O Globo
Anistia não é uma reivindicação popular, não
há motivação genuinamente espontânea para livrar os golpistas da lei
O fracasso da manifestação a favor da anistia
para os condenados pelo vandalismo do 8 de Janeiro esvaziou a ofensiva que o
bolsonarismo faz no Congresso para apressar a votação da matéria, que interessa
diretamente ao ex-presidente Bolsonaro. Seria uma espécie de anistia preventiva
contra uma condenação que ainda não aconteceu. Estranha forma de reivindicar em
causa própria fingindo estar ao lado da Justiça, quando na verdade prepara uma
retroatividade futura.
Ficou claro que essa não é uma reivindicação popular, não há motivação genuinamente espontânea para livrar os golpistas das penas da lei. Certamente algumas penas merecerão redução mais adiante, pois as primeiras condenações elevaram o sarrafo a tal altura que a condenação de Bolsonaro precisa ser perpétua para contrabalançar a severidade com que os primeiros condenados foram punidos. Dezessete anos para quem pichou com batom a estátua da Justiça em frente ao STF ou quebrou vidros dos prédios públicos não se coaduna com uma dosimetria equilibrada, que não cheire a revanche.
Se o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, precisa radicalizar como fez em Copacabana para garantir o apoio de
Bolsonaro a uma eventual candidatura à Presidência, melhor será que se
restrinja à reeleição estadual e dê lugar a um integrante da família Bolsonaro,
com nome e sobrenome de radical de direita. Perderá o sentido a candidatura de
Tarcísio à Presidência se for para manter a radicalização, pois o que a direita
precisará em 2026 é se civilizar, se quiser conquistar o apoio de uma fatia do eleitorado
que buscou equivocadamente em Bolsonaro a contraposição ao petismo.
Creio que nem Bolsonaro nem Lula ganhará a
eleição radicalizando cada um para seu lado, especialmente se, como é possível,
nenhum dos dois concorrer in persona, mas por meio de simulacros. Esses teriam
de ser abrandados para ampliar o eleitorado e dar ânimo novo ao futuro, que não
pode continuar sendo a polarização que não leva a lugar nenhum. O desgaste que
a manifestação de domingo explicitou, se confirmado numa próxima, marcada para
São Paulo, demonstrará que já não há espaço para permanecer empacado no mesmo
lugar, falando de passado, quando a população quer ir adiante com suas vidas.
A esquerda já perdeu há algum tempo a
capacidade de mobilizar os cidadãos, depois que os sindicatos ficaram sem o
financiamento que levava multidões a showmícios. Agora a direita, centrada em
salvar a pele de Bolsonaro, começa a ratear, pois deveria estar nas ruas
reclamando da inflação, e não pedindo a anistia que interessa a um grupo
específico. As pesquisas de opinião já demonstraram que a maioria da população
não aprova o vandalismo ocorrido no 8 de Janeiro, portanto, não trata o tema
como prioridade.
Ao mesmo tempo, o fato de termos à direita
uma variedade de candidaturas mostra que Bolsonaro não consegue monopolizar sua
liderança. A dispersão pode favorecer a esquerda, que continua fechada com
Lula, mesmo que não haja indicação segura de que ele terá condições de disputar
uma campanha presidencial. A radicalização de posições não leva a soluções,
como nos mostra a História.
Ontem, ainda na comemoração da posse de
Sarney como primeiro presidente civil depois da ditadura militar, o
ex-presidente se lembrou de reverenciar dois políticos de esquerda fundamentais
para reforçar o apoio à vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, os
então deputados federais Airton Soares e Bete Mendes, que votaram a favor e
foram expulsos do PT por isso. Hoje, 40 anos depois, o PT exalta a figura de
Sarney como garantidor da manutenção da democracia. O momento é de valorizar a
democracia, não quem tentou derrotá-la num projeto personalista.
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