terça-feira, 18 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Política deveria ficar fora do julgamento de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Protesto esvaziado indica que muitos apoiadores não endossam anistia; melhor é garantir devido processo legal no STF

Está fracassando a linha de reação de Jair Bolsonaro (PL) ao cerco judicial que se fecha sobre ele. Apostou numa mobilização popular que pudesse intimidar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), prestes a julgar a denúncia que o acusa de chefiar uma tentativa de golpe de Estado.

Segundo estimativa do Datafolhacerca de 30 mil pessoas estiveram no ato de domingo (16), promovido no Rio para defender anistia aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023 —e, nem tão implicitamente, ao próprio ex-mandatário.

O baixo entusiasmo pelas proclamações de Copacabana talvez reflita o ruído da mensagem do líder direitista. Bolsonaro mal disfarça que seu maior desejo é livrar-se ele próprio da cadeia, mas por que queimar etapas e exigir anistia política se o seu processo judicial nem sequer começou?

Outra fragilidade do ex-presidente é portar-se como candidato tendo contra si a inelegibilidade decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Quando nem seus mais fiéis aliados acreditam que Jair Bolsonaro estará na cédula em 2026, suas pregações em contrário caem no vazio.

As marchas bolsonaristas convertem-se, assim, numa missão sem propósito factível. Não servem para mobilizar a oposição rumo às eleições do ano que vem, pois carecem de hipóteses realistas sobre quem poderá se candidatar, nem serão capazes de exercer pressão política sobre legisladores e julgadores.

Além disso, a defesa técnica de Bolsonaro no Supremo acaba prejudicada pelo seu ativismo. Já não seria fácil, em condições normais, contraditar a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), tanto menos com o acusado incitando parlamentares a anular os efeitos de decisões do tribunal constitucional.

Bolsonaro teria toda a legitimidade para dedicar-se exclusivamente à política partidária como o maior líder da oposição —com chances ponderáveis de eleger-se de novo presidente— caso tivesse seguido as boas práticas na disputa eleitoral de 2022.

Bastava que se abstivesse de discursos e articulações subversivas antes e depois de ser derrotado nas urnas. Porque decidiu seguir outro caminho, o da radicalização e do flerte com soluções autoritárias, seu caso se tornou judicial, deixando de ser político.

Sua melhor possibilidade doravante é tentar convencer a maioria dos ministros, que começam a julgar a denúncia no próximo dia 25, de que as acusações da Procuradoria são infundadas e as provas colhidas no processo são insuficientes para condená-lo pelos crimes contra a democracia.

Sobre os julgadores, espera-se que se mantenham equidistantes de acusação e defesa, adotem todos os procedimentos garantidores do amplo contraditório e do devido processo legal e formem seu juízo em bases estritamente técnicas. Um processo impecável, a despeito do seu desfecho, terá sido o maior legado do tributal constitucional nesse caso.

Latrocínios em foco

Folha de S. Paulo

Capital paulista puxa alta de casos de roubo seguido de morte no estado; é preciso fortalecer inteligência investigativa

Na quinta-feira (13), o agente da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) José Domingos da Silva foi assassinado enquanto trabalhava na zona oeste da cidade de São Paulo. O criminoso surgiu em uma motocicleta, exigiu seus pertences e, após reação de Silva, matou-o a tiros.

O episódio trágico foi gravado pela câmara corporal usada pela vítima, assim como outros casos recentes de latrocínio (roubo seguido de morte) na capital paulista foram de algum modo registrados em vídeo e ganharam notoriedade nas redes sociais, como noticiou a Folha.

É importante situar nas devidas proporções o que acontece na metrópole. Apesar de roubos e homicídios dolosos terem atingido no estado o menor patamar da série história deste século, o número de casos de latrocínio teve pequena alta, de 167 contados em 2023 para 170 no ano passado, puxada pela capital.

Na maior cidade brasileira, 53 pessoas foram vítimas desse crime em 2024, 10 a mais do que no ano anterior. Quando se leva em conta o numero de habitantes, o estado tem a menor taxa de homicídios do país e a 16ª maior de latrocínios, segundo dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), do Ministério da Justiça.

Ainda que os números não indiquem alguma anomalia em relação ao cenário nacional, é plenamente compreensível que os episódios despertem preocupação e temores na população. Eles expõem, ademais, a dificuldade da polícia em elucidar os crimes, o que demanda a atenção da gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

A lentidão no progresso das investigações em uma amostra de 10 casos acompanhados pela Folha —em 6 deles, não há suspeitos presos— condiz com a deficiência das apurações criminais no estado e no país.

Em novembro do ano passado, levantamento do Instituto Sou da Paz intitulado "Onde Mora a Impunidade" revelou que, em 2022, São Paulo esclareceu 40% dos homicídios dolosos —a média nacional foi de 39%, e a mundial, 63%.

Latrocínio é um crime violento que requer, de um lado, policiamento ostensivo inteligente em áreas em que há mais casos recorrentes e, de outro, um trabalho árduo de investigação e mapeamento de grupos organizados com acesso a armas.

Como aponta um analista ouvido pela reportagem, a elucidação pode ser mais difícil que no homicídio, em que o criminoso muitas vezes é um conhecido da vítima. Convém que as autoridades atentem para esse desafio.

Apagão de dados na saúde é inaceitável

O Globo

Espera por consulta no SUS chega a dois meses. Só que 13 estados nem fornecem informações regulares

São estarrecedoras as informações sobre o Sistema Único de Saúde obtidas pelo GLOBO junto ao Ministério da Saúde. Há registro de 5,7 milhões de brasileiros à espera de consulta e de 600,4 mil aguardando cirurgia. Pelos dados disponíveis, a espera média para cirurgia é de 52 dias, o sêxtuplo da registrada em 2013. Para consulta com especialista, 57 dias (o triplo de 2010). E esses números podem ser ainda piores, pois não há informações regulares e consistentes para 13 estados, entre eles São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Dez capitais, incluindo São Paulo e Belo Horizonte, nem sequer estão integradas ao sistema federal.

O apagão de dados sobre saúde — uma das maiores preocupações dos brasileiros de acordo com as pesquisas de opinião — torna impossível fazer uma gestão minimamente aceitável do SUS. Somente depois de questionado pelo GLOBO, o ministério publicou portaria prevendo a criação de um novo sistema de coleta de informação e tornando obrigatório o envio de atualizações sobre o tempo de espera. Motivo para urgência não falta.

Uma das hipóteses para a espera ter aumentado é o represamento durante a pandemia. Quando casos de Covid-19 lotavam os hospitais, consultas e cirurgias não urgentes foram adiadas ou suspensas. Mas isso não explica por que o tempo de espera tem aumentado de forma consistente há pelo menos 16 anos. Não se trata de falta de dinheiro. A despesa federal com saúde cresceu 22% em termos reais desde 2019. Com o fim do teto de gastos, chegou a R$ 202 bilhões no ano passado.

Um fato é inequívoco: a multiplicação de emendas parlamentares torna esse gasto menos eficiente. Estados e prefeituras beneficiados com verbas para hospitais e postos de saúde não são necessariamente aqueles com maior fila de espera, mas sim aqueles cujos deputados ou senadores detêm mais poder no Congresso. No ano passado, as emendas para saúde somaram R$ 27 bilhões.

Criado pela Constituição de 1988, o SUS é uma conquista. Poucos países de renda média têm um serviço de saúde pública com a abrangência do brasileiro. Zelar para que tenha uma gestão de primeira linha deveria ser prioridade. Sem saber quanto tempo os pacientes ficam na fila de espera, não há como tomar as melhores decisões para reduzir o problema. Idas e vindas sem fim em diferentes filas também não fazem sentido. Na saúde, mais que em qualquer outra área do serviço público, escolhas equivocadas têm custo irreparável. Em doenças como câncer, a demora pode ser a diferença entre a vida e a morte.

Garantir informações fidedignas e uma gestão mais eficaz, de modo que a população tenha acesso a saúde de qualidade no momento em que necessita, é a principal missão do recém-empossado ministro Alexandre Padilha. Ele e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva serão cobrados por isso nas urnas.

Atuação empresarial na conservação ambiental precisa ser encorajada

O Globo

Governo do Pará se prepara para lançar novo modelo de concessão de área florestal à iniciativa privada

Na contagem regressiva para a COP30 de Belém, o Brasil se prepara para lançar um novo modelo de parceria público-privada para restaurar e proteger a Floresta Amazônica. Será oferecida a empresas privadas na Bolsa de Valores B3, no dia 28, parte dos 10,3 mil hectares da Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, no Pará. O objetivo é gerar emprego e renda por meio da venda de créditos de carbono, mas não só. Por 40 anos, também será permitida exploração sustentável da madeira de espécies nativas e de outros serviços ambientais. O governador do Pará, Helder Barbalho, diz que o negócio tem uma simbologia especial por se tratar de área que havia sido grilada e desmatada, foi recuperada na Justiça pelo estado e convertida em APA. A expectativa do governo é movimentar R$ 1,5 bilhão.

O projeto tem como eixo central a ideia de que conservação e regeneração de áreas florestais não podem se resumir a combater a grilagem. É preciso também criar alternativas de sustento para a população local. “Não adianta só deter o desmatamento, tirar o grileiro. É preciso dar uma opção que substitua a economia que gira em torno. O contrato prevê que parte da receita volte para o território em empregos, investimentos sociais e infraestrutura”, diz Olavo Tatsuo Makiyama, gerente de áreas públicas na Amazônia da The Nature Conservancy (TNC) Brasil, responsável, com um consórcio de consultorias, pelo apoio técnico ao projeto de concessão. É correta a ideia de que, se as populações locais tiverem alternativa de emprego e renda, cairá a pressão sobre a floresta. “Um aspecto fundamental é gerar renda para quem vive na Amazônia”, afirma a diretora de Políticas Públicas e Relações Governamentais da TNC, Karem Oliveira.

A operação deverá ser a primeira de várias. Antes da COP30, marcada para novembro, mais áreas federais e estaduais poderão constituir um portfólio de concessões. Está em análise no Tribunal de Contas da União (TCU) a licitação de 98,3 mil hectares da Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia. Ainda na APA Triunfo do Xingu há outras áreas desmatadas pela grilagem a conceder, num total de 20 mil hectares. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estuda financiar uma garantia para o projeto. O BID entende que a parceria público-privada permite dar escala aos projetos de reflorestamento e preservação e cria um mecanismo financeiro com segurança jurídica e monitoramento.

A APA Triunfo do Xingu perdeu, desde 2008, 4.372km² de florestas, ou 35% do total, segundo dados do Inpe. Situada nos municípios de Altamira e São Félix do Xingu, ela é 14 vezes maior que o município do Rio de Janeiro. Como costuma acontecer na Amazônia, áreas desmatadas foram convertidas em pasto para gado. Os números dão uma dimensão do trabalho necessário para regenerar e proteger áreas na região. Para atender às necessidades do meio ambiente, a participação do capital privado se tornou imprescindível e deve ser encorajada. Com a instituição do novo mercado de créditos de carbono no Brasil, isso se tornou mais fácil.

Pacote chinês promete bilhões para elevar renda e consumo

Valor Econômico

Se finalmente estimular o gigantesco mercado de consumo interno, Pequim estará fazendo a coisa certa

A hora da verdade parece ter chegado ao governo chinês com a intensificação da guerra tarifária desencadeada pelo presidente Donald Trump. Os desequilíbrios da economia chinesa, expressos em uma crise imobiliária ainda não debelada, um constante deslizar para a deflação e queda da demanda por consumidores inseguros terão de ser enfrentados de forma mais contundente. As exportações, que permitiram a Pequim obter um saldo comercial de US$ 1 trilhão em 2024, alavancando um terço do crescimento de 5% do PIB, deixarão cada vez mais de ser uma válvula de escape para a fraqueza da demanda doméstica. Após reuniões do Congresso Nacional do Povo e de uma comissão consultiva de alto escalão, o governo anunciou pacotes que indicam que agora a prioridade será aumentar a renda e os gastos dos chineses, despesas que serão acompanhadas por investimentos na infraestrutura do bem-estar.

Há ceticismo moderado a respeito. Não foram divulgados detalhes das medidas tomadas ou em gestação, e há uma década que Pequim dita que o modelo econômico do país deveria mudar de altos investimentos em infraestrutura e fortes exportações para outro voltado para o consumo interno. Mas a cada sinal de crise ao longo dos anos, sob o comando de Xi Jinping, o governo repetiu seus pacotes anteriores, ampliando a capacidade de produção de tal maneira que hoje há superoferta e os preços pagos aos produtores têm deflação por 29 meses consecutivos. O estouro da bolha imobiliária, em meados de 2023, continua provocando estragos. Preços de imóveis novos e usados continuaram caindo em fevereiro, embora as quedas sejam bem menores que antes.

A China já anunciou recentemente auxílios financeiros que ultrapassam os US$ 580 bilhões disponíveis para enfrentar a grande crise financeira de 2008, superior até mesmo aos gastos iniciais dos EUA, onde a crise foi gestada. As medidas dos últimos meses totalizam cerca de US$ 800 bilhões, mas o grosso delas tem várias finalidades, além de aumentar o consumo. São bônus especiais lançados pelo governo central (perto de US$ 200 bilhões) e governos estaduais (US$ 600 bilhões). Pequim, porém, com o cerco fechado por Trump, deve estimular o consumo como saída para enfrentá-lo.

Ao menos US$ 40 bilhões dos títulos especiais do governo central estão sendo usados para subsidiar a troca de carros, equipamentos domésticos e utensílios velhos por novos. Com um valor claramente insuficiente para reativar a demanda, o governo agora prometeu injeção de recursos diretamente na renda. Ele promete aumentar os salários em geral e o salário mínimo em particular, assim como as pensões urbanas e rurais. Às voltas com uma grande taxa de desemprego entre jovens, pretende flexibilizar o emprego e, para os já empregados, ampliar o período de férias remuneradas.

Além de ampliação direta da renda disponível, os gastos com investimentos serão em boa parte direcionados à infraestrutura destinada ao bem-estar dos cidadãos, precária para a segunda maior economia do mundo. Serão construídas mais creches e clínicas pediátricas. O objetivo, segundo o primeiro-ministro Li Qiang, será “impulsionar vigorosamente o consumo” e “reduzir encargos”. Nesse segundo ponto, estão estudos para baratear o crédito, em especial o financiamento imobiliário, já facilitado por medidas anteriores. Também no fim de 2024, os juros foram reduzidos, assim como os compulsórios, que colocaram à disposição dos bancos para empréstimos US$ 140 bilhões.

Xi Jinping quer com suas medidas demonstrar que não se sente constrangido com as ações de Trump e deu uma resposta política aos estabelecer como meta de crescimento da China algo “ao redor de 5%”. A meta de 2024 foi cumprida, e o ano de 2025 começou bem, de certa forma. No primeiro bimestre, as vendas no varejo aumentaram 4% (12 meses), a produção industrial, 5,9%, e os investimentos, 4,1%.

Permeando todas as medidas estão os gastos destinados à alta tecnologia, objetivo permanente de Xi. Em 12 meses, por exemplo, a produção de robôs aumentou 23% e a de wafers para semicondutores (base para a fabricação de chips), 19,6%, segundo a agência oficial Xinhua. Notas destoantes continuam sendo emitidas pelo setor imobiliário. Os preços de residência novas declinaram 3,22% e os investimentos em imóveis, 9,8% em 12 meses.

A reação da economia chinesa, que de maneira alguma está assegurada ao longo do ano, empurrou os preços do petróleo para cima, assim como as bolsas locais, que não vivem boa fase. Como retaliação a Trump, Pequim alvejou US$ 21 bilhões em produtos agrícolas americanos e há indícios de que acelerou as compras de soja brasileira. É possível que também dê ainda maior preferência ao Brasil, que lidera nas importações chinesas de carnes das quais os EUA são o terceiro maior fornecedor. Na economia, a China tem bom arsenal. Pode dar fortes impulsos monetários a um custo financeiro baixo, de 1,4% por 10 anos. Se finalmente estimular o gigantesco mercado de consumo interno, estará fazendo a coisa certa.

O orçamento paralelo de Itaipu

O Estado de S. Paulo

Usina destina R$ 752 milhões para universidade do PR, tudo fora do Orçamento da União. Ou seja, o consumidor de energia é quem está pagando pela obra, sem qualquer controle público

O financiamento de R$ 752 milhões que a usina hidrelétrica de Itaipu se prepara para liberar para as obras da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), no Paraná, é o mais recente exemplo da forma deturpada com que Lula da Silva coloca as estatais federais a serviço dos interesses do lulopetismo e de suas ambições políticas.

Com tamanha sobra de recursos, a usina deveria contribuir para a redução das tarifas da energia que produz, tornando mais baratas as contas de luz dos brasileiros, mas, ao invés disso, é fartamente usada como parte de uma espécie de “orçamento paralelo” para bancar os gastos do governo, sem qualquer controle público ou necessidade de negociação política.

As centenas de milhões de reais investidos na parceria com o Ministério da Educação (MEC) para a conclusão do câmpus universitário, como revelou uma reportagem do Estadão, são apenas um exemplo do aumento expressivo nos gastos de Itaipu. Desde 2023, sob a gestão de Lula da Silva, o número de municípios beneficiados pela usina saltou de 54 para 434, tornando-se uma generosa fonte de recursos federais para todas as cidades do Paraná e mais 35 no Mato Grosso do Sul.

Os gastos são contabilizados pela usina no item “outras despesas de exploração” e incluem itens sem qualquer relação com a geração de energia, como projetos e obras sociais, infraestrutura, apoio cultural e preservação ambiental, entre outros. Essas despesas contribuem para deixar a tarifa de energia mais cara.

A esta altura, o consumidor de energia já deveria ter sido beneficiado pela quitação, em 2023, da dívida pela construção da usina, representando uma economia de cerca de US$ 1,5 bilhão ao ano para a Itaipu Binacional. No entanto, a conta de luz segue alta porque embute gastos do governo, como o investimento de R$ 15 milhões para ajudar a bancar um evento paralelo à cúpula do G-20 no Rio, em novembro passado, que teve como estrela a primeira-dama Janja da Silva.

Lula da Silva faz questão de apregoar sua visão de que Itaipu tem de servir ao Estado, como, aliás, é o seu pensamento sobre todas as estatais, empresas de economia mista e até ex-estatais que passaram à iniciativa privada, como Vale e Eletrobras.

No ano passado, Lula falou sobre a atuação da usina como financiadora de projetos públicos: “Quando temos uma empresa pública, mesmo sendo binacional, que tem volume de rentabilidade, é preciso que você utilize uma parte desse dinheiro dando ao povo melhor qualidade de vida”. Destacou ainda que o diretor-geral brasileiro da empresa, Enio Verri, petista que renunciou ao terceiro mandato na Câmara para assumir o cargo, tem sido “uma surpresa extraordinária”, entre outras coisas pela qualidade que Lula mais preza entre executivos, isto é, “muita vontade de fazer política social”.

Como mostrou a reportagem do Estadão, os repasses de Itaipu à “política social” à qual se refere Lula da Silva passaram de R$ 124,8 milhões em 2018 para R$ 893,7 milhões em 2023, ou seja, sete vezes mais. Além da burla ao Orçamento federal e do desvirtuamento da principal função da usina – fornecer energia elétrica a mais barata possível para os consumidores brasileiros –, especialistas ouvidos por este jornal também criticam a falta de transparência desse tipo de despesa. O presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, lembrou que, na planilha de custos de Itaipu, os gastos “socioambientais” da usina crescem mais do que investimentos em compra de equipamentos, linhas de transmissão e unidades geradoras de energia.

Sem entrar no mérito de cada projeto, a função de Itaipu não é bancar políticas públicas, assim como essa também não é a função da Petrobras nem de qualquer outra companhia com participação integral ou parcial do governo. A União pode usar o retorno que recebe dessas empresas, por meio do pagamento de participações no lucro, para financiar investimentos públicos e transferir recursos a municípios e a Estados, desde que de forma transparente, fazendo constar no Orçamento federal a destinação desses recursos e sem interferir no caixa de quaisquer empresas. Não é tão difícil – a não ser que o objetivo seja gastar dinheiro público sem ter de passar pelos controles democráticos.

Demonstração de fraqueza

O Estado de S. Paulo

Fiasco do ato no Rio, que deveria servir para Bolsonaro exibir força popular em favor do projeto para livrá-lo da prisão, mostra que essa pauta só interessa ao ex-presidente, e não ao País

Jair Bolsonaro fracassou miseravelmente ao convocar um ato em Copacabana que reuniria “1 milhão de pessoas”, segundo sua projeção, com o evidente propósito de demonstrar força política às vésperas do julgamento da denúncia oferecida contra ele ao Supremo Tribunal Federal (STF). No domingo passado, até fez calor na orla mais famosa do Brasil, mas, se houvesse um termômetro no calçadão do Posto 5 para medir a capacidade de Bolsonaro para mobilizar as massas em torno de uma pauta que só interessa a ele – a anistia aos golpistas –, o aparelho teria congelado em pleno verão carioca.

Especialistas nesse tipo de monitoramento, de diferentes entidades, calculam que havia entre 18 mil e 30 mil pessoas, número muito abaixo do que o bolsonarismo costuma mobilizar, sobretudo no Rio, reduto do ex-presidente. Diante desse fiasco, foi comovente o esforço do governador do Rio, o bolsonarista Cláudio Castro (PL), de fazer parecer que havia mais gente – 400 mil pessoas, segundo o cálculo doidivanas da Polícia Militar fluminense.

Seja qual tenha sido o número de cidadãos que saíram de casa para emprestar apoio a um golpista que ainda insiste em atacar as instituições republicanas e insinuar que venceu a eleição de 2022, é fato que havia muito menos gente em Copacabana do que Bolsonaro imaginou que haveria. Parece evidente que o poder mobilizador de Bolsonaro está diminuindo, o que é uma péssima notícia para quem precisa de apoio político para escapar da prisão e uma ótima notícia para um Brasil exausto das patranhas do capitão.

Restou claro que o perdão aos golpistas, absolutamente inaceitável num país que se pretende sério, não é uma pauta do Brasil. Não é nem sequer pauta de uma direita responsável, uma direita que, genuinamente, preocupa-se em oferecer uma alternativa político-eleitoral ao governo de turno coadunada com os anseios comuns à maioria dos brasileiros. A anistia é uma agenda que só interessa a Bolsonaro, uma espécie de boia para o encalacrado ex-presidente à beira de acertar suas contas com a Justiça.

Desde o início de sua vida pública, Bolsonaro se notabilizou pela insurgência contra os princípios democráticos mais elementares. Sempre foi um vândalo político, personificando, com o passar do tempo, as figuras do mau militar, do mau parlamentar e, enfim, do mau presidente. Ao longo desse tempo, Bolsonaro sempre se safou. Quando deveria ter sido expulso em desonra do Exército, concertou-se uma saída no âmbito do Superior Tribunal Militar (STM). Quando deveria ter sido expelido da Câmara dos Deputados por quebra de decoro um sem-número de vezes, contou com o espírito de corpo. Quando deveria ter sido apeado da Presidência da República em razão da pletora de crimes de responsabilidade que cometeu, Bolsonaro contou com o cálculo político de seus adversários.

Agora, que a pesada fatura de seus ataques à democracia parece estar chegando, Bolsonaro, decerto muito angustiado com o destino jurídico-penal que o aguarda, parte em sôfrega campanha por uma anistia que não tem lugar num Brasil que se projeta mais civilizado e mais democrático no futuro. Nem que para isso ele tenha de ludibriar seu próprio público com a falácia de que estaria preocupado com “as senhoras idosas” que teriam sido condenadas pelo STF por sua participação nos atos golpistas. É possível avaliar que, de fato, o STF pode ter sido excessivamente severo ao dosar as penas de determinados condenados pela insurgência violenta contra a eleição de Lula da Silva, algumas delas somando mais de 17 anos de prisão. Outra coisa, muito diferente, é pugnar pelo perdão dos que tentaram derrubar a ordem constitucional vigente desde 1988 como nunca se tentou desde a redemocratização do País.

Ao apresentar a anistia como se fosse uma prioridade nacional, Bolsonaro abastarda uma das principais conquistas da sociedade nestes 40 anos de Brasil redemocratizado: a luta pelo aprimoramento de nossa democracia não se coaduna com o perdão àqueles que tentaram destruir suas fundações. Como ficou claro, o povo brasileiro não apoiará quem, por conveniência, tenta manipular a memória coletiva e distorcer os fatos em benefício próprio.

Tietê limpo é questão de fé

O Estado de S. Paulo

SP promete que o rio estará melhor até 2029. Quem sabe desta vez seja para valer

Em entrevista a este jornal, a secretária estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo, Natália Resende, afirmou que a qualidade dos Rios Tietê e Pinheiros melhorará até 2029, ano que a recém-privatizada Sabesp tem como meta para a universalização do saneamento básico no Estado.

De acordo com a secretária, os rios devem ser mais límpidos, com odor e cor melhores até 2029. No entanto, ela ressalvou que “Tietê e Pinheiros são rios urbanos, então você não vai conseguir beber a água”.

De fato, ao contrário do que prometeu o governador Luiz Antônio Fleury Filho no longínquo ano de 1992, ninguém espera matar a sede à beira das marginais que cruzam a capital paulista. Logo, a fala da secretária é equilibrada.

Mas quando se trata da despoluição desses cursos de água vitais para o Estado como um todo, o cidadão tem todos os motivos para ser descrente.

De Fleury ao atual governador, Tarcísio de Freitas, que chegou a anunciar a despoluição dos rios até 2026 – quando finda seu mandato –, sucessivos governos prometeram a tão desejada limpeza dos rios.

Os prazos para que os rios sejam efetivamente despoluídos são frequentemente empurrados para um futuro que nunca chega. E por mais que seja impossível não reconhecer que houve, sim, sensível melhora no aspecto de ambos os rios, o sentimento após décadas, e bilhões de reais investidos, é de frustração.

Em 2024, por exemplo, a meta de desassoreamento estabelecida pelo próprio governo não foi cumprida. A retirada de sedimentos que diminuem a profundidade e aumentam o risco de transbordo dos rios foi 13% inferior aos 1,670 milhão de metros cúbicos previstos.

Em sua defesa, a gestão Tarcísio de Freitas argumenta ter removido volume sem precedentes de sedimentos e afirma que não foi possível cumprir a meta, classificada pelo governo estadual de “desafio histórico”, porque o nível de assoreamento do Tietê na região de Pirapora do Bom Jesus é altíssimo (90%).

Ao longo de todos esses anos, um dos maiores entraves para a despoluição dos rios reside justamente na falta de coordenação entre os diferentes municípios cobertos pela Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, bem como pela ocupação desordenada do território.

Na entrevista ao Estadão, a secretária Natália Resende afirmou que o governo estadual vem buscando apoiar municípios paulistas, lembrando que das 645 cidades do Estado, 130 têm planos específicos de drenagem desatualizados.

Já não era sem tempo. Mas como essa questão se arrasta há anos, talvez seja mais prudente alinhar estratégias entre os governos municipais e o estadual antes que se fale em rio mais limpo neste ou naquele ano.

É preciso combinar celeridade e estratégia para que, tal qual em outras metrópoles globais, o Tietê e o Pinheiros deixem para trás a aparência degradada e o cheiro nauseante, e se tornem, como defende a secretária, fontes de orgulho para a população, como um dia já foram.

Anistia e pacificação

Correio Braziliense

A anistia é sábia medida jurídica pensada com o objetivo de superar os erros do passado e conciliar a nação no difícil enfrentamento do presente

A anistia, como instrumento jurídico e político, tem sido uma ferramenta essencial na construção da identidade brasileira, amenizando as crises políticas, disputas e divisões que tanto marcaram nossa história. Desde o período colonial até os dias atuais, o Brasil experimentou intensos conflitos internos e políticos, cujos desfechos nem sempre foram pacíficos. Nesse sentido, a concessão de anistias se revelou como um caminho de pacificação, permitindo a reconciliação da sociedade e a continuidade do desenvolvimento nacional sem vinganças e perseguições.

Durante o Império, figuras como Duque de Caxias desempenharam um papel fundamental na pacificação das revoltas, não apenas por meio de estratégias militares, mas também por suas habilidades humanas em unir as partes conflitantes. Caxias foi um exemplo de liderança que não apenas considerava os interesses políticos, mas também as pessoas, algo fundamental para uma verdadeira reconciliação.

No século 20, o Brasil passou por momentos de grande turbulência política, entre eles, a Revolta de 22, as Revoluções de 30 e 32, a Intentona Comunista de 35, a Era Vargas (1930 a 1945) e o Regime Militar (1964 a 1985).

No governo de Getúlio Vargas, o instrumento da anistia teve um papel fundamental. Em momentos de tensão política, Vargas concedeu anistias a opositores como forma de restaurar a ordem e integrar novamente os exilados e presos políticos ao processo de construção do país. 

A Intentona Comunista, um movimento de oposição ao governo Vargas, é um exemplo emblemático de como a anistia foi necessária para evitar um maior esgarçamento do tecido social. A tentativa de golpe liderada por militares e comunistas foi reprimida, mas, após a queda do Estado Novo e a redemocratização em 1945, muitos dos que foram presos ou exilados durante esse período receberam anistia, o que permitiu ao Brasil superar um capítulo de forte repressão e polarização.

Elaborada ainda durante o regime militar, a Lei da Anistia de 1979 se tornou um marco de reconciliação, apesar das controvérsias que surgiram em torno dela. Essa lei concedeu anistia ampla, geral e irrestrita, tanto a opositores do regime quanto aos agentes do Estado envolvidos em crimes políticos. 

Sem dúvidas, essa anistia não só foi o elemento-chave da transição do país para a democracia plena, mas também uma demonstração explícita da crença do nosso povo na força desse instrumento político, tantas vezes usado para a conciliação nacional.

Foi o processo da anistia que permitiu ao Brasil superar as feridas do regime militar sem derramamento de sangue e avançar para a redemocratização com a garantia de direitos e liberdades que por vezes haviam sido suspensos.

Hoje, o Brasil se encontra novamente em um momento de polarização extrema. A discussão sobre a anistia para os envolvidos nos atos de vandalismo em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, reacendeu um debate sobre como trabalhar justiça com reconciliação. A polarização é uma realidade, mas é importante frisar que a divergência de ideias em si não é um problema; mas, o extremismo, sim.

A grandeza do Brasil pode ser refletida na forma como seus cidadãos, líderes e instituições respondem a esses desafios. Se olharmos para o passado, podemos aprender com os exemplos de pacificação, como os de Caxias.

Agora é o momento de repetir essa grandeza, reduzir a polarização extrema e deixar que o país naturalmente avance na normalidade democrática, sem a "ressurreição" dos enormes entraves jurídicos já superados política e legalmente. Graças às anistias do passado, muitos que antes se opunham foram beneficiados e hoje ocupam papéis importantes na política, na imprensa e na sociedade. Nesse contexto, é importante ressaltar que uma anistia não é estabelecida para se fazer justiça, como vingança ou reparação, nem tão pouco decreta esquecimento, mas, sim, trata-se de uma sábia medida jurídica pensada com o objetivo de superar os erros do passado e conciliar a nação no difícil enfrentamento do presente. 

Se queremos construir um futuro de estabilidade e harmonia, a perseguição aos "inimigos" deve terminar e a polarização extrema, embora inevitável em momentos de debate, precisa ser superada. O exemplo dos grandes pacificadores da nossa história deve ser o farol para que possamos, todos juntos e unidos, avançar como irmãos brasileiros rumo a um futuro mais justo e próspero.

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