Política deveria ficar fora do julgamento de Bolsonaro
Folha de S. Paulo
Protesto esvaziado indica que muitos
apoiadores não endossam anistia; melhor é garantir devido processo legal no STF
Está fracassando a linha de reação de Jair
Bolsonaro (PL)
ao cerco judicial que se fecha sobre ele. Apostou numa mobilização popular que
pudesse intimidar o Congresso
Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), prestes a
julgar a denúncia que o acusa de chefiar uma tentativa de golpe de Estado.
Segundo estimativa do Datafolha, cerca
de 30 mil pessoas estiveram no ato de domingo (16), promovido no Rio para
defender anistia aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023 —e, nem
tão implicitamente, ao próprio ex-mandatário.
O baixo entusiasmo pelas proclamações de Copacabana talvez reflita o ruído da mensagem do líder direitista. Bolsonaro mal disfarça que seu maior desejo é livrar-se ele próprio da cadeia, mas por que queimar etapas e exigir anistia política se o seu processo judicial nem sequer começou?
Outra fragilidade do ex-presidente é
portar-se como candidato tendo contra si a inelegibilidade
decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Quando nem
seus mais fiéis aliados acreditam que Jair Bolsonaro estará na cédula em 2026,
suas pregações em contrário caem no vazio.
As marchas bolsonaristas convertem-se, assim,
numa missão sem propósito factível. Não servem para mobilizar a oposição rumo
às eleições do ano que vem, pois carecem de hipóteses realistas sobre quem
poderá se candidatar, nem serão capazes de exercer pressão política sobre
legisladores e julgadores.
Além disso, a defesa técnica de Bolsonaro no
Supremo acaba prejudicada pelo seu ativismo. Já não seria fácil, em condições
normais, contraditar
a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), tanto menos
com o acusado incitando parlamentares a anular os efeitos de decisões do
tribunal constitucional.
Bolsonaro teria toda a legitimidade para
dedicar-se exclusivamente à política partidária como o maior líder da oposição
—com chances ponderáveis de eleger-se de novo presidente— caso tivesse seguido
as boas práticas na disputa eleitoral de 2022.
Bastava que se abstivesse de discursos e
articulações subversivas antes e depois de ser derrotado nas urnas. Porque
decidiu seguir outro caminho, o da radicalização e do flerte com soluções
autoritárias, seu caso se tornou judicial, deixando de ser político.
Sua melhor possibilidade doravante é tentar
convencer a maioria dos ministros, que começam a julgar a denúncia no próximo
dia 25, de que as acusações da Procuradoria são infundadas e as provas colhidas
no processo são insuficientes para condená-lo pelos crimes contra a democracia.
Sobre os julgadores, espera-se que se
mantenham equidistantes de acusação e defesa, adotem todos os procedimentos
garantidores do amplo contraditório e do devido processo legal e formem seu
juízo em bases estritamente técnicas. Um processo impecável, a despeito do seu
desfecho, terá sido o maior legado do tributal constitucional nesse caso.
Latrocínios em foco
Folha de S. Paulo
Capital paulista puxa alta de casos de roubo
seguido de morte no estado; é preciso fortalecer inteligência investigativa
Na quinta-feira (13), o agente da Companhia
de Engenharia de Tráfego (CET) José Domingos da Silva foi assassinado enquanto
trabalhava na zona oeste da cidade de São Paulo. O
criminoso surgiu em uma motocicleta, exigiu seus pertences e, após reação de
Silva, matou-o a tiros.
O episódio trágico foi gravado pela câmara
corporal usada pela vítima, assim como outros casos recentes de latrocínio (roubo
seguido de morte) na capital paulista foram de algum modo registrados em vídeo
e ganharam notoriedade nas redes sociais, como noticiou a Folha.
É importante situar nas devidas proporções o
que acontece na metrópole. Apesar de roubos e homicídios dolosos terem atingido
no estado o menor patamar da série história deste século, o número de casos de
latrocínio teve pequena alta, de
167 contados em 2023 para 170 no ano passado, puxada pela capital.
Na maior cidade brasileira, 53
pessoas foram vítimas desse crime em 2024, 10 a mais do que no ano
anterior. Quando se leva em conta o numero de habitantes, o estado tem a menor
taxa de homicídios do país e a 16ª maior de latrocínios, segundo dados do
Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), do Ministério da
Justiça.
Ainda que os números não indiquem alguma
anomalia em relação ao cenário nacional, é plenamente compreensível que os
episódios despertem preocupação e temores na população. Eles expõem, ademais, a
dificuldade da polícia em elucidar os crimes, o que demanda a atenção da gestão
do governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos).
A lentidão no progresso das investigações em
uma amostra de 10 casos acompanhados pela Folha —em 6 deles, não há
suspeitos presos— condiz com a deficiência das apurações criminais no estado e
no país.
Em novembro do ano passado, levantamento do
Instituto Sou da Paz intitulado "Onde Mora a Impunidade" revelou que,
em 2022, São Paulo esclareceu 40% dos homicídios dolosos —a
média nacional foi de 39%, e a mundial, 63%.
Latrocínio é um crime violento que requer, de
um lado, policiamento ostensivo inteligente em áreas em que há mais casos
recorrentes e, de outro, um trabalho árduo de investigação e mapeamento de
grupos organizados com acesso a armas.
Como aponta um analista ouvido pela reportagem, a elucidação pode ser mais difícil que no homicídio, em que o criminoso muitas vezes é um conhecido da vítima. Convém que as autoridades atentem para esse desafio.
Apagão de dados na saúde é inaceitável
O Globo
Espera por consulta no SUS chega a dois
meses. Só que 13 estados nem fornecem informações regulares
São estarrecedoras as informações sobre o
Sistema Único de Saúde obtidas pelo GLOBO junto ao Ministério da Saúde. Há
registro de 5,7 milhões de brasileiros à espera de consulta e de 600,4 mil
aguardando cirurgia. Pelos dados disponíveis, a espera média para cirurgia é de
52 dias, o sêxtuplo da registrada em 2013. Para consulta com especialista, 57
dias (o triplo de 2010). E esses números podem ser ainda piores, pois não há
informações regulares e consistentes para 13 estados, entre eles São Paulo,
Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Dez capitais,
incluindo São Paulo e Belo Horizonte, nem sequer estão integradas ao sistema
federal.
O apagão de dados sobre saúde — uma das
maiores preocupações dos brasileiros de acordo com as pesquisas de opinião —
torna impossível fazer uma gestão minimamente aceitável do SUS. Somente depois
de questionado pelo GLOBO, o ministério publicou portaria prevendo a criação de
um novo sistema de coleta de informação e tornando obrigatório o envio de
atualizações sobre o tempo de espera. Motivo para urgência não falta.
Uma das hipóteses para a espera ter aumentado
é o represamento durante a pandemia. Quando casos de Covid-19 lotavam os
hospitais, consultas e cirurgias não urgentes foram adiadas ou suspensas. Mas
isso não explica por que o tempo de espera tem aumentado de forma consistente
há pelo menos 16 anos. Não se trata de falta de dinheiro. A despesa federal com
saúde cresceu 22% em termos reais desde 2019. Com o fim do teto de gastos,
chegou a R$ 202 bilhões no ano passado.
Um fato é inequívoco: a multiplicação de
emendas parlamentares torna esse gasto menos eficiente. Estados e prefeituras
beneficiados com verbas para hospitais e postos de saúde não são
necessariamente aqueles com maior fila de espera, mas sim aqueles cujos
deputados ou senadores detêm mais poder no Congresso. No ano passado, as
emendas para saúde somaram R$ 27 bilhões.
Criado pela Constituição de 1988, o SUS é uma
conquista. Poucos países de renda média têm um serviço de saúde pública com a
abrangência do brasileiro. Zelar para que tenha uma gestão de primeira linha
deveria ser prioridade. Sem saber quanto tempo os pacientes ficam na fila de
espera, não há como tomar as melhores decisões para reduzir o problema. Idas e
vindas sem fim em diferentes filas também não fazem sentido. Na saúde, mais que
em qualquer outra área do serviço público, escolhas equivocadas têm custo irreparável.
Em doenças como câncer, a demora pode ser a diferença entre a vida e a morte.
Garantir informações fidedignas e uma gestão
mais eficaz, de modo que a população tenha acesso a saúde de qualidade no
momento em que necessita, é a principal missão do recém-empossado ministro
Alexandre Padilha. Ele e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva serão cobrados
por isso nas urnas.
Atuação empresarial na conservação ambiental
precisa ser encorajada
O Globo
Governo do Pará se prepara para lançar novo
modelo de concessão de área florestal à iniciativa privada
Na contagem regressiva para a COP30 de Belém,
o Brasil se prepara para lançar um novo modelo de parceria público-privada para
restaurar e proteger a Floresta Amazônica. Será oferecida a empresas privadas
na Bolsa de Valores B3, no dia 28, parte dos 10,3 mil hectares da Área de
Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, no Pará. O objetivo é gerar emprego
e renda por meio da venda de créditos de carbono, mas não só. Por 40 anos,
também será permitida exploração sustentável da madeira de espécies nativas e
de outros serviços ambientais. O governador do Pará, Helder Barbalho, diz que o
negócio tem uma simbologia especial por se tratar de área que havia sido
grilada e desmatada, foi recuperada na Justiça pelo estado e convertida em APA.
A expectativa do governo é movimentar R$ 1,5 bilhão.
O projeto tem como eixo central a ideia de
que conservação e regeneração de áreas florestais não podem se resumir a
combater a grilagem. É preciso também criar alternativas de sustento para a
população local. “Não adianta só deter o desmatamento, tirar o grileiro. É
preciso dar uma opção que substitua a economia que gira em torno. O contrato
prevê que parte da receita volte para o território em empregos, investimentos
sociais e infraestrutura”, diz Olavo Tatsuo Makiyama, gerente de áreas públicas
na Amazônia da The Nature Conservancy (TNC) Brasil, responsável, com um
consórcio de consultorias, pelo apoio técnico ao projeto de concessão. É
correta a ideia de que, se as populações locais tiverem alternativa de emprego
e renda, cairá a pressão sobre a floresta. “Um aspecto fundamental é gerar
renda para quem vive na Amazônia”, afirma a diretora de Políticas Públicas e
Relações Governamentais da TNC, Karem Oliveira.
A operação deverá ser a primeira de várias.
Antes da COP30, marcada para novembro, mais áreas federais e estaduais poderão
constituir um portfólio de concessões. Está em análise no Tribunal de Contas da
União (TCU) a licitação de 98,3 mil hectares da Floresta Nacional do Bom
Futuro, em Rondônia. Ainda na APA Triunfo do Xingu há outras áreas desmatadas
pela grilagem a conceder, num total de 20 mil hectares. O Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) estuda financiar uma garantia para o projeto. O BID entende
que a parceria público-privada permite dar escala aos projetos de
reflorestamento e preservação e cria um mecanismo financeiro com segurança
jurídica e monitoramento.
A APA Triunfo do Xingu perdeu, desde 2008,
4.372km² de florestas, ou 35% do total, segundo dados do Inpe. Situada nos
municípios de Altamira e São Félix do Xingu, ela é 14 vezes maior que o
município do Rio de Janeiro. Como costuma acontecer na Amazônia, áreas
desmatadas foram convertidas em pasto para gado. Os números dão uma dimensão do
trabalho necessário para regenerar e proteger áreas na região. Para atender às
necessidades do meio ambiente, a participação do capital privado se tornou
imprescindível e deve ser encorajada. Com a instituição do novo mercado de
créditos de carbono no Brasil, isso se tornou mais fácil.
Pacote chinês promete bilhões para elevar
renda e consumo
Valor Econômico
Se finalmente estimular o gigantesco mercado de consumo interno, Pequim estará fazendo a coisa certa
A hora da verdade parece ter chegado ao
governo chinês com a intensificação da guerra tarifária desencadeada pelo
presidente Donald Trump. Os desequilíbrios da economia chinesa, expressos em
uma crise imobiliária ainda não debelada, um constante deslizar para a deflação
e queda da demanda por consumidores inseguros terão de ser enfrentados de forma
mais contundente. As exportações, que permitiram a Pequim obter um saldo
comercial de US$ 1 trilhão em 2024, alavancando um terço do crescimento de 5%
do PIB, deixarão cada vez mais de ser uma válvula de escape para a fraqueza da
demanda doméstica. Após reuniões do Congresso Nacional do Povo e de uma
comissão consultiva de alto escalão, o governo anunciou pacotes que indicam que
agora a prioridade será aumentar a renda e os gastos dos chineses, despesas que
serão acompanhadas por investimentos na infraestrutura do bem-estar.
Há ceticismo moderado a respeito. Não foram
divulgados detalhes das medidas tomadas ou em gestação, e há uma década que
Pequim dita que o modelo econômico do país deveria mudar de altos investimentos
em infraestrutura e fortes exportações para outro voltado para o consumo
interno. Mas a cada sinal de crise ao longo dos anos, sob o comando de Xi
Jinping, o governo repetiu seus pacotes anteriores, ampliando a capacidade de
produção de tal maneira que hoje há superoferta e os preços pagos aos
produtores têm deflação por 29 meses consecutivos. O estouro da bolha
imobiliária, em meados de 2023, continua provocando estragos. Preços de imóveis
novos e usados continuaram caindo em fevereiro, embora as quedas sejam bem
menores que antes.
A China já anunciou recentemente auxílios
financeiros que ultrapassam os US$ 580 bilhões disponíveis para enfrentar a
grande crise financeira de 2008, superior até mesmo aos gastos iniciais dos
EUA, onde a crise foi gestada. As medidas dos últimos meses totalizam cerca de
US$ 800 bilhões, mas o grosso delas tem várias finalidades, além de aumentar o
consumo. São bônus especiais lançados pelo governo central (perto de US$ 200
bilhões) e governos estaduais (US$ 600 bilhões). Pequim, porém, com o cerco fechado
por Trump, deve estimular o consumo como saída para enfrentá-lo.
Ao menos US$ 40 bilhões dos títulos especiais
do governo central estão sendo usados para subsidiar a troca de carros,
equipamentos domésticos e utensílios velhos por novos. Com um valor claramente
insuficiente para reativar a demanda, o governo agora prometeu injeção de
recursos diretamente na renda. Ele promete aumentar os salários em geral e o
salário mínimo em particular, assim como as pensões urbanas e rurais. Às voltas
com uma grande taxa de desemprego entre jovens, pretende flexibilizar o emprego
e, para os já empregados, ampliar o período de férias remuneradas.
Além de ampliação direta da renda disponível,
os gastos com investimentos serão em boa parte direcionados à infraestrutura
destinada ao bem-estar dos cidadãos, precária para a segunda maior economia do
mundo. Serão construídas mais creches e clínicas pediátricas. O objetivo,
segundo o primeiro-ministro Li Qiang, será “impulsionar vigorosamente o
consumo” e “reduzir encargos”. Nesse segundo ponto, estão estudos para baratear
o crédito, em especial o financiamento imobiliário, já facilitado por medidas
anteriores. Também no fim de 2024, os juros foram reduzidos, assim como os
compulsórios, que colocaram à disposição dos bancos para empréstimos US$ 140
bilhões.
Xi Jinping quer com suas medidas demonstrar
que não se sente constrangido com as ações de Trump e deu uma resposta política
aos estabelecer como meta de crescimento da China algo “ao redor de 5%”. A meta
de 2024 foi cumprida, e o ano de 2025 começou bem, de certa forma. No primeiro
bimestre, as vendas no varejo aumentaram 4% (12 meses), a produção industrial,
5,9%, e os investimentos, 4,1%.
Permeando todas as medidas estão os gastos
destinados à alta tecnologia, objetivo permanente de Xi. Em 12 meses, por
exemplo, a produção de robôs aumentou 23% e a de wafers para semicondutores
(base para a fabricação de chips), 19,6%, segundo a agência oficial Xinhua.
Notas destoantes continuam sendo emitidas pelo setor imobiliário. Os preços de
residência novas declinaram 3,22% e os investimentos em imóveis, 9,8% em 12
meses.
A reação da economia chinesa, que de maneira
alguma está assegurada ao longo do ano, empurrou os preços do petróleo para
cima, assim como as bolsas locais, que não vivem boa fase. Como retaliação a
Trump, Pequim alvejou US$ 21 bilhões em produtos agrícolas americanos e há
indícios de que acelerou as compras de soja brasileira. É possível que também
dê ainda maior preferência ao Brasil, que lidera nas importações chinesas de
carnes das quais os EUA são o terceiro maior fornecedor. Na economia, a China
tem bom arsenal. Pode dar fortes impulsos monetários a um custo financeiro
baixo, de 1,4% por 10 anos. Se finalmente estimular o gigantesco mercado de
consumo interno, estará fazendo a coisa certa.
O orçamento paralelo de Itaipu
O Estado de S. Paulo
Usina destina R$ 752 milhões para
universidade do PR, tudo fora do Orçamento da União. Ou seja, o consumidor de
energia é quem está pagando pela obra, sem qualquer controle público
O financiamento de R$ 752 milhões que a usina
hidrelétrica de Itaipu se prepara para liberar para as obras da Universidade
Federal da Integração Latino-Americana (Unila), no Paraná, é o mais recente
exemplo da forma deturpada com que Lula da Silva coloca as estatais federais a
serviço dos interesses do lulopetismo e de suas ambições políticas.
Com tamanha sobra de recursos, a usina
deveria contribuir para a redução das tarifas da energia que produz, tornando
mais baratas as contas de luz dos brasileiros, mas, ao invés disso, é
fartamente usada como parte de uma espécie de “orçamento paralelo” para bancar
os gastos do governo, sem qualquer controle público ou necessidade de
negociação política.
As centenas de milhões de reais investidos na
parceria com o Ministério da Educação (MEC) para a conclusão do câmpus
universitário, como revelou uma reportagem do Estadão, são apenas um
exemplo do aumento expressivo nos gastos de Itaipu. Desde 2023, sob a gestão de
Lula da Silva, o número de municípios beneficiados pela usina saltou de 54 para
434, tornando-se uma generosa fonte de recursos federais para todas as cidades
do Paraná e mais 35 no Mato Grosso do Sul.
Os gastos são contabilizados pela usina no
item “outras despesas de exploração” e incluem itens sem qualquer relação com a
geração de energia, como projetos e obras sociais, infraestrutura, apoio
cultural e preservação ambiental, entre outros. Essas despesas contribuem para
deixar a tarifa de energia mais cara.
A esta altura, o consumidor de energia já
deveria ter sido beneficiado pela quitação, em 2023, da dívida pela construção
da usina, representando uma economia de cerca de US$ 1,5 bilhão ao ano para a
Itaipu Binacional. No entanto, a conta de luz segue alta porque embute gastos
do governo, como o investimento de R$ 15 milhões para ajudar a bancar um evento
paralelo à cúpula do G-20 no Rio, em novembro passado, que teve como estrela a
primeira-dama Janja da Silva.
Lula da Silva faz questão de apregoar sua
visão de que Itaipu tem de servir ao Estado, como, aliás, é o seu pensamento
sobre todas as estatais, empresas de economia mista e até ex-estatais que
passaram à iniciativa privada, como Vale e Eletrobras.
No ano passado, Lula falou sobre a atuação da
usina como financiadora de projetos públicos: “Quando temos uma empresa
pública, mesmo sendo binacional, que tem volume de rentabilidade, é preciso que
você utilize uma parte desse dinheiro dando ao povo melhor qualidade de vida”.
Destacou ainda que o diretor-geral brasileiro da empresa, Enio Verri, petista
que renunciou ao terceiro mandato na Câmara para assumir o cargo, tem sido “uma
surpresa extraordinária”, entre outras coisas pela qualidade que Lula mais preza
entre executivos, isto é, “muita vontade de fazer política social”.
Como mostrou a reportagem do Estadão, os
repasses de Itaipu à “política social” à qual se refere Lula da Silva passaram
de R$ 124,8 milhões em 2018 para R$ 893,7 milhões em 2023, ou seja, sete vezes
mais. Além da burla ao Orçamento federal e do desvirtuamento da principal
função da usina – fornecer energia elétrica a mais barata possível para os
consumidores brasileiros –, especialistas ouvidos por este jornal também
criticam a falta de transparência desse tipo de despesa. O presidente da Frente
Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, lembrou que, na
planilha de custos de Itaipu, os gastos “socioambientais” da usina crescem mais
do que investimentos em compra de equipamentos, linhas de transmissão e
unidades geradoras de energia.
Sem entrar no mérito de cada projeto, a
função de Itaipu não é bancar políticas públicas, assim como essa também não é
a função da Petrobras nem de qualquer outra companhia com participação integral
ou parcial do governo. A União pode usar o retorno que recebe dessas empresas,
por meio do pagamento de participações no lucro, para financiar investimentos
públicos e transferir recursos a municípios e a Estados, desde que de forma
transparente, fazendo constar no Orçamento federal a destinação desses recursos
e sem interferir no caixa de quaisquer empresas. Não é tão difícil – a não ser
que o objetivo seja gastar dinheiro público sem ter de passar pelos controles
democráticos.
Demonstração de fraqueza
O Estado de S. Paulo
Fiasco do ato no Rio, que deveria servir para
Bolsonaro exibir força popular em favor do projeto para livrá-lo da prisão,
mostra que essa pauta só interessa ao ex-presidente, e não ao País
Jair Bolsonaro fracassou miseravelmente ao
convocar um ato em Copacabana que reuniria “1 milhão de pessoas”, segundo sua
projeção, com o evidente propósito de demonstrar força política às vésperas do
julgamento da denúncia oferecida contra ele ao Supremo Tribunal Federal (STF).
No domingo passado, até fez calor na orla mais famosa do Brasil, mas, se
houvesse um termômetro no calçadão do Posto 5 para medir a capacidade de
Bolsonaro para mobilizar as massas em torno de uma pauta que só interessa a ele
– a anistia aos golpistas –, o aparelho teria congelado em pleno verão carioca.
Especialistas nesse tipo de monitoramento, de
diferentes entidades, calculam que havia entre 18 mil e 30 mil pessoas, número
muito abaixo do que o bolsonarismo costuma mobilizar, sobretudo no Rio, reduto
do ex-presidente. Diante desse fiasco, foi comovente o esforço do governador do
Rio, o bolsonarista Cláudio Castro (PL), de fazer parecer que havia mais gente
– 400 mil pessoas, segundo o cálculo doidivanas da Polícia Militar fluminense.
Seja qual tenha sido o número de cidadãos que
saíram de casa para emprestar apoio a um golpista que ainda insiste em atacar
as instituições republicanas e insinuar que venceu a eleição de 2022, é fato
que havia muito menos gente em Copacabana do que Bolsonaro imaginou que
haveria. Parece evidente que o poder mobilizador de Bolsonaro está diminuindo,
o que é uma péssima notícia para quem precisa de apoio político para escapar da
prisão e uma ótima notícia para um Brasil exausto das patranhas do capitão.
Restou claro que o perdão aos golpistas,
absolutamente inaceitável num país que se pretende sério, não é uma pauta do
Brasil. Não é nem sequer pauta de uma direita responsável, uma direita que,
genuinamente, preocupa-se em oferecer uma alternativa político-eleitoral ao
governo de turno coadunada com os anseios comuns à maioria dos brasileiros. A
anistia é uma agenda que só interessa a Bolsonaro, uma espécie de boia para o
encalacrado ex-presidente à beira de acertar suas contas com a Justiça.
Desde o início de sua vida pública, Bolsonaro
se notabilizou pela insurgência contra os princípios democráticos mais
elementares. Sempre foi um vândalo político, personificando, com o passar do
tempo, as figuras do mau militar, do mau parlamentar e, enfim, do mau
presidente. Ao longo desse tempo, Bolsonaro sempre se safou. Quando deveria ter
sido expulso em desonra do Exército, concertou-se uma saída no âmbito do
Superior Tribunal Militar (STM). Quando deveria ter sido expelido da Câmara dos
Deputados por quebra de decoro um sem-número de vezes, contou com o espírito de
corpo. Quando deveria ter sido apeado da Presidência da República em razão da
pletora de crimes de responsabilidade que cometeu, Bolsonaro contou com o
cálculo político de seus adversários.
Agora, que a pesada fatura de seus ataques à
democracia parece estar chegando, Bolsonaro, decerto muito angustiado com o
destino jurídico-penal que o aguarda, parte em sôfrega campanha por uma anistia
que não tem lugar num Brasil que se projeta mais civilizado e mais democrático
no futuro. Nem que para isso ele tenha de ludibriar seu próprio público com a
falácia de que estaria preocupado com “as senhoras idosas” que teriam sido
condenadas pelo STF por sua participação nos atos golpistas. É possível avaliar
que, de fato, o STF pode ter sido excessivamente severo ao dosar as penas de
determinados condenados pela insurgência violenta contra a eleição de Lula da
Silva, algumas delas somando mais de 17 anos de prisão. Outra coisa, muito
diferente, é pugnar pelo perdão dos que tentaram derrubar a ordem
constitucional vigente desde 1988 como nunca se tentou desde a redemocratização
do País.
Ao apresentar a anistia como se fosse uma
prioridade nacional, Bolsonaro abastarda uma das principais conquistas da
sociedade nestes 40 anos de Brasil redemocratizado: a luta pelo aprimoramento
de nossa democracia não se coaduna com o perdão àqueles que tentaram destruir
suas fundações. Como ficou claro, o povo brasileiro não apoiará quem, por
conveniência, tenta manipular a memória coletiva e distorcer os fatos em
benefício próprio.
Tietê limpo é questão de fé
O Estado de S. Paulo
SP promete que o rio estará melhor até 2029.
Quem sabe desta vez seja para valer
Em entrevista a este jornal, a secretária
estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo, Natália
Resende, afirmou que a qualidade dos Rios Tietê e Pinheiros melhorará até 2029,
ano que a recém-privatizada Sabesp tem como meta para a universalização do
saneamento básico no Estado.
De acordo com a secretária, os rios devem ser
mais límpidos, com odor e cor melhores até 2029. No entanto, ela ressalvou que
“Tietê e Pinheiros são rios urbanos, então você não vai conseguir beber a
água”.
De fato, ao contrário do que prometeu o
governador Luiz Antônio Fleury Filho no longínquo ano de 1992, ninguém espera
matar a sede à beira das marginais que cruzam a capital paulista. Logo, a fala
da secretária é equilibrada.
Mas quando se trata da despoluição desses
cursos de água vitais para o Estado como um todo, o cidadão tem todos os
motivos para ser descrente.
De Fleury ao atual governador, Tarcísio de
Freitas, que chegou a anunciar a despoluição dos rios até 2026 – quando finda
seu mandato –, sucessivos governos prometeram a tão desejada limpeza dos rios.
Os prazos para que os rios sejam efetivamente
despoluídos são frequentemente empurrados para um futuro que nunca chega. E por
mais que seja impossível não reconhecer que houve, sim, sensível melhora no
aspecto de ambos os rios, o sentimento após décadas, e bilhões de reais
investidos, é de frustração.
Em 2024, por exemplo, a meta de
desassoreamento estabelecida pelo próprio governo não foi cumprida. A retirada
de sedimentos que diminuem a profundidade e aumentam o risco de transbordo dos
rios foi 13% inferior aos 1,670 milhão de metros cúbicos previstos.
Em sua defesa, a gestão Tarcísio de Freitas
argumenta ter removido volume sem precedentes de sedimentos e afirma que não
foi possível cumprir a meta, classificada pelo governo estadual de “desafio
histórico”, porque o nível de assoreamento do Tietê na região de Pirapora do
Bom Jesus é altíssimo (90%).
Ao longo de todos esses anos, um dos maiores
entraves para a despoluição dos rios reside justamente na falta de coordenação
entre os diferentes municípios cobertos pela Bacia Hidrográfica do Alto Tietê,
bem como pela ocupação desordenada do território.
Na entrevista ao Estadão, a secretária
Natália Resende afirmou que o governo estadual vem buscando apoiar municípios
paulistas, lembrando que das 645 cidades do Estado, 130 têm planos específicos
de drenagem desatualizados.
Já não era sem tempo. Mas como essa questão
se arrasta há anos, talvez seja mais prudente alinhar estratégias entre os
governos municipais e o estadual antes que se fale em rio mais limpo neste ou
naquele ano.
É preciso combinar celeridade e estratégia para que, tal qual em outras metrópoles globais, o Tietê e o Pinheiros deixem para trás a aparência degradada e o cheiro nauseante, e se tornem, como defende a secretária, fontes de orgulho para a população, como um dia já foram.
Anistia e pacificação
Correio Braziliense
A anistia é sábia medida jurídica pensada com
o objetivo de superar os erros do passado e conciliar a nação no difícil
enfrentamento do presente
A anistia, como instrumento jurídico e
político, tem sido uma ferramenta essencial na construção da identidade
brasileira, amenizando as crises políticas, disputas e divisões que tanto
marcaram nossa história. Desde o período colonial até os dias atuais, o Brasil
experimentou intensos conflitos internos e políticos, cujos desfechos nem
sempre foram pacíficos. Nesse sentido, a concessão de anistias se revelou como
um caminho de pacificação, permitindo a reconciliação da sociedade e a
continuidade do desenvolvimento nacional sem vinganças e perseguições.
Durante o Império, figuras como Duque de
Caxias desempenharam um papel fundamental na pacificação das revoltas, não
apenas por meio de estratégias militares, mas também por suas habilidades
humanas em unir as partes conflitantes. Caxias foi um exemplo de liderança que
não apenas considerava os interesses políticos, mas também as pessoas, algo
fundamental para uma verdadeira reconciliação.
No século 20, o Brasil passou por momentos de
grande turbulência política, entre eles, a Revolta de 22, as Revoluções de 30 e
32, a Intentona Comunista de 35, a Era Vargas (1930 a 1945) e o Regime Militar
(1964 a 1985).
No governo de Getúlio Vargas, o instrumento
da anistia teve um papel fundamental. Em momentos de tensão política, Vargas
concedeu anistias a opositores como forma de restaurar a ordem e integrar
novamente os exilados e presos políticos ao processo de construção do
país.
A Intentona Comunista, um movimento de
oposição ao governo Vargas, é um exemplo emblemático de como a anistia foi
necessária para evitar um maior esgarçamento do tecido social. A tentativa de
golpe liderada por militares e comunistas foi reprimida, mas, após a queda do
Estado Novo e a redemocratização em 1945, muitos dos que foram presos ou
exilados durante esse período receberam anistia, o que permitiu ao Brasil
superar um capítulo de forte repressão e polarização.
Elaborada ainda durante o regime militar, a
Lei da Anistia de 1979 se tornou um marco de reconciliação, apesar das
controvérsias que surgiram em torno dela. Essa lei concedeu anistia ampla,
geral e irrestrita, tanto a opositores do regime quanto aos agentes do Estado
envolvidos em crimes políticos.
Sem dúvidas, essa anistia não só foi o
elemento-chave da transição do país para a democracia plena, mas também uma
demonstração explícita da crença do nosso povo na força desse instrumento
político, tantas vezes usado para a conciliação nacional.
Foi o processo da anistia que permitiu ao
Brasil superar as feridas do regime militar sem derramamento de sangue e
avançar para a redemocratização com a garantia de direitos e liberdades que por
vezes haviam sido suspensos.
Hoje, o Brasil se encontra novamente em um
momento de polarização extrema. A discussão sobre a anistia para os envolvidos
nos atos de vandalismo em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, reacendeu um
debate sobre como trabalhar justiça com reconciliação. A polarização é uma
realidade, mas é importante frisar que a divergência de ideias em si não é um
problema; mas, o extremismo, sim.
A grandeza do Brasil pode ser refletida na
forma como seus cidadãos, líderes e instituições respondem a esses desafios. Se
olharmos para o passado, podemos aprender com os exemplos de pacificação, como
os de Caxias.
Agora é o momento de repetir essa grandeza,
reduzir a polarização extrema e deixar que o país naturalmente avance na
normalidade democrática, sem a "ressurreição" dos enormes entraves
jurídicos já superados política e legalmente. Graças às anistias do passado,
muitos que antes se opunham foram beneficiados e hoje ocupam papéis importantes
na política, na imprensa e na sociedade. Nesse contexto, é importante ressaltar
que uma anistia não é estabelecida para se fazer justiça, como vingança ou reparação,
nem tão pouco decreta esquecimento, mas, sim, trata-se de uma sábia medida
jurídica pensada com o objetivo de superar os erros do passado e conciliar a
nação no difícil enfrentamento do presente.
Se queremos construir um futuro de estabilidade e harmonia, a perseguição aos "inimigos" deve terminar e a polarização extrema, embora inevitável em momentos de debate, precisa ser superada. O exemplo dos grandes pacificadores da nossa história deve ser o farol para que possamos, todos juntos e unidos, avançar como irmãos brasileiros rumo a um futuro mais justo e próspero.
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