Folha de S. Paulo
Tentativa de Lula de fazer graça com nomeação
de Gleisi Hoffmann não dá muito certo; humor é um recurso que políticos
deveriam usar com cuidado
Lula disse
que estava colocando uma "mulher
bonita" na articulação política de seu governo para melhorar as
relações com o Congresso. Foi
atacado por bolsonaristas, como era de esperar, mas também por aliados e
por jornalistas independentes, que viram a colocação como machista.
Sem prejuízo de hermenêuticas mais totalizantes, acho que o episódio pode ser descrito como uma tentativa de fazer humor que não deu muito certo. Um pouco de contexto: na véspera, bolsonaristas divulgaram um vídeo do ex-presidente em que ele dizia que as mulheres de esquerda eram todas "feias" e "incomíveis" —o que também pode ser visto como uma tentativa canhestra de fazer graça.
Políticos devem recorrer ao humor? Fazê-lo é
tentador, já que o humor é um poderoso lubrificante social, que desarma
resistências e transforma o interlocutor numa espécie de cúmplice.
Existem, porém, algumas exigências. Em
primeiro lugar, a piada tem de ser boa, ou pode haver efeito rebote. O recurso
também funciona melhor presencialmente do que nas versões filmada ou apenas
narrada. E ele simplesmente fracassa quando a audiência é hostil. Isso
significa que, quando há polarização afetiva forte, cerca de um terço do
público verá qualquer tentativa de graça feita pelo adversário como um acinte
que cobra resposta e processo judicial. Há ainda um aspecto geracional.
Muitas das anedotas das quais eu e meus
coetâneos ríamos nos anos 1970 e 1980 abordam temas que se tornaram tabu para
os mais novos.
Mais interessante do que aquilo que o humor
diz sobre políticos é o que ele diz sobre nós mesmos. É verdade que tanto a
piada de Lula como a de Bolsonaro eram ruins, mas, se você esboçou um sorriso,
ainda que amarelo, para a de um e viu séria violação moral na do outro, saiba
que está sendo presa do viés de confirmação, que nos faz ver com bons olhos o
que se alinha a nossas preferências e hostilizar o vai contra elas.
O bonito da política é que ela, melhor que
qualquer outro palco, escancara a parcialidade de nossos cérebros.
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