terça-feira, 18 de março de 2025

Recorrendo às minhocas - Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*

A  picanha já era... Esgotou-se nas   pilantragens  do discurso populista, e deve ser enterrada, em definitivo,  na viagem presidencial ao Japão, cuja  finalidade, entre outras,   está a de amenizar as restrições às  exportações de carne bovina do Brasil . Por enquanto,  é vendida para  a China,  para os árabes e  para a Europa´. A JBS, nosso grande produtor e manipulador , está com problemas na Justiça dos Estados Unidos. Sobrou para  o ovo. 

Ele inspira  novas narrativas: a de que "o Brasil produz 59 bilhões de ovos"  e que "o brasileiro come, em média,  269 ovos por ano" . Vem cercadas de uma  retórica mitificada e analogias populares,  acompanhadas,  numa linguagem cifrada ,  de ameaças aos produtores. Busca-se recompor a credibilidade eleitoral  do Governo, que  vem caindo gradualmente.  Em um mês, a  "caixa de ovos passou de  R$140,00 para R$ 210,00" e a cesta básica aumentou em 4,4%. Os preços dos alimentos  dispararam sem controle nesse início de ano.
 
Mas os governantes  estão convencidos de que "os pobres ainda ganham  acima da inflação da comida", segundo informações aparentemente saídas da Fundação Getúlio Vargas.  Recorrendo à "Revolução dos Bichos"  , de George Orwell (1945), nos aviários e terreiros, até as galinhas já reclamam da quantidade da ração vitaminada e calcificada:  estão mais caras e racionadas. Para compensar, os produtores  liberaram as aves no campo para  colherem , complementarmente,  ervas , insetos e minhocas .
 
Na ausência do  Presidente, em  mais uma viagem para o exterior, o vice-presidente,   se enrola  com a supressão temporária das tarifas fiscais cobradas  sobre  11    produtos alimentícios importados ,  entre  eles a carne desossada de bovino, 10,08% ( não é todo mundo que sabe o que é carne desossada). A sardinha, vinda do exterior, também teve sua  tarifa de 32%  suprimida;  as bolachas,, 16,32% ;  as massas, 14,4% ; o milho, o café o açúcar, o azeite de oliva e o óleo de girassol também.  São os absurdos tributários  desconhecidos da população de  um dos maiores países agrícolas  do mundo (4o. lugar),  maior produtor mundial de café e açúcar, além de uma  costa pesqueira de mais de 9 mil quilômetros por 200 milhas de mar territorial e recursos hídricos abundantes internamente. 

Numa semana em que o Projeto de Lei Orçamentária para 2025 ainda é votado no Congresso, tem-se a ideia de que  parece haver  um planejamento capenga para o processo de desenvolvimento econômico brasileiro, sobretudo na área da agricultura,  cuja governança se  baseia em políticas vacilantes e medidas  pontuais  fragmentadas, financiadas, em grande parte,  por emendas parlamentares.
 
A estimativa de produção de 325,3 milhões de toneladas de grãos  (R$1,3 trilhão) , para a safra 2024-25, é de que haverá  um aumento de 8% em relação à safra anterior. Vem a dúvida: não seria  uma queda de 6,7% "?, conforme mostram órgãos do próprio Governo. O PIB cresceu 3, 4 % , ou não chegou a 3%?. Diante de abordagens políticas levianas, as estatísticas flutuam ao sabor das ondas.  Mesmo assim, espera-se um aumento de 2,4% sobre os resultados de 2024. "A 2a safra de grãos será recorde", alardeia-se . Da tal "entre safra' , que justifica o aumento dos preços, pelo desaparecimento dos produtos,  ninguém se lembra agora. Só no inverno. A Companhia Nacional de Abastecimento - Conab projeta para a 2a. safra do período o plantio de 16,76%  da área agricultável,  e um crescimento de 1,9% na produção. Assim, retoricamente trabalhado, projetam-se  aumentos de 6,5% na produção de arroz - os preços do arroz estão subindo vertiginosamente ;  de 1,5% do feijão e outros.    

Enquanto isso, na área da política partidária, insiste-se em espalhar o ódio, com  promessas, compromissos vazios e mentiras mesmo, retaliando  as oposições .  O desemprego  e  a violência se dissemina pelo interior , com assassinatos de trabalhadores e índios. Para dar cobertura a esse cenário, aparelha-se o Estado inclusive   no Judiciário e na área de segurança - com a tal força  nacional de intervenção . Desviam-se as atenções sobre os problemas reais, provocando novas agendas sociais e abrindo, dois anos antes,  uma discussão sobre eleições ,  sob o manto de uma  polarização política . Talvez para dar tempo ao Judiciário de deglutir as inelegibilidades de  candidatos com possibilidade de competir e até    vencer o pleito de 2026.

As projeções estatísticas vem atrás para tentar convencer de que o PIB cresceu  3,4%, embora haja informações oficiosas de que  ele não chegou a 3 % , ou que o desemprego se espalha pelos estados. O comércio varejista teve uma queda de 0,1 % em janeiro, mas as fontes de dados,   oficializadas, atestam que  foi 3,1% mais alto que o mesmo mês  do ano passado. Em quem confiar para planejar os investimentos? Há uma crise latente  na configuração das  estatísticas criando uma  insegurança, desconfiança mesmo, provocada por esses discursos ornados  com  informações  contraditórias, afetando inclusive  a imagem de instituições tradicionais como o IBGE, FGV, Conab, Embrapa, Ipea, confraria hipotética da qual o Banco Central tenta  ou tentou se esquivar .
  
Enquanto isso, o Governo digladia com o agronegócio,  fruto  de novas tecnologias aplicadas  na produção e comercialização das commodities agrícolas .  A reforma agrária, modelo de  agricultura familiar responsável pelo abastecimento interno,  não se sabe porque razão,  vem sendo desqualificada de governo a governo,   ainda em dúvida se  o Movimento dos Trabalhadores sem Terra poderia substituir o sistema de produção agropecuário que aí está. Este mesmo que produz um resultado superavitário  na balança comercial brasileira, com 47 por cento do total vendido no exterior.  Só mesmo uma imaginação fértil para projetar ficção  similar. Nem mesmo com a ajuda de ervas insetos e  minhocas.

*Jornalista e professor

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