sexta-feira, 25 de abril de 2025

A história já ensinou que a anistia é tiro no pé - Andrea Jubé

Valor Econômico

Passado bate à porta provocando reflexão sobre o presente e o futuro

Uma entre tantas mazelas do país é que os brasileiros não aprendem com a história. Após vencer as eleições presidenciais em outubro de 1955, Juscelino Kubitschek foi vítima de duas tentativas de golpe de Estado: a primeira antes de tomar posse, e outra, na reta final de seu mandato. No primeiro caso, em articulação liderada pela UDN e por militares, o objetivo era impedi-lo de assumir o poder, mas uma reação liderada pelo ministro da Guerra, marechal Henrique Lott, barrou os insurgentes.

Da segunda vez, o levante em dezembro de 1959, penúltimo ano do governo, planejado pelo “Comando Aéreo Revolucionário”, queria derrubar JK, Lott e instituir um governo militar. O movimento envolveu, até mesmo, o sequestro de um avião da Panair, com 38 passageiros.

No primeiro caso, Juscelino surpreendeu o país ao conceder anistia aos golpistas. Ele justificou na ocasião: “Vamos virar a página, passar uma esponja em todos os acontecimentos e começar vida nova, porque o país deseja paz para trabalhar”.

O gesto foi elogiado por aliados que consideraram uma grande jogada política, com exceção de Lott, que o reprovou. A avaliação da maioria era de que o perdão teria força para “desarmar os espíritos”, construir uma boa relação com os militares e dar provas de seu espírito conciliador. O cálculo político, contudo, revelou-se equivocado.

Em menos de um mês, oficiais militares já buscavam a imprensa para criticar e atacar Lott e JK. E o mais grave: três anos depois, eclodiu a segunda tentativa de golpe. Contudo, escaldado pelos fatos anteriores, Juscelino recusou-se a discutir o perdão aos rebelados: “O problema está confiado à Justiça e eu não tomarei nenhuma medida para obstaculizar seus passos”.

É justamente essa postura que o Supremo Tribunal Federal (STF) espera do Congresso Nacional: que mantenha o problema confiado à Justiça. Ou seja, em meio à pressão do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seu partido, o PL, pela aprovação do projeto de lei de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o que se espera das instituições da República é que deixem com os magistrados da Corte Constitucional o julgamento de quem tentou a abolição violenta do Estado Democrático e dar um golpe de Estado.

Com efeito, não se pode dar as costas à manifestação da vontade da maioria da Câmara dos Deputados, que aprovou o regime de urgência - espécie de atalho para a votação - da proposta de anistia. Por isso, a palavra de ordem nos bastidores dos três Poderes é ganhar tempo.

Dessa forma, pressionado por Bolsonaro de um lado, e pelo STF e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva do outro, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) declarou, nessa quinta-feira, que não levaria à pauta o requerimento de urgência. Para isso, garantiu ao seu lado o colégio de líderes.

Motta, entretanto, fez uma ressalva: a decisão não significa uma concordância com as "penas exageradas" que alguns condenados receberam. A imputação de uma pena de 14 anos de prisão a Débora Rodrigues, que além dos crimes maiores, pichou a estátua “A Justiça”, do artista plástico Alfredo Ceschiatti, fez barulho nas redes sociais e pressionou o STF. Pesquisa Datafolha divulgada em 7 de abril mostrou que 56% dos brasileiros rejeitam a anistia. Porém, 36% dos entrevistados gostaria de ver as penas reduzidas.

Um influente dirigente partidário traçou para a coluna o roteiro da anistia, caso não haja um acordo de bastidores, reunindo os três Poderes, em busca de um denominador comum. Por enquanto, Motta não pautará o projeto da anistia para não afrontar o STF e Lula. Mas quando a situação se tornar insustentável, a matéria será pautada, e aprovada com mais de 300 votos.

O placar expressivo obrigará o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), a também pautar a matéria, onde a maioria dos senadores deverá chancelá-la. Lula deverá vetar o projeto, mas o veto será derrubado pelo Congresso. A palavra final caberá ao STF, que não quer o peso de declarar a inconstitucionalidade da matéria, a fim de evitar mais desgaste de sua imagem.

Lula já ouviu de mais de um auxiliar que deveria seguir o exemplo de Juscelino em 1955, e preparar-se para conceder indulto a uma parte dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado que tenham recebido penas leves. O objetivo seria esvaziar o discurso da oposição e “desarmar os espíritos”. Lula não gostou da ideia, mas há tempo para repensar, porque o indulto presidencial é concedido somente em dezembro.

Balanço recente do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, que é relator das ações, mostra que há 1.039 pessoas respondendo pela tentativa de golpe de Estado. A maioria dos réus, ou seja, 542 pessoas, recebeu penas leves, como prestação de serviços ou multa, enquanto 249 pessoas foram condenadas de 1 a 3 anos de reclusão. Com isso, resta uma parcela menor, 248 pessoas, que receberam penas mais graves, que variam de 11 anos a 17 anos.

A história já ensinou que a anistia pode ser um tiro no pé, como se deu com JK. Nem a Lei da Anistia da ditadura militar acalmou os espíritos, senão, não teria havido o 8 de janeiro. Até hoje o STF analisa, por exemplo, se a lei da anistia de 1979 alcançou os crimes de ocultação de cadáver cometidos durante o regime de exceção, que permanecem até hoje sem solução. Nessun dorma.

Nenhum comentário: