Valor Econômico
Passado bate à porta provocando reflexão
sobre o presente e o futuro
Uma entre tantas mazelas do país é que os
brasileiros não aprendem com a história. Após vencer as eleições presidenciais
em outubro de 1955, Juscelino Kubitschek foi vítima de duas tentativas de golpe
de Estado: a primeira antes de tomar posse, e outra, na reta final de seu
mandato. No primeiro caso, em articulação liderada pela UDN e por militares, o
objetivo era impedi-lo de assumir o poder, mas uma reação liderada pelo
ministro da Guerra, marechal Henrique Lott, barrou os insurgentes.
Da segunda vez, o levante em dezembro de
1959, penúltimo ano do governo, planejado pelo “Comando Aéreo Revolucionário”,
queria derrubar JK, Lott e instituir um governo militar. O movimento envolveu,
até mesmo, o sequestro de um avião da Panair, com 38 passageiros.
No primeiro caso, Juscelino surpreendeu o país ao conceder anistia aos golpistas. Ele justificou na ocasião: “Vamos virar a página, passar uma esponja em todos os acontecimentos e começar vida nova, porque o país deseja paz para trabalhar”.
O gesto foi elogiado por aliados que
consideraram uma grande jogada política, com exceção de Lott, que o reprovou. A
avaliação da maioria era de que o perdão teria força para “desarmar os
espíritos”, construir uma boa relação com os militares e dar provas de seu
espírito conciliador. O cálculo político, contudo, revelou-se equivocado.
Em menos de um mês, oficiais militares já
buscavam a imprensa para criticar e atacar Lott e JK. E o mais grave: três anos
depois, eclodiu a segunda tentativa de golpe. Contudo, escaldado pelos fatos
anteriores, Juscelino recusou-se a discutir o perdão aos rebelados: “O problema
está confiado à Justiça e eu não tomarei nenhuma medida para obstaculizar seus
passos”.
É justamente essa postura que o Supremo
Tribunal Federal (STF) espera do Congresso Nacional: que mantenha o problema
confiado à Justiça. Ou seja, em meio à pressão do ex-presidente Jair Bolsonaro
e de seu partido, o PL, pela aprovação do projeto de lei de anistia aos
envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o que se espera das
instituições da República é que deixem com os magistrados da Corte
Constitucional o julgamento de quem tentou a abolição violenta do Estado
Democrático e dar um golpe de Estado.
Com efeito, não se pode dar as costas à
manifestação da vontade da maioria da Câmara dos Deputados, que aprovou o
regime de urgência - espécie de atalho para a votação - da proposta de anistia.
Por isso, a palavra de ordem nos bastidores dos três Poderes é ganhar tempo.
Dessa forma, pressionado por Bolsonaro de um
lado, e pelo STF e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva do outro, o
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) declarou, nessa
quinta-feira, que não levaria à pauta o requerimento de urgência. Para isso,
garantiu ao seu lado o colégio de líderes.
Motta, entretanto, fez uma ressalva: a
decisão não significa uma concordância com as "penas exageradas" que
alguns condenados receberam. A imputação de uma pena de 14 anos de prisão a
Débora Rodrigues, que além dos crimes maiores, pichou a estátua “A Justiça”, do
artista plástico Alfredo Ceschiatti, fez barulho nas redes sociais e pressionou
o STF. Pesquisa Datafolha divulgada em 7 de abril mostrou que 56% dos
brasileiros rejeitam a anistia. Porém, 36% dos entrevistados gostaria de ver as
penas reduzidas.
Um influente dirigente partidário traçou para
a coluna o roteiro da anistia, caso não haja um acordo de bastidores, reunindo
os três Poderes, em busca de um denominador comum. Por enquanto, Motta não
pautará o projeto da anistia para não afrontar o STF e Lula. Mas quando a
situação se tornar insustentável, a matéria será pautada, e aprovada com mais
de 300 votos.
O placar expressivo obrigará o presidente do
Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), a também pautar a matéria, onde a maioria
dos senadores deverá chancelá-la. Lula deverá vetar o projeto, mas o veto será
derrubado pelo Congresso. A palavra final caberá ao STF, que não quer o peso de
declarar a inconstitucionalidade da matéria, a fim de evitar mais desgaste de
sua imagem.
Lula já ouviu de mais de um auxiliar que
deveria seguir o exemplo de Juscelino em 1955, e preparar-se para conceder
indulto a uma parte dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado que tenham
recebido penas leves. O objetivo seria esvaziar o discurso da oposição e
“desarmar os espíritos”. Lula não gostou da ideia, mas há tempo para repensar,
porque o indulto presidencial é concedido somente em dezembro.
Balanço recente do gabinete do ministro
Alexandre de Moraes, que é relator das ações, mostra que há 1.039 pessoas
respondendo pela tentativa de golpe de Estado. A maioria dos réus, ou seja, 542
pessoas, recebeu penas leves, como prestação de serviços ou multa, enquanto 249
pessoas foram condenadas de 1 a 3 anos de reclusão. Com isso, resta uma parcela
menor, 248 pessoas, que receberam penas mais graves, que variam de 11 anos a 17
anos.
A história já ensinou que a anistia pode ser
um tiro no pé, como se deu com JK. Nem a Lei da Anistia da ditadura militar
acalmou os espíritos, senão, não teria havido o 8 de janeiro. Até hoje o STF
analisa, por exemplo, se a lei da anistia de 1979 alcançou os crimes de
ocultação de cadáver cometidos durante o regime de exceção, que permanecem até
hoje sem solução. Nessun
dorma.
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