O Estado de S. Paulo
Resta aos europeus reconhecer que o mundo mudou, suas concepções não mais vigoram e sua diplomacia está ultrapassada
Não temos ainda nem dois meses de governo
Trump e as transformações geopolíticas por ele provocadas estão reconfigurando
o mundo. Não apenas simbolicamente quer mudar os mapas existentes, ao nomear o
Golfo do México de Golfo da América, mas está tomando decisões que se demarcam
claramente da ordem diplomática vigente até agora. As mudanças abruptas e o seu
ritmo são frenéticos, deixando muitos atores estatais e a opinião pública
mundial perplexos.
É, portanto, da máxima importância compreender esse novo fenômeno como se apresenta, tal como se analisa um fenômeno natural. Talvez ninguém goste de um furacão, sobretudo os que dele estão próximos. Nem por isso deixaremos de tentar compreender o que está acontecendo. Serve para a geopolítica um pequeno breviário de retórica, escrito por um dos primeiros-ministros de Luiz XIV, Cardeal de Mazar in. Segundo ele, o domínio das relações política sé o da manipulação, dou soda mentira e do engano, da imprevisibilidade e da construção arbitrária de narrativas.
A grande dificuldade em lidar como
fenômeno Trump não reside apenas em suas características pessoais, de alguém
acostumado com o jogo duro e a ausência de escrúpulos e, mesmo, de moralidade.
Quem não quiser reconhecer esse fato, encontra-se desde logo fora dele,
sofrendo assim dos seus prejuízos. Um exemplo eloquente é o do confronto
Trump/Zelensky na encenação já célebre daquele encontro na Casa Branca. Para
além desses dois indivíduos, em tudo díspares e antagônicos, defrontaram-se
dois tipos de mindsets, dois tipos de paradigmas geopolíticos.
Para o presidente da Ucrânia, tratava-se de
mostrar a invasão da Rússia, nomeando o Putin como “assassino”. A situação de
seu país é a de um povo agredido que luta por sua existência, contando para
isso com o apoio da Europa e boa parte da opinião pública ocidental. Colocou-se
como defensor dos valores ocidentais, a sua vanguarda no campo de batalha. Para
o presidente americano, sua preocupação não reside na defesa de valores
liberais ocidentais, como os da democracia, mas na defesa dos interesses dos EUA.
Se tais valores são fundamentais para os europeus, que arquem com os custos
financeiros e militares da guerra. Em todo caso, os contribuintes americanos
não teriam porque suportar indefinidamente os custos dessa guerra, sem
perspectiva de paz, de vitória.
Os europeus, por sua vez, viviam em um berço
esplêndido. Tornaram-se militarmente irrelevantes, somente nesse ano que passou
pensaram em redefinir suas forças armadas respectivas. Estão totalmente
defasados, dependentes do guarda- chuva americano militar e nuclear. Não
possuem condições militares e financeiras para influir decisivamente no cenário
ucraniano, embora tenham um medo, historicamente justificado, dos russos.
Paradoxalmente, viviam defendendo um cessar-fogo na Faixa de Gaza, preservando
o Hamas, apesar do massacre cometido em 7 de outubro, que decretou a forte
reação israelense. Fizeram o mesmo em relação ao Hezbollah no Líbano. Estão
provando agora do seu próprio veneno, não defendendo o cessar-fogo, algo que
está sendo feito por Trump.
No imediato, o presidente americano está
cortando a ajuda militar à Ucrânia, o uso dos seus serviços de inteligência e o
seu financiamento. Exige, para mantê-los, o reconhecimento de sua liderança
inconteste, um acordo de extração de seus minerais estratégicos e raros e uma
aceitação, certamente difícil, de que Zelensky terá de fazer concessões
territoriais. Clausewitz ensinava que esse é um dos objetivos da guerra, não
decididos em termos abstratos de justiça, mas em função da realidade do campo
de batalha. Resoluções da ONU e assemelhados perderam sua validade. O
presidente da Ucrânia foi obrigado a recuar, algo que foi apreciado por Trump
em seu discurso ao Congresso.
Imediatamente, a Rússia, alinhando-se a
Trump, terá certamente ganhos territoriais e deixará de ser um pária
internacional. O antiocidentalismo de Putin sairá reforçado em seu grande
projeto de uma nova nação russa. Fará concessões a Trump, provavelmente
retirando seu apoio ao Irã ao patrocinar uma negociação diplomática a respeito
de seus sites nucleares e do seu apoio aos grupos terroristas no Oriente Médio.
Os europeus deverão lidar com essa nova
situação, não tendo sobre ela qualquer domínio. Os russos, em seu apetite,
poderão se voltar para os países bálticos, com a mesma reivindicação que
utilizaram em relação aos ucranianos. Se Trump pretende anexar a Groenlândia,
por que não aproveitar a oportunidade, dirá Putin? Cogitarão também em invadir
a Polônia, embora não pretendam fazê-lo a curto prazo, pois os poloneses
possuem forças armadas fortes, tendo sabido se antecipar ao que estava por vir.
Resta aos europeus reconhecer que o mundo
mudou, suas concepções não mais vigoram e sua diplomacia está ultrapassada. Não
lhes sobra outra opção senão um rápido rearmamento! Seria urgente o Brasil
aprender com o que está acontecendo no mundo!
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