Valor Econômico
O desafio é adequar a comunicação às
linguagens do século XXI e lutar contra o modelo que predomina hoje nas redes
sociais
A extrema direita contemporânea é a força
política mais perigosa do mundo desde o fim da União Soviética. No interior dos
países, põe em risco a liberal-democracia e a garantia dos direitos humanos
(especialmente dos grupos mais vulneráveis), ao mesmo tempo em que reduz a
possibilidade de um pacto internacional baseado na cooperação geopolítica e no
regramento multilateral do comércio. Os extremistas têm um projeto claro e não
reduzirão suas pretensões se puderem passar como um trator sobre seus inimigos.
Será necessário ter uma estratégia para enfrentá-los, alimentada por muita
energia e comunicação.
Antes de examinar os elementos da estratégia contra a extrema direita, vale ressaltar a necessidade da energia e da comunicação. Um dos mais importantes cientistas políticos da história, o americano Robert Dahl, dizia que tão importante quanto a quantidade de apoio é a intensidade das preferências. Os extremistas não são a maioria no mundo, mas manifestam suas posições com máxima força, como um exército em nome de uma causa. Quem quiser combatê-los terá de igualar ao máximo esse ímpeto.
Um dos elementos que aumentam a intensidade
de um movimento político é o papel das lideranças. Os líderes do extremismo
contemporâneo, tais quais seus congêneres da década de 1930 (Mussolini e
Hitler), sabem energizar parcela importante da população, que fica
constantemente mobilizada. A luta contra a extrema direita precisará contar
também com lideranças capazes de entusiasmar e inspirar a maioria das pessoas,
para que elas resistam aos cânticos fascistas que têm ganhado cada vez mais
força.
Só que não bastam lideranças fortes e
inspiradoras para energizar os cidadãos pelo mundo afora. É fundamental lutar
no campo dos valores. Aliás, foi isso que os ideólogos da extrema direita
perceberam antes dos outros: a democracia tinha se tornado muito morna para
grande parte da população e seria preciso dar um novo sentido à vida das
pessoas. Descobrir quais ideias e sentimentos podem se contrapor com sucesso
aos extremistas é uma das perguntas mais relevantes para os democratas
responderem nos próximos anos.
Quaisquer estratégias que sejam escolhidas
para combater o extremismo dependem, ademais, de boa comunicação. Este é outro
terreno onde a vantagem está do lado da extrema direita. Em parte, por seus
méritos de ter encontrado novas linguagens para lidar com o século XXI,
marcadas pela rapidez dos enunciados, a escolha de poucas e fortes ideias a
comunicar um modelo maniqueísta, além do uso intensivo da tecnologia.
Há uma outra parte nessa história, contudo. A
vitória comunicativa da extrema direita está igualmente vinculada à forma como
funcionam as principais redes sociais, dominadas por grupos monopolistas que
produzem algoritmos capazes de delimitar fortemente o universo no qual nos
comunicamos. A liberdade de escolha e de confronto é restrita num modelo
tecnológico como esse, ao contrário do que pensam alguns analistas que ainda
acreditam que a internet é uma ágora grega. Pior do que isso: a grande maioria
dos donos das big techs não quer a democracia e, por isso, têm apoiado grupos
extremistas e/ou a autocratas por meio da interferência nos próprios meios que
comandam.
Juntando os dois pontos da batalha
comunicativa, o desafio é adequar a comunicação às linguagens do século XXI e
lutar contra o modelo que predomina hoje nas redes sociais. O desempenho no
jogo comunicativo, no entanto, dependerá de conteúdos presentes nas estratégias
contra a extrema direita.
A estratégia de enfrentamento do extremismo
passa por cinco tarefas. A primeira é se contrapor às suas políticas, mostrando
de forma clara e cotidiana os seus danos. É preciso realçar os erros cometidos
nas políticas negacionistas, na saúde ou no meio ambiente, como ocorreu na
época da covid-19 e depois arrefeceu com o passar do tempo - e agora crescem as
mortes por sarampo nos Estados Unidos e poucos se levantam contra isso.
É imprescindível ressaltar o efeito perverso
da destruição da administração pública, o que leva inexoravelmente ao
enfraquecimento na oferta de serviços e bens públicos, como a redução do acesso
dos mais pobres à educação ou ao sistema de seguridade social. Ainda, gritar
bem alto contra a barbeiragem na política econômica trumpista, que não deve ser
tratada nem como estratégia de negociação nem como mero capricho narcisista do
presidente Trump. Sua origem e resultado advêm da fragilidade da extrema direita
em produzir políticas públicas.
Eis um caminho central na estratégia de
defesa da democracia: colar na extrema direita a imagem de incompetência que
causa sofrimento em muita gente, com mortes, perdas de emprego e abandono.
Trata-se de um mantra que deveria ser falado todos os dias por quem combate os
extremistas.
A segunda tarefa dessa estratégia é
fortalecer e acionar os mecanismos de “checks and balances” (freios e
contrapesos) no controle dos governantes e partidos extremistas. A democracia
precisa proteger a sociedade do arbítrio e se autoproteger de quem quer
derrubá-la. Esse é um trabalho contínuo que envolve instituições políticas,
como o Legislativo e o Judiciário, como também estruturas sociais, econômicas e
internacionais que podem frear a insanidade totalitária do projeto da extrema
direita.
Assim, organizações da sociedade civil,
universidades, empresas, lideranças culturais do universo pop e até o papa
devem ser mobilizadas continuamente porque os extremistas destroem o regime
democrático como cupins (ou traças), comendo cada pedacinho dia após dia. Pode
até haver um momento de tomada do poder como golpe, mas isso só ocorrerá se os
diques democráticos forem rompidos muito tempo antes.
Entender a angústia de uma parcela enorme da
população que tem acreditado e votado em lideranças de extrema direita, mas
cujos valores não são extremistas, é uma terceira tarefa central na estratégia
de combate ao extremismo. Houve muitas mudanças na sociedade contemporânea e
novas carências surgiram. Obviamente é necessário ter políticas para combater a
pobreza e as desigualdades no seu sentido mais clássico. Todavia, há
preocupações concentradas em grupos que se sentem abandonados e ressentidos,
bem como existem novas insatisfações difusas que precisam ser mais bem
compreendidas. O trabalho aqui é de conversar mais com esses estratos
populacionais e pensar em arranjos diferentes de intervenção estatal e/ou
organização econômica.
Políticas públicas baseadas em evidências,
boa governança e princípios humanistas constituem um quarto antídoto ao
extremismo contemporâneo. A qualidade da gestão pública é um alicerce
essencial, só que insuficiente se não for direcionado às demandas sociais que
hoje não estão sendo respondidas pelo Estado e pelo modelo econômico. Melhorar
a ação governamental, entregando os bens, direitos e serviços desejados pela
população, é das maiores armas em prol da democracia.
O rol de tarefas se completa com a montagem
de alianças amplas nos planos político e social. Não há uma maioria ou uma
hegemonia prévia contra a extrema direita. A luta contra ela vai exigir muita
articulação e diálogo entre grupos que não são do mesmo partido e/ou professam
visões ideológicas com alguma diferenciação. Encontrar os interesses comuns,
alimentar a tolerância e a capacidade de aprender com o outro são elementos
centrais na construção de um bloco contra o extremismo, capaz de controlar governantes
extremistas, de ganhar eleições e, sobretudo, de propor uma nova visão de
futuro.
A luta contra o extremismo é, primeiramente,
internacional, pois ele se espalhou pelo mundo e tem grande força em países
muito relevantes na ordem mundial. Além disso, a dimensão global está no fato
de que será necessário fazer alianças e criar modelos de cooperação entre as
nações para resistir às políticas destruidoras montadas por governos de extrema
direita. Do mesmo modo que houve Internacionais socialistas e hoje há uma
Internacional ultradireitista (ou fascista), é preciso construir uma Internacional
pela democracia, que seria caracterizada pela amplitude de forças que estão
dentro dela, unidas contra as barbáries políticas contemporâneas.
A forma pela qual a extrema direita se
expressa em cada país tem singularidades. Desse modo, o fortalecimento da
energia e da comunicação antiextremista, bem como o cumprimento das cinco
tarefas estratégicas listadas anteriormente, têm tonalidades diferentes em cada
lugar. Seguindo essa linha de raciocínio, os democratas brasileiros precisam
encontrar sua forma de atuação nesse processo de defesa da democracia e de um
modelo justo e produtivo de desenvolvimento.
Muitas perguntas concluem essa reflexão
olhando para o Brasil. Que lideranças podemos formar para lutar contra o
extremismo? Quais valores podem se contrapor às ideias extremistas e conquistar
mais corações e mentes dentro de um novo modelo de comunicação? Como construir
políticas públicas capazes de aumentar a crença da população no sistema? De que
maneira alianças políticas e sociais amplas e plurais podem se tornar mais
perenes na luta contra a extrema direita, e não serem apenas um slogan de
campanha? Uma resposta coletiva a tais questões é essencial para que o país não
embarque no futuro em alguma aventura perversa e totalitária.
*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.
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