sexta-feira, 25 de abril de 2025

Tarefas para nos salvar do extremismo - Fernando Luiz Abrucio

Valor Econômico

O desafio é adequar a comunicação às linguagens do século XXI e lutar contra o modelo que predomina hoje nas redes sociais

A extrema direita contemporânea é a força política mais perigosa do mundo desde o fim da União Soviética. No interior dos países, põe em risco a liberal-democracia e a garantia dos direitos humanos (especialmente dos grupos mais vulneráveis), ao mesmo tempo em que reduz a possibilidade de um pacto internacional baseado na cooperação geopolítica e no regramento multilateral do comércio. Os extremistas têm um projeto claro e não reduzirão suas pretensões se puderem passar como um trator sobre seus inimigos. Será necessário ter uma estratégia para enfrentá-los, alimentada por muita energia e comunicação.

Antes de examinar os elementos da estratégia contra a extrema direita, vale ressaltar a necessidade da energia e da comunicação. Um dos mais importantes cientistas políticos da história, o americano Robert Dahl, dizia que tão importante quanto a quantidade de apoio é a intensidade das preferências. Os extremistas não são a maioria no mundo, mas manifestam suas posições com máxima força, como um exército em nome de uma causa. Quem quiser combatê-los terá de igualar ao máximo esse ímpeto.

Um dos elementos que aumentam a intensidade de um movimento político é o papel das lideranças. Os líderes do extremismo contemporâneo, tais quais seus congêneres da década de 1930 (Mussolini e Hitler), sabem energizar parcela importante da população, que fica constantemente mobilizada. A luta contra a extrema direita precisará contar também com lideranças capazes de entusiasmar e inspirar a maioria das pessoas, para que elas resistam aos cânticos fascistas que têm ganhado cada vez mais força.

Só que não bastam lideranças fortes e inspiradoras para energizar os cidadãos pelo mundo afora. É fundamental lutar no campo dos valores. Aliás, foi isso que os ideólogos da extrema direita perceberam antes dos outros: a democracia tinha se tornado muito morna para grande parte da população e seria preciso dar um novo sentido à vida das pessoas. Descobrir quais ideias e sentimentos podem se contrapor com sucesso aos extremistas é uma das perguntas mais relevantes para os democratas responderem nos próximos anos.

Quaisquer estratégias que sejam escolhidas para combater o extremismo dependem, ademais, de boa comunicação. Este é outro terreno onde a vantagem está do lado da extrema direita. Em parte, por seus méritos de ter encontrado novas linguagens para lidar com o século XXI, marcadas pela rapidez dos enunciados, a escolha de poucas e fortes ideias a comunicar um modelo maniqueísta, além do uso intensivo da tecnologia.

Há uma outra parte nessa história, contudo. A vitória comunicativa da extrema direita está igualmente vinculada à forma como funcionam as principais redes sociais, dominadas por grupos monopolistas que produzem algoritmos capazes de delimitar fortemente o universo no qual nos comunicamos. A liberdade de escolha e de confronto é restrita num modelo tecnológico como esse, ao contrário do que pensam alguns analistas que ainda acreditam que a internet é uma ágora grega. Pior do que isso: a grande maioria dos donos das big techs não quer a democracia e, por isso, têm apoiado grupos extremistas e/ou a autocratas por meio da interferência nos próprios meios que comandam.

Juntando os dois pontos da batalha comunicativa, o desafio é adequar a comunicação às linguagens do século XXI e lutar contra o modelo que predomina hoje nas redes sociais. O desempenho no jogo comunicativo, no entanto, dependerá de conteúdos presentes nas estratégias contra a extrema direita.

A estratégia de enfrentamento do extremismo passa por cinco tarefas. A primeira é se contrapor às suas políticas, mostrando de forma clara e cotidiana os seus danos. É preciso realçar os erros cometidos nas políticas negacionistas, na saúde ou no meio ambiente, como ocorreu na época da covid-19 e depois arrefeceu com o passar do tempo - e agora crescem as mortes por sarampo nos Estados Unidos e poucos se levantam contra isso.

É imprescindível ressaltar o efeito perverso da destruição da administração pública, o que leva inexoravelmente ao enfraquecimento na oferta de serviços e bens públicos, como a redução do acesso dos mais pobres à educação ou ao sistema de seguridade social. Ainda, gritar bem alto contra a barbeiragem na política econômica trumpista, que não deve ser tratada nem como estratégia de negociação nem como mero capricho narcisista do presidente Trump. Sua origem e resultado advêm da fragilidade da extrema direita em produzir políticas públicas.

Eis um caminho central na estratégia de defesa da democracia: colar na extrema direita a imagem de incompetência que causa sofrimento em muita gente, com mortes, perdas de emprego e abandono. Trata-se de um mantra que deveria ser falado todos os dias por quem combate os extremistas.

A segunda tarefa dessa estratégia é fortalecer e acionar os mecanismos de “checks and balances” (freios e contrapesos) no controle dos governantes e partidos extremistas. A democracia precisa proteger a sociedade do arbítrio e se autoproteger de quem quer derrubá-la. Esse é um trabalho contínuo que envolve instituições políticas, como o Legislativo e o Judiciário, como também estruturas sociais, econômicas e internacionais que podem frear a insanidade totalitária do projeto da extrema direita.

Assim, organizações da sociedade civil, universidades, empresas, lideranças culturais do universo pop e até o papa devem ser mobilizadas continuamente porque os extremistas destroem o regime democrático como cupins (ou traças), comendo cada pedacinho dia após dia. Pode até haver um momento de tomada do poder como golpe, mas isso só ocorrerá se os diques democráticos forem rompidos muito tempo antes.

Entender a angústia de uma parcela enorme da população que tem acreditado e votado em lideranças de extrema direita, mas cujos valores não são extremistas, é uma terceira tarefa central na estratégia de combate ao extremismo. Houve muitas mudanças na sociedade contemporânea e novas carências surgiram. Obviamente é necessário ter políticas para combater a pobreza e as desigualdades no seu sentido mais clássico. Todavia, há preocupações concentradas em grupos que se sentem abandonados e ressentidos, bem como existem novas insatisfações difusas que precisam ser mais bem compreendidas. O trabalho aqui é de conversar mais com esses estratos populacionais e pensar em arranjos diferentes de intervenção estatal e/ou organização econômica.

Políticas públicas baseadas em evidências, boa governança e princípios humanistas constituem um quarto antídoto ao extremismo contemporâneo. A qualidade da gestão pública é um alicerce essencial, só que insuficiente se não for direcionado às demandas sociais que hoje não estão sendo respondidas pelo Estado e pelo modelo econômico. Melhorar a ação governamental, entregando os bens, direitos e serviços desejados pela população, é das maiores armas em prol da democracia.

O rol de tarefas se completa com a montagem de alianças amplas nos planos político e social. Não há uma maioria ou uma hegemonia prévia contra a extrema direita. A luta contra ela vai exigir muita articulação e diálogo entre grupos que não são do mesmo partido e/ou professam visões ideológicas com alguma diferenciação. Encontrar os interesses comuns, alimentar a tolerância e a capacidade de aprender com o outro são elementos centrais na construção de um bloco contra o extremismo, capaz de controlar governantes extremistas, de ganhar eleições e, sobretudo, de propor uma nova visão de futuro.

A luta contra o extremismo é, primeiramente, internacional, pois ele se espalhou pelo mundo e tem grande força em países muito relevantes na ordem mundial. Além disso, a dimensão global está no fato de que será necessário fazer alianças e criar modelos de cooperação entre as nações para resistir às políticas destruidoras montadas por governos de extrema direita. Do mesmo modo que houve Internacionais socialistas e hoje há uma Internacional ultradireitista (ou fascista), é preciso construir uma Internacional pela democracia, que seria caracterizada pela amplitude de forças que estão dentro dela, unidas contra as barbáries políticas contemporâneas.

A forma pela qual a extrema direita se expressa em cada país tem singularidades. Desse modo, o fortalecimento da energia e da comunicação antiextremista, bem como o cumprimento das cinco tarefas estratégicas listadas anteriormente, têm tonalidades diferentes em cada lugar. Seguindo essa linha de raciocínio, os democratas brasileiros precisam encontrar sua forma de atuação nesse processo de defesa da democracia e de um modelo justo e produtivo de desenvolvimento.

Muitas perguntas concluem essa reflexão olhando para o Brasil. Que lideranças podemos formar para lutar contra o extremismo? Quais valores podem se contrapor às ideias extremistas e conquistar mais corações e mentes dentro de um novo modelo de comunicação? Como construir políticas públicas capazes de aumentar a crença da população no sistema? De que maneira alianças políticas e sociais amplas e plurais podem se tornar mais perenes na luta contra a extrema direita, e não serem apenas um slogan de campanha? Uma resposta coletiva a tais questões é essencial para que o país não embarque no futuro em alguma aventura perversa e totalitária.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.

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