Correio Braziliense
Separados por 40 anos, Tancredo e o papa
foram responsáveis, cada um à sua maneira, por se entregarem à missão de
transmitir esperança e fé em dias melhores
Dia 21 de abril ficou fixado no calendário
brasileiro como o Dia de Tiradentes, tornando-se feriado nacional desde 1890,
por meio de um decreto do governo provisório chefiado por Deodoro da Fonseca. A
República, proclamada no ano anterior, encontrou no alferes um símbolo
importante como contraponto à monarquia. Sessenta anos depois, no governo
Dutra, é promulgada a Lei 1.266/1950 que, em seu Artigo 3º, estabelece: "é
feriado nacional o dia 21 de abril, consagrado à glorificação de Tiradentes e
anseios de independência do país e liberdade individual".
Interessante registrar que o texto legal refletia o momento político do pós-Segunda Guerra, marcado pelo anseio por democracia, após o longo período do Estado Novo, e por um forte sentimento nacionalista, em que a campanha "O petróleo é nosso" foi um dos principais símbolos. Essas ideias-força mantiveram-se presentes no imaginário popular e foram elementos de destaque nas campanhas presidenciais de 1950, 1955 e 1960.
Mesmo durante boa parte da ditadura, iniciada
com o golpe de 1964, os governantes fizeram campanhas publicitárias em que
nacionalistas eram o carro-chefe. "Brasil, ame-o ou deixe-o",
"Esse é um país que vai pra frente" e "Quem não vive para servir
ao Brasil, não serve para viver no Brasil" foram divulgados massivamente
nos meios de comunicação, além de adesivos colados nos vidros de centenas de
milhares de carros e janelas residenciais.
Porém, para a parcela da minha geração
nascida no fim dos anos 1950 e que lutou pelo restabelecimento da democracia em
nosso país, essa data revela um fato tão triste quanto relevante. Há 40 anos,
nesse mesmo dia, morria Tancredo Neves, após pouco mais de três meses de
sofrimento e agonia que mobilizaram a atenção de toda população brasileira,
torcendo e rezando por sua recuperação.
Apesar de ter sido eleito de forma indireta
pelo Colégio Eleitoral, nos meses anteriores ao histórico 15 de janeiro de
1985, o país presenciou uma campanha popular que resgatou e manteve o pique de
mobilização das Diretas Já, comprovando que o político mineiro encarnava a
esperança representada no slogan "Muda Brasil", Tancredo já. O clima
era contagiante. Na véspera da eleição, Cazuza e o Barão Vermelho cantavam Pro
dia nascer feliz, no Rock in Rio. Ao final, o poeta deixou sua mensagem: "Que
o dia nasça lindo pra todo mundo amanhã. Um Brasil novo, com uma rapaziada
esperta! Valeu!".
Foi muito difícil superar a frustração
trazida pelo seu falecimento. Parecia que estávamos destinados, como nação, a
não termos um futuro promissor. Felizmente, o país conseguiu ir em frente,
fazendo a travessia para completar o mais longo período democrático de nossa
República. Não foram águas calmas, principalmente nos últimos 12 anos, quando
presenciamos o crescimento do sentimento de ódio e intolerância que tem
contaminado a vida política brasileira.
Nesse mesmo período iniciado em 2013, pudemos
conviver com uma liderança mundial que, pouco a pouco, foi nos conquistando em
razão de algumas de suas principais características como ser humano: compaixão,
solidariedade, humildade, firmeza de caráter, sinceridade, bom humor,
simplicidade.
Sua permanente pregação era baseada na
valorização do amor ao próximo e no acolhimento. Sempre procurava transmitir
confiança e otimismo, mesmo nas situações mais desafiadoras para seus
interlocutores. Seja quando se dirigia a uma multidão, seja em uma conversa por
telefone.
Óbvio que estou me referindo ao papa
Francisco, cuja morte ocorreu na última segunda-feira. Católicos e religiosos
de todas as denominações, além de ateus, como eu, não esconderam a emoção
provocada por sua partida. Lembramo-nos todos de sua atuação na defesa das
vítimas das mais diversas formas de exclusão nos quatro cantos do mundo. Sem
abrir mão dos dogmas e apoiado em sua fé, estendeu a mão para quem dela
precisava.
Quis o destino que o político da conciliação
nacional e o religioso argentino partissem no mesmo dia 21 de abril. Separados
por 40 anos, os dois foram responsáveis, cada um à sua maneira, por se
entregarem à missão de transmitir esperança e fé em dias melhores para a
população brasileira e mundial.
Em tempos conturbados como os atuais,
precisaremos cada vez mais de lideranças com esse perfil. Que sejamos capazes
de nos inspirar nesses exemplos para podermos dar nossa contribuição,
individual e coletiva, em direção a um mundo mais justo e menos desigual, em
que as liberdades democráticas superem os arroubos autocráticos.
Viva Francisco! Viva Tancredo! Viva
Tiradentes!
*Consultor em estratégia
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