sexta-feira, 14 de março de 2025

Em busca de parceiros e resultados - Fernando Abrucio

Valor Econômico

A maior lição de casa do governo Lula III é arranjar agora mais parceiros; é provável, sabendo do estilo do bolsonarismo, que a oposição jogue contra si mesma

O governo Lula III entrou no seu biênio final com uma queda inédita de popularidade. A notícia levou toda a cúpula governamental a se perguntar como reverter essa tendência. Não vai adiantar nem a técnica do desespero, tampouco centrar agora o foco na guerra com os adversários, que mal se sabe quem serão em 2026.

O melhor é ter paciência com o que exige tempo, como o combate à inflação, e, sobretudo, ampliar os parceiros e buscar resultados que possam fortalecer o presidente junto à sociedade. Encontrar caminhos colaborativos e produtivos deveria ser a principal tarefa nos próximos meses.

Hoje, a governabilidade e a popularidade são bem diferentes do período áureo do lulismo. Internamente, esse fenômeno envolve razões institucionais e eleitorais. O Congresso Nacional se tornou muito mais poderoso, autônomo e fragmentado. Conseguir apoio exige negociações e acordos cotidianos. Mesmo assim, o Executivo federal tem de ceder mais em seus projetos do que no período do domínio da dupla PSDB-PT.

Observação importante: esse cenário político congressual mais complexo não quer dizer paralisia decisória ou facilidade de ser oposição. No fundo, a maior parte dos congressistas precisa ter um pé no governismo para sobreviver politicamente, embora o custo e a volatidade de comportamentos sejam bem maiores do que no passado.

Soma-se a isso o fato de que a Federação, antes mais suscetível às promessas e apoios de Brasília, está atualmente mais ressabiada após o período de descoordenação e conflito durante o governo Bolsonaro.

Os estados e municípios precisaram resolver muitas coisas sozinhos, o que os levou a querer mais autonomia e voz junto ao governo federal. Além disso, há mais governos estaduais bolsonaristas e, do ponto de vista estrutural, um conjunto crescente, embora ainda claramente minoritário, de unidades estaduais que questionam a ideia de que o país precise ter uma União forte para combater a desigualdade territorial.

Os consensos também são mais difíceis de serem construídos socialmente. Pelo menos 70% do eleitorado joga quase parado, com poucas chances de mudar de posição política ou em relação aos seus valores comportamentais. O outro terço é maleável, mas está muito mais exigente e acredita que boa parte do que faz o governo já é a obrigação dele.

A polarização existe, mas o quadro completo vai além disso: trata-se de um cenário em que contentar o eleitorado exige políticas públicas muito mais certeiras frente às demandas sociais.

As mudanças no plano internacional adicionaram mais pimenta no cenário nacional. O crescimento do populismo de extrema direita está trazendo mais instabilidade, principalmente com a eleição do Donald Trump nos EUA, o presidente que veio para colocar o mundo de ponta-cabeça em sua montanha-russa de decisões. Contudo, essa é apenas uma parte da história: salvo raras exceções, como no México, os incumbentes estão mais fracos em quase todas as democracias.

Para completar o enredo dessa história, a economia mundial vive um momento de grande instabilidade. Claro que Trump está acentuando esse fenômeno, mas antes dele já havia um cenário inflacionário forte que está demorando para ser debelado em todo o mundo. O pior é se agora vier junto um declínio da atividade econômica, e o mundo assim voltará à situação do final da década de 1970.

Definidas todas as variáveis que impactam o ambiente brasileiro atual, fica a pergunta: há saídas políticas para o governo Lula III? Se o desejo for retornar à popularidade do período áureo do lulismo, a resposta é não. Se o objetivo for resolver todos os problemas macroeconômicos do país em dois anos, e de lambuja construir um novo consenso social, a resposta é novamente um rotundo não.

Sobraria apenas o populismo de criticar todos os culpados de sempre para mostrar o quão injusto o mundo está sendo com o presidente? Creio que, embora alguma dose de discurso populista seja inevitável, há uma outra via, menos pujante, porém com maior capacidade de construir uma candidatura mais forte à reeleição.

Um projeto melhor estaria em construir parcerias mais sólidas com resultados gradativos em políticas públicas, ao que se somariam um ou outro lance mais ousado, mas que tem de ser certeiro em termos de público-alvo e sustentabilidade intertemporal - isto é, o governo precisa saber se os beneficiados querem muito aquilo e se a mudança é viável administrativa e economicamente.

Seguir esse caminho envolve, ainda, gastar menos energia agora nas brigas com a oposição, que já enfrentará um grande obstáculo neste ano, que é o processo envolvendo o golpismo comandado por Bolsonaro. Ademais, os oposicionistas terão de carregar todo o desgaste da proximidade com Trump, pois o antiamericanismo vai crescer em quase todo o mundo - imaginem que há uma grande chance de algum brasileiro morrer nos processos desumanos de deportação...

Parceria e colaboração devem ser o lema do novo “Lulinha paz e amor”. Começando pela dinâmica interna do PT e seus impactos no governo. Se for construído um grande acordo no processo sucessório do Partido dos Trabalhadores, maiores serão as chances de reeleição do presidente e de sucesso dos candidatos do partido em 2026. A autofagia tem, neste momento, atrapalhado mais os petistas do que qualquer movimento bolsonarista.

O segundo movimento colaborativo passa pela relação com o Congresso Nacional. A despeito de o custo do apoio ser cada vez mais alto, a maior parte dos congressistas quer construir um cenário seguro para a sua reeleição. Mesmo se Lula despencar ainda mais nas pesquisas, o grosso dos deputados e senadores quer ter políticas públicas e obras em suas bases eleitorais.

Um cenário caótico, hegemonizado por parlamentares que aprovam apenas medidas janistas de moralização nacional e anistia a todo mundo que participou de algum modo da tentativa de golpe de Estado só favorece os radicais e a multiplicação dos Nicolas, Marçais e filhos reais ou postiços de Bolsonaro. Definitivamente, não é isso que o Centrão deseja.

Só que o Executivo federal terá de demonstrar que é mais parceiro e construir acordos com o Congresso Nacional. Dialogar para ver em que pontos de suas políticas públicas os congressistas podem participar e ganhar crédito eleitoral por isso. Uma reforma ministerial pode ajudar neste processo, evidentemente.

Todavia, o jogo é maior do que isso, incluindo uma agenda comum, com posições negociadas que podem ir além da visão dos governistas. Tudo isso movido por uma visão menos verticalizada e preconceituosa do Legislativo. Há políticos da Câmara e do Senado de outros partidos que podem muito ajudar a ministra Gleisi nessa tarefa - basta considerá-los, efetivamente, da mesma equipe do governo.

A trilha colaborativa pode ser igualmente frutífera na articulação do federalismo com políticas públicas. Nos principais setores governamentais, os principais implementadores são os estados e municípios. Sem eles, não se entrega nada aos cidadãos.

Contudo, o governo federal tem sido desde 1988 e pode continuar sendo uma peça-chave dessa engrenagem. Isso significa criar modelos mais colaborativos de relações intergovernamentais, com apoio administrativo e financeiro da União combinado com maior protagonismo dos governos subnacionais.

Um exemplo bem-sucedido que segue essa linha é o do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, que foi pactuado com todos os estados, inclusive aqueles governados pelos bolsonaristas mais renhidos.

Essa lógica colaborativa deve ser replicada em todos os setores. Na própria educação isso deve ser ampliado para áreas como educação profissional, primeira infância e inclusão de crianças e jovens com deficiência, somando à colaboração federativa uma perspectiva intersetorial.

Em saúde, meio ambiente, políticas urbanas, combate à pobreza e segurança pública, para ficar em questões de grande impacto nos eleitores, o mesmo caminho deve ser seguido, de modo que o governo federal deve fortalecer seus laços de parceria federativa sem medo de perda de crédito eleitoral.

A parceria com os governos subnacionais nas políticas públicas trará resultados gradativos, não será nenhuma bomba atômica, mas é isso que o lulismo consegue ter e deve fazer no momento. Não se terá mais 80% de popularidade presidencial, mas se ultrapassar os 50% e houver aliados e parceiros no front de defesa, há aí um caminho factível de reeleição.

Uma perspectiva mais aberta e parceira deve prevalecer igualmente na relação com setores sociais nos quais o lulismo tem tido dificuldades eleitorais. É preciso dialogar, por exemplo, com grupos evangélicos na sociedade e ver quais políticas públicas podem ser pensadas conjuntamente.

Maior apoio ao empreendedorismo, mais creches para as mães colocarem suas crianças e um rumo melhor para os jovens desse segmento são temas que podem abrir um canal com esse eleitorado e reduzir desconfianças.

A maior lição de casa do governo Lula III é arranjar agora mais parceiros. Até porque é provável, sabendo do estilo do bolsonarismo e dos efeitos negativos do trumpismo, que a oposição jogue bastante contra si mesma. O presidente Lula poderá ter uma outra carta grande na mão - não mais do que isso - e ainda terá o carisma a seu favor, mas seu sucesso depende mais de compartilhar as decisões e os resultados de seu governo.

 

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