O Estado de S. Paulo
No Brasil, não há mais discussão de ideias quando se trata daqueles que querem chegar ao poder federal para dirigi-lo
Reservo a palavra polarização para o embate
de ideias, de programas. Ela é fundamental na democracia. Esta exige visões
diferentes de país, de mundo, de governo. Não há, nem houve nunca, uma ideia
única no meio social. A não ser aquelas postas pela ditadura, ou seja, aquele
sistema que desautoriza controvérsias. E até as pune.
No Brasil, não há mais discussão de ideias quando se trata daqueles que querem chegar ao poder federal para dirigi-lo. Há, sim, radicalização, que é atividade distante do campo programático. É a disseminação do mal querer, do ódio entre pessoas e até entre instituições. É a agressão verbal, até física, entre brasileiros e até contra instituições. Vide o 8 de janeiro de 2023. Veja-se a agressão a prédios públicos quando se discutiam as indispensáveis reformas trabalhista e previdenciária em 2017. Nada de formulação de conceitos ou posições. Apenas agressividade. E tudo nasce da pregação do “nós” contra “eles”. Percebia-se que, durante muito tempo, o “nós” tinha organização e militância.
Ao longo do tempo, o “eles” também se
organizou e passou a ter militantes.
Induvidosamente, as redes sociais tiveram
papel preponderante no acionamento dessa divisão. Se em tempos passados eram
poucos os que tinham acesso à informação e condições de manifestar-se, as redes
sociais constituíramse em campo aberto para ambas aquelas atitudes. Todos se
informaram e todos militaram. Mas a falta da propagação de ideias, de conceitos
e sistemas forneceu caminho errado para os manifestantes. Nada de polarização e
muito de radicalização. Isso porque os que se manifestam não recebem dos governantes
um programa para defendê-lo. Apenas gestos e falas virulentos sem nenhum
conceito embutido neles. “Ora, se os líderes assim se comportam, por que não
poderei eu fazê-lo?”, é, seguramente, o que muitos se indagam.
Costumo registrar que o homem público,
especialmente, o dirigente da Nação, serve de exemplo, de baliza para os seus
jurisdicionados. Se este prega o embate pessoal, não o ideológico, todos se
acham no direito de repeti-lo
Não milito mais na vida pública, mas ouço
muito em face de natural procura. E o que os meus ouvidos ouvem é que o povo
está cansado dessa radicalização. Quer a polarização de ideias. Quer saber o
que o candidato pensa sobre o País e o mundo. Quer projeto de poder. Quer
programa. Quer poder dizer, por meio do voto, se concorda ou não com o projeto
político oferecido. No fundo, quer respeito pela cidadania. Daí porque, em
artigo anterior, Esquerda, direita, centro... ( Estadão, 23/11/2024), propus
que as tendências rotuladas como direita, centro e esquerda apresentassem, por
meio do seu candidato, projeto para o País. Não seria nome contra nome (como é
hoje), mas programa contra programa.
Registro que, no passado, vários momentos
foram reveladores de projetos concretos. Relembro o plano de metas de Juscelino
Kubitschek, o plano de reformas de Fernando Henrique Cardoso, a
redemocratização pregada por Tancredo Neves e executada por José Sarney e a
Ponte para o Futuro, no nosso governo. Eram mensagens programáticas que
mobilizavam o País.
Até mesmo no tópico das estruturas
partidárias, tudo era diferente. O episódio autoritário e antidemocrático de
abril de 1964 ensejou a criação de dois partidos que tinham posição e proposta:
a Arena e o MDB. O primeiro, a favor do Estado que se instalou no País; o
segundo, contra o status quo. Eram posições bem definidas, o que permitia ao
eleitor a escolha por uma das propostas. Eram partidos políticos no sentido que
se lhes deve dar: partido, vem de parte; político vem de polis. Portanto, os
partidos eram parcelas da opinião pública que optavam por uma ou outra
concepção para dirigir a polis, ou seja, União, Estado ou município.
Em muitos países, há fenômenos programáticos.
Tome-se os Estados Unidos da América. Embora permitidos os partidos, são dois,
sempre, os disputantes das eleições: o republicano e o democrata. Tudo porque
são agremiações com posturas político governamentais consolidadas e bem
definidas. Se apanharmos o Reino Unido, lá são os conservadores e os
trabalhistas. São duas forças ancoradas em conceitos e teses. Também na França,
os chamados partidos de esquerda disputam eleições, com aliança ou não, com
aquele rotulados de direita. São teses bem definidas. Na Alemanha, embora em
sistema multipartidário, o fato é que eles todos têm definição programática:
dos liberais aos verdes passando pela esquerda, pelo socialismo cristão e pelo
ecológico, ou ainda dos direitos dos animais e pelo direito da família.
São breves exemplos de países que se
aprimoraram nas disputas políticas.
Nesse caminho, o MDB e a Fundação Ulisses
Guimarães começam a dar um exemplo na medida que lançam uma espécie de Ponte
para o Futuro a partir do seu movimento O
Brasil que o Brasil Precisa.
Como homenagem à seriedade política e ao
eleitorado, u n a mo- n o s todos a essa ideia. Ela ajudará a pacificar o País.
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