
aprender, exigiria mais do que o presidente faz e diz – algo que, como se
observa, Lula, com toda a sua aura de grande prestidigitador político, não tem
condições de entregar. Não haverá marketing eleitoral capaz de modernizar a
imagem e catapultar a popularidade de um político que se mostra tão
profundamente ignorante do mundo atual.
É hora de acabar com o Perse
O Estado de S. Paulo
Anos após o auge da pandemia de covid-19, o
setor de eventos não precisa mais de socorro financeiro para sobreviver.
Congresso precisa cumprir acordo com governo e aceitar o fim do programa
Surpreendendo rigorosamente ninguém, os
recursos que haviam sido reservados para ajudar os setores afetados pela
pandemia de covid-19 se esgotaram em um piscar de olhos. O limite estipulado
pelo governo para socorrer o setor de eventos, de R$ 15 bilhões, será atingido
já no mês de março, segundo o secretário da Receita Federal, Robinson
Barreirinhas, o que implica – ou implicaria – a extinção do programa no mês
seguinte.
O ceticismo deste jornal em relação ao fim do
Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) se deve unicamente
ao histórico do mundo político. Parafraseando o economista conservador
norte-americano Milton Friedman, nada é tão permanente quanto um programa
temporário de governo – algo que cabe muito bem ao Perse, diriam experientes
servidores públicos de Brasília.
Criado pelo Congresso em 2021, à revelia do
governo Jair Bolsonaro, que inclusive vetou a proposta e teve o veto derrubado,
o programa visava, corretamente, a ajudar um dos segmentos mais prejudicados
pelas consequências econômicas da covid-19. O isolamento social, sobretudo nos
primeiros meses da pandemia, foi a principal estratégia adotada para impedir a
proliferação do vírus, o que fez com que shows e peças de teatro tivessem de
ser cancelados, cinemas fossem fechados e hotéis e restaurantes ficassem às moscas.
A covid-19 continua a fazer vítimas pelo
Brasil afora, mas não é minimamente razoável afirmar que o setor ainda precisa
de auxílio neste momento. Nem é preciso frequentar os locais mencionados para
conferir. Basta observar o comportamento dos serviços, medido em indicadores
econômicos como Produto Interno Bruto (PIB), inflação, geração de empregos e
massa salarial, para ter a certeza de que o setor vai bem.
Já faz algum tempo que fatos e dados, no
entanto, não têm servido de nada para o Congresso. Quando o governo Lula da
Silva tentou acabar com o programa no ano passado, o Legislativo bateu o pé até
conseguir que ele fosse prorrogado. Pelo acordo, o Perse continuaria em vigor
até que os subsídios, apurados a partir de abril do ano passado, atingissem a
marca de R$ 15 bilhões.
Diante do histórico do uso dos recursos, a
equipe econômica estimava que o dinheiro acabaria em junho. Mas deputados e
senadores, com base na mais pura fé, esperavam que durasse até 2027. O que
ocorreu, no entanto, foi uma corrida em busca de benefícios em dezembro, quando
R$ 4 bilhões em subsídios foram concedidos a empresas dos mais diversos
segmentos.
O movimento era até natural, afinal, os
empresários perceberam que o teto estabelecido pelo governo seria rapidamente
alcançado e preferiram aproveitar a festa antes que acabasse. Segundo a Receita
Federal, o gasto tributário deve chegar a algo entre R$ 15,6 bilhões e R$ 17
bilhões até o fim de março. Em quaisquer dos cenários, o programa deverá ser
extinto no próximo mês, mas o Congresso, evidentemente, não gostou de saber da
novidade.
Autor do projeto que criou o Perse, o
deputado Felipe Carreras (PSB-PE) cobrou sensibilidade do governo e uma
transição para que o setor possa se adaptar ao término do benefício. Na
avaliação dele, ele não pode ser encerrado “da noite para o dia”. Já a deputada
Laura Carneiro (PSD-RJ) questionou a razão pela qual uma empresa de aplicativo
de entrega de restaurantes foi a que mais usufruiu de recursos do Perse.
“Entrega de comida em casa virou evento?”, perguntou a deputada, durante
audiência pública na Comissão Mista de Orçamento.
Eis por que Executivo e Legislativo deveriam
ter prudência ao propor qualquer subsídio. A depender da forma como o projeto é
elaborado, o programa pode vir a alcançar um público bem maior do que se
esperava, inclusive artistas e influenciadores digitais, como o Estadão já
demonstrou.
E independentemente do valor e do prazo da
benesse, uma vez que ela foi criada, o setor beneficiado lutará com unhas e
dentes para mantê-la, mesmo que não dependa mais dela para sobreviver. Agora é
tarde para o Congresso reclamar – ou não, a depender da briga que estiver
disposto a comprar com o governo.
O silêncio é de ouro
O Estado de S. Paulo
Ministra Maria Elizabeth Rocha já assumiu a
presidência do STM fazendo prejulgamentos
A ministra Maria Elizabeth Rocha mal assumiu
a presidência do Superior Tribunal Militar (STM), no dia 12 passado, e já
demonstrou que padece de um mal que acomete muitos membros de cortes
superiores: o vício em prejulgamentos.
O ex-presidente Jair Bolsonaro, capitão
reformado do Exército, nem sequer é investigado por eventuais crimes militares
que possa ter cometido em sua tentativa de permanecer no poder após a derrota
eleitoral em 2022. Mas isso, ao que parece, não tem a menor importância para a
magistrada sobre a qual recai a partir de agora a responsabilidade de conduzir
os trabalhos da mais alta instância da Justiça Militar.
Segundo a presidente do STM afirmou a
jornalistas logo após a cerimônia de posse, se Bolsonaro tiver cometido um
crime militar, “pode, sim, vir a ser julgado na condição de militar da reserva
e pode, inclusive, perder o posto da patente”. E acrescentou: “Eu identifico
alguns (crimes), mas eu acho que não cabe a mim identificar. Esse é o papel do
Ministério Público Militar”, concluiu a sra. Rocha, em um estupefaciente
reconhecimento da impertinência de seu próprio comentário.
Como este jornal já sublinhou não poucas
vezes, o julgamento das condutas de Bolsonaro no âmbito do que tem sido tratado
como uma tentativa de golpe de Estado não pode apenas ser isento; precisa
parecer isento aos olhos de uma sociedade cada vez mais descrente na
imparcialidade do Poder Judiciário. Isso vale particularmente para o Supremo
Tribunal Federal (STF) e também para o STM.
É evidente que, na condição de militar
reformado, Bolsonaro pode, sim, ter cometido crimes de natureza militar na
tentativa de não transferir o poder de forma pacífica para o presidente Lula da
Silva, legitimamente eleito naquela eleição. De acordo com a denúncia oferecida
pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao STF contra o ex-presidente e
outros, a ele teriam se associado militares da ativa e da reserva na suposta
sedição. No limite, por óbvio, isso pode culminar em nova denúncia contra
Bolsonaro, agora no âmbito da Justiça Militar, e na sua eventual condenação e
perda de patente.
A questão é que não cabe à presidente do STM
fazer esse tipo de conjectura. Não cabia quando era mais uma entre os membros
da corte nem muito menos agora que a preside. Mas à sra. Rocha decerto não
ocorreu fazer essa reflexão porque esse tipo de comportamento se tornou banal
no Brasil. Dia sim e outro também, os cidadãos são invadidos por opiniões
descabidas de ministros de tribunais superiores sobre casos que eles
eventualmente podem julgar, quando não se imiscuem em seara não afeita à
judicatura, como a análise política.
A ânsia de vocalizar opiniões sobre temas em
alta no debate público – especialmente os de natureza política – tem corroído a
credibilidade dos tribunais superiores e alimentado suspeitas entre cidadãos de
boa-fé sobre a real motivação de seus integrantes com esse tipo de
incontinência. Quando juízes são vistos como agentes políticos, a aura de
isenção da qual deriva sua legitimidade se esvai.
A Justiça, civil ou militar, deve ser um bastião de serenidade e respeito ao devido processo legal.
Março joga luz sobre a endometriose
Correio Braziliense
Doença impacta a qualidade de vida da mulher
a ponto de tornar-se incapacitante, impedindo as atividades laborais ou até
mesmo cotidianas
O mês de março concentra três cores no
calendário da saúde — amarela, azul-marinho e lilás. Ontem, foi o Dia Nacional
de Luta contra a Endometriose, data que integra o Março Amarelo. A principal
característica da doença é que ela ocorre quando o tecido endometrial surge
fora do útero, quando deveria permanecer apenas em seu interior.
A endometriose é considerada inflamatória e
crônica, com sintomas bastante definidos — entre os quais, cólicas fortes
durante o período menstrual, mas também fora dele; dor durante e após as
relações sexuais; fadiga extrema; inchaço abdominal; dor e/ou sangue na urina,
entre outros. Ou seja, impacta a qualidade de vida da mulher a ponto de
tornar-se incapacitante, impedindo as atividades laborais ou até mesmo
cotidianas.
As estatísticas refletem esse quadro. Segundo
a Associação Brasileira de Endometriose e Ginecologia Minimamente Invasiva
(SBE), 7 milhões de brasileiras sofrem com a endometriose — uma em cada 10 —, o
que não significa necessariamente que elas sejam diagnosticadas ou até mesmo
recebam o tratamento adequado. Mais de 30% dos casos levam à infertilidade e
57% das pacientes têm dores crônicas. Em termos mundiais, as estimativas são de
que 200 milhões de meninas e mulheres sejam atingidas pela endometriose.
Os tipos da doença são vários e podem
acometer outros órgãos igualmente importantes, como ovário e trompas
(ovariana), regiões próximas ao útero (pélvica), peritônio (peritoneal) ou toda
a região entre a bexiga e o intestino (endometriose profunda).
Recentemente, um estudo desenvolvido por
cientistas dinamarqueses, da Universidade de Copenhague, mostrou a relação
entre a endometriose e um aumento no risco de eventos cardiovasculares — a
exemplo de arritmias, como a fibrilação atrial (24%), infarto e derrame (15%),
e insuficiência cardíaca (11%).
A boa notícia é que, assim como a medicina, a
fisioterapia também evoluiu exponencialmente. No caso da endometriose, a
fisioterapia pélvica é um dos tratamentos mais adequados para a melhoria da
qualidade de vida da mulher, especialmente no que diz respeito aos episódios de
dor.
Um estudo divulgado pela Universidade do
Cairo, no Egito, revelou que exercícios físicos regulares também podem reduzir
a dor, melhorar a postura e quebrar o ciclo de desconforto associado à
endometriose. Nos casos mais graves, analgésicos, medicamentos hormonais e a
retirada completa do tecido via cirurgia são alguns dos recursos recomendados
pelos especialistas.
Nos últimos anos, os atendimentos na atenção
primária do Sistema Único de Saúde (SUS) relacionados à endometriose têm
crescido. Em 2022, foram contabilizados 82.693 atendimentos, 115.765 em 2023 e
dados preliminares indicam 145.744 atendimentos em 2024. Nos atendimentos,
estão incluídos consultas, exames, medicamentos, psicoterapia, nutrição,
cirurgia e fisioterapia.
Mas a luta continua. Durante este mês, estão sendo realizadas campanhas de conscientização em torno da doença por todo o país. Que baixem os números e que as mulheres que sofrem com essa complicação sejam melhor assistidas.
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