Carolina Nalin e Henrique Barbi* / O Globo
Em dez anos, diferença de rendimento entre vagas com e sem carteira caiu de 78% para 31%
O Brasil atingiu recorde de
vagas formais e o menor nível de desemprego da História em 2024, mas a
informalidade ainda predomina em algumas regiões do país. Em sete estados, mais
da metade dos ocupados não tem carteira assinada. Os dados, da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua trimestral do IBGE, foram compilados
pelo pesquisador Rodolpho Tobler, do Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a pedido do GLOBO.
Segundo especialistas
ouvidos pelo GLOBO, contribuem para esse quadro a baixa remuneração em vagas
formais, especialmente para as que exigem pouca qualificação, além do desejo de
maior flexibilidade de horários e da distância para o local de trabalho, no
caso de quem mora na periferia.
Pesa ainda o fato de que a diferença de rendimento entre trabalhadores formais e informais no Brasil diminuiu nos últimos anos, conforme os dados do IBGE compilados por Tobler. Em 2015, a remuneração de empregados com carteira superava em 73% a daqueles sem carteira. No fim de 2024, essa diferença caiu para cerca de 31%.
No Pará, Piauí, Maranhão,
Ceará, Amazonas, Bahia e Paraíba, a informalidade continua acima de 50% (veja
infográfico abaixo). Esse patamar se mantém desde início da atual série
histórica do IBGE. Em 2020, na Paraíba e na Bahia o índice chegou a recuar para
entre 47% e 48%, mas foi reflexo da pandemia, não da melhora no mercado formal.
Retomada pós-pandemia puxa
emprego formal
Segundo Tobler, o
reaquecimento da economia após a pandemia impulsionou um aumento disseminado do
emprego com carteira assinada, especialmente nos últimos dois anos. Esse
crescimento foi maior, em termos percentuais, no Norte e Nordeste, onde a
informalidade é historicamente mais alta e havia mais espaço para a expansão do
trabalho formal. Mas não alterou o quadro estrutural dessas regiões, diz o
pesquisador:
— Tem muito a ver com a
dinâmica da atividade econômica. A estrutura produtiva dessas regiões, muitas
vezes, está ligada à informalidade. Um grande ponto dessa questão estrutural é
ter políticas públicas que tentem reduzir isso e busquem qualificar e formalizar
essas pessoas (informais). Algo já tem sido feito, mas talvez seja preciso um
olhar mais local, que é muito importante.
Manoel de Jesus, de 72 anos,
morador de São Luís, no Maranhão, teve seu último emprego com carteira
assinada, como chefe de almoxarifado, há sete anos. Hoje, vende produtos
eletrônicos e acessórios para celular em uma loja on-line que promove nas redes
sociais. Ele sente falta do regime CLT, que lhe permitia planejar melhor o
orçamento:
— Gostaria de voltar a ter
carteira assinada, mas para a minha idade fica difícil.
Destaques de alta e de baixa
Na Bahia, apesar do recorde
de 1,8 milhão de trabalhadores com carteira assinada no setor privado no fim de
2024 — o maior em dez anos —, mais da metade dos ocupados (51,4%) ainda estava
na informalidade. No Pará, mesmo com o emprego formal no maior nível desde
2012, a taxa de informalidade ficou em 58,1%. Já na Paraíba, vagas com carteira
também bateram recorde, com alta de 15,1%, mas a informalidade ficou em 50,6%.
Por outro lado, Santa
Catarina, outro estado recordista de emprego formal, registrou a segunda menor
taxa de informalidade da série. É um estado com desemprego muito baixo, cujo
resultado foi puxado pelo desempenho positivo da indústria, diz Tobler.
O Distrito Federal alcançou
o maior patamar de empregados no mercado formal no ano passado. Mato Grosso do
Sul (32,7%), Mato Grosso (32,9%) e Goiás (36,5%) também ficaram com baixas
taxas de informalidade.
Esses estados, explicam
analistas, têm renda per capita maior e economias mais desenvolvidas. No caso
do DF, pesa ainda a grande parcela de funcionários públicos.
Rio na contramão
Enquanto a maioria dos
estados brasileiros avança na formalização do trabalho, o Rio de Janeiro vai na
contramão. A informalidade, em alta desde 2017, atingiu 38,3% em 2024. Para
Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores, é um reflexo de problemas de
segurança pública, violência e corrupção, que dificultam a atração negócios
para gerar empregos no estado.
A configuração do emprego
informal no país também mudou na última década, explica Tobler. Embora a
maioria dos trabalhadores brasileiros esteja nessa condição pela necessidade,
uma parte crescente tem optado por esse caminho para ter controle sobre seu tempo
e sua renda. Um reflexo do aumento da participação dos serviços na economia.
— A informalidade acabou
ganhando mais peso, e o que vemos é uma dualidade. Muitos que estão na
informalidade, embora queiram a estabilidade e os benefícios do emprego formal,
já valorizam a flexibilidade que o emprego informal proporciona — diz Tobler.
Formal ganha mal
Uma das razões pelas quais o
trabalhador permanece na informalidade é a perspectiva de maior renda, explica
João Saboia, professor emérito do Instituto de Economia (IE) da UFRJ. Para um
profissional com baixa escolaridade e pouca qualificação, a escolha é entre um
emprego formal com salário mínimo e uma ocupação informal com potencial de
dobrar o rendimento.
— As pessoas gostam de ter a
carteira assinada, mas se a renda for muito baixa, é melhor recorrer à
informalidade e trabalhar por conta própria — afirma Saboia.
Isso ficou evidente em uma
pesquisa da UFRJ, que ouviu motoristas e entregadores de aplicativos no Rio. O
estudo, publicado na Revista de Economia Contemporânea do IE, em 2024, mostra
que o trabalho formal hoje é pouco atraente para eles.
— Ficou claro que a
alternativa (formal) para eles é muito ruim. E tem essa questão de ser dono do
seu nariz e não ter o empregador direto enchendo o saco. E isso não acontece só
entre o pessoal que trabalha via aplicativo. O sonho de “ser empreendedor” cresceu
nos últimos anos — diz Saboia.
Da Marinha para o app
Morador do Rio, Johny
Branco, de 31 anos, era militar concursado, mas deixou a Marinha em 2021 para
trabalhar em tempo integral como motorista de aplicativo. Em troca da
estabilidade e dos benefícios do setor público, diz, pesaram a maior liberdade
e a remuneração:
— Foi uma escolha muito
pensada. Já fazia as corridas nos fins de semana, como complemento, e entendi
que poderia ganhar mais. Fora que sou dono do meu tempo.
Parte da renda extra vai
para a manutenção do carro, e o resto, para viagens com a mulher e os filhos.
Quanto ao futuro, ele conta que passou a pagar a aposentadoria como
microempreendedor individual (MEI), por onde também fez seu plano de saúde.
Branco ainda planeja cursar
uma faculdade para, quem sabe, prestar outro concurso e conquistar uma
remuneração maior. Para ele, trabalho no setor privado com carteira, só por
pelo menos R$ 5 mil e de segunda a sexta-feira.
Mais difícil na periferia
Para trabalhadores das
periferias, conseguir um emprego que pague mais que um ou dois salários mínimos
é raro, e as vagas formais não oferecem oportunidades reais de crescimento, diz
Renato Meirelles, fundador do Data Favela. A distância entre a casa e o
trabalho é outro fator que leva muitos a preferirem o empreendedorismo ou
bicos, para ter mais controle sobre o próprio tempo.
— Não surpreende que a
pesquisa do Data Favela mostre que 67% das pessoas acreditam que o fim da
escala 6x1 daria mais tempo para o lazer e a família. O brasileiro da periferia
quer ser dono do seu relógio, poder assistir um jogo de futebol em paz no fim
de semana, levar os filhos para passear sem pressa, viver além de simplesmente
trabalhar — diz Meirelles.
Embora o emprego formal
ofereça maior proteção social, os mais jovens têm disposição para encarar
jornadas de até 12 ou 14 horas em troca de maiores ganhos e autonomia, aponta
Saboia. Assim, com a menor taxa de desemprego da História, muitas empresas relatam
dificuldades em encontrar profissionais qualificados.
Para Saboia, o principal
desafio do mercado de trabalho é superar a baixa produtividade, diretamente
ligada à qualificação profissional e a maiores investimentos privados. Ele
aponta que a solução passa por políticas como o aumento do salário mínimo — adotada
pelo governo Lula —, que torna o emprego formal mais atraente e impacta até a
renda dos informais, já que o piso serve de referência para o mercado.
Incentivo ao MEI
O professor da UFRJ também
defende o incentivo à formalização via MEI, o avanço na regulamentação do
trabalho por aplicativos e o reforço da fiscalização das empresas que não
contratam formalmente.
— É política pública. Tem de
convencer as pessoas de que vale a pena ser MEI. Os jovens têm dificuldade de
pensar no futuro — diz Saboia.
Medidas que garantam alguma
segurança previdenciária, direitos básicos e apoio financeiro transformam o
emprego informal em oportunidade, diz Meirelles. Para ele, a digitalização
evidenciou o desejo do brasileiro de ser dono do próprio negócio:
— Hoje, o trabalhador
informal não é só aquele que vende pastel na esquina, mas também quem entrega
comida por aplicativo ou faz vendas pela internet. Se isso é sustentável ou
não, depende de como lidamos com essa transformação.
Como exemplo de políticas
públicas, Meirelles cita a necessidade de crédito fácil e barato, simplificação
dos processos burocráticos e capacitação profissional para os informais:
— O exemplo do MEI já
mostrou que é possível dar certo, mas precisamos ir além.
*Estagiário, sob a
supervisão de Alexandre Rodrigues
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