Valor Econômico
A maior lição de casa do governo Lula III é
arranjar agora mais parceiros; é provável, sabendo do estilo do bolsonarismo,
que a oposição jogue contra si mesma
O governo Lula III entrou no seu biênio final
com uma queda inédita de popularidade. A notícia levou toda a cúpula
governamental a se perguntar como reverter essa tendência. Não vai adiantar nem
a técnica do desespero, tampouco centrar agora o foco na guerra com os
adversários, que mal se sabe quem serão em 2026.
O melhor é ter paciência com o que exige
tempo, como o combate à inflação, e, sobretudo, ampliar os parceiros e buscar
resultados que possam fortalecer o presidente junto à sociedade. Encontrar
caminhos colaborativos e produtivos deveria ser a principal tarefa nos próximos
meses.
Hoje, a governabilidade e a popularidade são bem diferentes do período áureo do lulismo. Internamente, esse fenômeno envolve razões institucionais e eleitorais. O Congresso Nacional se tornou muito mais poderoso, autônomo e fragmentado. Conseguir apoio exige negociações e acordos cotidianos. Mesmo assim, o Executivo federal tem de ceder mais em seus projetos do que no período do domínio da dupla PSDB-PT.
Observação importante: esse cenário político
congressual mais complexo não quer dizer paralisia decisória ou facilidade de
ser oposição. No fundo, a maior parte dos congressistas precisa ter um pé no
governismo para sobreviver politicamente, embora o custo e a volatidade de
comportamentos sejam bem maiores do que no passado.
Soma-se a isso o fato de que a Federação,
antes mais suscetível às promessas e apoios de Brasília, está atualmente mais
ressabiada após o período de descoordenação e conflito durante o governo
Bolsonaro.
Os estados e municípios precisaram resolver
muitas coisas sozinhos, o que os levou a querer mais autonomia e voz junto ao
governo federal. Além disso, há mais governos estaduais bolsonaristas e, do
ponto de vista estrutural, um conjunto crescente, embora ainda claramente
minoritário, de unidades estaduais que questionam a ideia de que o país precise
ter uma União forte para combater a desigualdade territorial.
Os consensos também são mais difíceis de
serem construídos socialmente. Pelo menos 70% do eleitorado joga quase parado,
com poucas chances de mudar de posição política ou em relação aos seus valores
comportamentais. O outro terço é maleável, mas está muito mais exigente e
acredita que boa parte do que faz o governo já é a obrigação dele.
A polarização existe, mas o quadro completo
vai além disso: trata-se de um cenário em que contentar o eleitorado exige
políticas públicas muito mais certeiras frente às demandas sociais.
As mudanças no plano internacional
adicionaram mais pimenta no cenário nacional. O crescimento do populismo de
extrema direita está trazendo mais instabilidade, principalmente com a eleição
do Donald Trump nos EUA, o presidente que veio para colocar o mundo de
ponta-cabeça em sua montanha-russa de decisões. Contudo, essa é apenas uma
parte da história: salvo raras exceções, como no México, os incumbentes estão
mais fracos em quase todas as democracias.
Para completar o enredo dessa história, a
economia mundial vive um momento de grande instabilidade. Claro que Trump está
acentuando esse fenômeno, mas antes dele já havia um cenário inflacionário
forte que está demorando para ser debelado em todo o mundo. O pior é se agora
vier junto um declínio da atividade econômica, e o mundo assim voltará à
situação do final da década de 1970.
Definidas todas as variáveis que impactam o
ambiente brasileiro atual, fica a pergunta: há saídas políticas para o governo
Lula III? Se o desejo for retornar à popularidade do período áureo do lulismo,
a resposta é não. Se o objetivo for resolver todos os problemas macroeconômicos
do país em dois anos, e de lambuja construir um novo consenso social, a
resposta é novamente um rotundo não.
Sobraria apenas o populismo de criticar todos
os culpados de sempre para mostrar o quão injusto o mundo está sendo com o
presidente? Creio que, embora alguma dose de discurso populista seja
inevitável, há uma outra via, menos pujante, porém com maior capacidade de
construir uma candidatura mais forte à reeleição.
Um projeto melhor estaria em construir
parcerias mais sólidas com resultados gradativos em políticas públicas, ao que
se somariam um ou outro lance mais ousado, mas que tem de ser certeiro em
termos de público-alvo e sustentabilidade intertemporal - isto é, o governo
precisa saber se os beneficiados querem muito aquilo e se a mudança é viável
administrativa e economicamente.
Seguir esse caminho envolve, ainda, gastar
menos energia agora nas brigas com a oposição, que já enfrentará um grande
obstáculo neste ano, que é o processo envolvendo o golpismo comandado por
Bolsonaro. Ademais, os oposicionistas terão de carregar todo o desgaste da
proximidade com Trump, pois o antiamericanismo vai crescer em quase todo o
mundo - imaginem que há uma grande chance de algum brasileiro morrer nos
processos desumanos de deportação...
Parceria e colaboração devem ser o lema do
novo “Lulinha paz e amor”. Começando pela dinâmica interna do PT e seus
impactos no governo. Se for construído um grande acordo no processo sucessório
do Partido dos Trabalhadores, maiores serão as chances de reeleição do
presidente e de sucesso dos candidatos do partido em 2026. A autofagia tem,
neste momento, atrapalhado mais os petistas do que qualquer movimento
bolsonarista.
O segundo movimento colaborativo passa pela
relação com o Congresso Nacional. A despeito de o custo do apoio ser cada vez
mais alto, a maior parte dos congressistas quer construir um cenário seguro
para a sua reeleição. Mesmo se Lula despencar ainda mais nas pesquisas, o
grosso dos deputados e senadores quer ter políticas públicas e obras em suas
bases eleitorais.
Um cenário caótico, hegemonizado por
parlamentares que aprovam apenas medidas janistas de moralização nacional e
anistia a todo mundo que participou de algum modo da tentativa de golpe de
Estado só favorece os radicais e a multiplicação dos Nicolas, Marçais e filhos
reais ou postiços de Bolsonaro. Definitivamente, não é isso que o Centrão
deseja.
Só que o Executivo federal terá de demonstrar
que é mais parceiro e construir acordos com o Congresso Nacional. Dialogar para
ver em que pontos de suas políticas públicas os congressistas podem participar
e ganhar crédito eleitoral por isso. Uma reforma ministerial pode ajudar neste
processo, evidentemente.
Todavia, o jogo é maior do que isso,
incluindo uma agenda comum, com posições negociadas que podem ir além da visão
dos governistas. Tudo isso movido por uma visão menos verticalizada e
preconceituosa do Legislativo. Há políticos da Câmara e do Senado de outros
partidos que podem muito ajudar a ministra Gleisi nessa tarefa - basta
considerá-los, efetivamente, da mesma equipe do governo.
A trilha colaborativa pode ser igualmente
frutífera na articulação do federalismo com políticas públicas. Nos principais
setores governamentais, os principais implementadores são os estados e
municípios. Sem eles, não se entrega nada aos cidadãos.
Contudo, o governo federal tem sido desde
1988 e pode continuar sendo uma peça-chave dessa engrenagem. Isso significa
criar modelos mais colaborativos de relações intergovernamentais, com apoio
administrativo e financeiro da União combinado com maior protagonismo dos
governos subnacionais.
Um exemplo bem-sucedido que segue essa linha
é o do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, que foi pactuado com todos os
estados, inclusive aqueles governados pelos bolsonaristas mais renhidos.
Essa lógica colaborativa deve ser replicada
em todos os setores. Na própria educação isso deve ser ampliado para áreas como
educação profissional, primeira infância e inclusão de crianças e jovens com
deficiência, somando à colaboração federativa uma perspectiva intersetorial.
Em saúde, meio ambiente, políticas urbanas,
combate à pobreza e segurança pública, para ficar em questões de grande impacto
nos eleitores, o mesmo caminho deve ser seguido, de modo que o governo federal
deve fortalecer seus laços de parceria federativa sem medo de perda de crédito
eleitoral.
A parceria com os governos subnacionais nas
políticas públicas trará resultados gradativos, não será nenhuma bomba atômica,
mas é isso que o lulismo consegue ter e deve fazer no momento. Não se terá mais
80% de popularidade presidencial, mas se ultrapassar os 50% e houver aliados e
parceiros no front de defesa, há aí um caminho factível de reeleição.
Uma perspectiva mais aberta e parceira deve
prevalecer igualmente na relação com setores sociais nos quais o lulismo tem
tido dificuldades eleitorais. É preciso dialogar, por exemplo, com grupos
evangélicos na sociedade e ver quais políticas públicas podem ser pensadas
conjuntamente.
Maior apoio ao empreendedorismo, mais creches
para as mães colocarem suas crianças e um rumo melhor para os jovens desse
segmento são temas que podem abrir um canal com esse eleitorado e reduzir
desconfianças.
A maior lição de casa do governo Lula III é
arranjar agora mais parceiros. Até porque é provável, sabendo do estilo do
bolsonarismo e dos efeitos negativos do trumpismo, que a oposição jogue
bastante contra si mesma. O presidente Lula poderá ter uma outra carta grande
na mão - não mais do que isso - e ainda terá o carisma a seu favor, mas seu
sucesso depende mais de compartilhar as decisões e os resultados de seu
governo.
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