terça-feira, 18 de março de 2025

Governo cobra faturas sem garantia para 2026 - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Alcolumbre é cobrado a retribuir a deferência com a qual tem sido agraciado pelos Poderes

O acordo para a votação do Orçamento é o início do pacto firmado com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-DF) e Davi Alcolumbre (União-DF), e passa pelo destravamento de emendas empoçadas pelas exigências do ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino.

O pacto segue nesta terça com a apresentação conjunta, entre os chefes dos Três Poderes, do projeto que prevê a isenção de IR para salários até R$ 5 mil. Se tudo correr como combinado, o congraçamento culminará com a viagem ao Japão no dia 24, para a qual ambos foram convidados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O acordo é o início do reequilíbrio de uma balança que, até aqui, foi deficitária para o Executivo e o Judiciário, principalmente na relação com o presidente do Senado. Alcolumbre personifica a hipertrofia legislativa muito mais do que o presidente da Câmara porque Motta ainda é caudatário do deputado Arthur Lira (PP-AL). Já Alcolumbre nunca saiu do poder.

O senador ganhou desde a posse um ministro do Amapá (Waldez Góes) que não entrou na cota de partido algum. Também ganhará uma avenida com a exploração da Margem Equatorial do pré-sal, pela qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem passado por cima do Ibama e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Há um mês, durante viagem de Lula ao Amapá, Alcolumbre foi agraciado com a doação de terras da União, velha demanda de um Estado que tem na grilagem um de seus maiores negócios. Foi a segunda visita de Lula ao Estado neste mandato. O Amapá tem 0,35% do eleitorado nacional.

O Executivo não é o único credor. Aliados de Alcolumbre foram os mais beneficiados pela decisão do Supremo Tribunal Federal que passou por cima do princípio constitucional da anualidade para fazer valer, sobre a bancada eleita em 2022, decisão do ano passado sobre a distribuição de sobras eleitorais que mudou a titularidade de sete cadeiras na Câmara.

Em janeiro, inquérito que apura desvio de emendas parlamentares para obras e serviços superfaturados majoritariamente para prefeituras do União foi sorteado para Nunes Marques, o ministro mais aberto aos argumentos da defesa de acusados. Aquele em questão, Marcos Moura, o “rei do lixo”, é um integrante da executiva partido de Alcolumbre e interlocutor de suas principais lideranças.

É bem verdade que Alcolumbre não levou todas. Tentou emplacar seu antecessor na Presidência do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no Ministério das Minas e Energia mas esbarrou na blindagem de que desfruta o atual titular, Alexandre Silveira, que prepara uma reforma no setor. Como as duas Casas parecem ter se posto de acordo sobre o rito, pode até vir por medida provisória.

Parece improvável que Alcolumbre e Pacheco tenham encontrado Lula neste fim de semana sem terem sido alertados sobre o que está por vir. Os planos atingem interesses, principalmente, do empresário Carlos Suarez cujos aliados, no Congresso, são mais graúdos do que aqueles beneficiados pela quermesse das emendas.

Se o Executivo tenta equilibrar o jogo, o pêndulo com o Supremo só tende a se ajustar em 2027. A mão de ferro que Alcolumbre manteve, desde 2019, sobre a distribuição de emendas no Congresso deixou brechas suficientemente incômodas para que não possa fugir do compromisso de conter a boiada em 2027. Os pedidos de impeachment de ministros do STF podem ganhar tração se a extrema-direita avançar no Senado. Para isso, o bolsonarismo ainda serve.

O entendimento de Alcolumbre com Lula sugere que a governabilidade, aos trancos e barrancos, possa até estar assegurada. A conta de 2026 é que pode ficar pesada.

Largamente beneficiada pela quermesse das emendas, em decorrência da ansiedade de seus parlamentares, eleitos pelo voto de opinião, formarem base eleitoral, a direita já começou a jogar o orçamento secreto no colo do governo. Tome-se, por exemplo, uma entrevista dada na semana passada a uma rádio do Ceará pelo ex-deputado federal Capitão Wagner (PL-CE), que busca voltar ao Congresso.

Ele relatou o que se passa no município de Choró (CE), cuja eleição foi ganha por um prefeito que começou a vida dirigindo ambulância, enriqueceu transportando droga, montou frotas para prestar serviços a prefeituras e lavar dinheiro e, assim, entrou na política. “O problema não é só venda de emenda, é envolvimento com facções”, disse Wagner sobre o prefeito que hoje está foragido e, segundo disse, comanda a cidade a partir de uma favela do Rio.

O parlamentar em questão era do PL e hoje está no PSB. Tanto o partido quanto o parlamentar estão seguros de que sua assinatura não consta das emendas desviadas, graças a subterfúgios que permitem que até o líder do governo possa subscrevê-las. De tão seguros, o lançaram ao Senado em evento para o qual o senador Cid Gomes (PSB-CE) convidou o vice-presidente Geraldo Alckmin.

O ministro do STF que cuida do caso já recebeu as investigações complementares da Polícia Federal. Se é ingênuo supor que lideranças governistas venham a ser atingidas, a fatura pode vir das urnas. A extrema-direita chegou ao poder em 2018 cavalgando a corrupção e a segurança pública. O esquema das emendas fez a proeza de juntá-los e a nova versão do orçamento secreto só o reforça. É ilusão achar que o fiasco de Copacabana deste domingo tenha liquidado suas chance

 

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