O Globo
Para os muito ricos, o país se aproxima de um
‘paraíso fiscal’, nas palavras do presidente de um dos maiores bancos
brasileiros
Se a isenção do Imposto de Renda para quem
ganha até R$ 5 mil passará, ou como passará, ninguém sabe. Mas todos sabemos
que o nosso sistema tributário da renda precisa urgentemente de reforma
integral.
Regressivos (cobrando mais de quem tem
menos), nossos impostos sobre renda e patrimônio estão cheios de distorções —
assim como nossos gastos tributários. Para os muito ricos, o país se aproxima
de um “paraíso fiscal”, nas palavras do presidente de um dos maiores bancos
brasileiros. Odete Roitman agradece.
O governo erra ao não empreender uma reforma integral nos impostos sobre renda e patrimônio. Além de gerar desigualdades, o sistema tributário brasileiro cria ineficiências alocativas de capital. Isso atrapalha o crescimento econômico. E, com as burradas de Donald Trump, o Brasil deve aproveitar qualquer oportunidade de dar mais eficiência à iniciativa privada.
Devemos seguir o exemplo de Bernard Appy e da
turma do Centro de Cidadania Fiscal, que uniram a sociedade num projeto de
transformação dos impostos sobre consumo. Agora, a oportunidade está na renda.
Para isso existem consensos a partir de estudos, em economia, mas também em
ciência política, de Marta Arretche, Débora Freire, Manoel Pires, Sérgio
Gobetti, Bráulio Borges, Leonel Pessôa, Paolo de Renzio e a equipe do Centro de
Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP, entre outros.
A premissa deve ser a neutralidade, sem
aumento de carga tributária, como foi com a reforma do consumo. Há a
oportunidade de ganha-ganha. As falhas do sistema tributário — e as soluções —
não são nem de “esquerda” nem de “direita”. São técnicas. Não polarizam. Pois
entende-se hoje que países tão desiguais como o Brasil só crescerão mais (tema
caro à direita) a partir da melhor distribuição de renda (um dos pilares da
esquerda).
A reforma da renda deve obrigatoriamente
incorporar a revisão dos quase R$ 600 bilhões em isenções fiscais federais — os
tais gastos tributários, que somam quase 20% do total arrecadado pelo governo
federal. Em estudo de 2019, a Receita Federal defendia cortá-los à metade.
Outro tema incontornável é a revisão dos
impostos sobre pessoas jurídicas, em seus diferentes regimes. Em vez de se
concentrar em crescer, as empresas se distraem com malabarismos tributários,
dada a complexidade de nosso sistema de impostos. Isso é parte do Custo Brasil.
Temos de tributar lucros e dividendos, pois é
a boa prática mundial, mas desde que baixando drasticamente a alíquota nominal
do lucro real, de 34% — mas não para todos. Segundo estudo de Manoel Pires, no
lucro real a alíquota efetiva (que as empresas de fato pagam) está entre 21% e
22%.
No lucro presumido ou no Simples, as
alíquotas são diferentes — pois há o equívoco de acreditar que a
progressividade se faz a partir do porte da empresa. Na verdade, a
progressividade deve variar de acordo com a capacidade contributiva das pessoas
físicas — que não tem necessariamente relação com o tamanho das empresas de que
recebem dividendos. Temos de melhorar o ambiente econômico, tributando menos as
empresas e mais as pessoas físicas que pagam menos do que deveriam — hoje
apenas cerca de 1% da população. Essa é a boa prática mundial, como foi o IVA
para a recém-homologada reforma dos impostos sobre consumo.
O Brasil — além de não crescer quanto poderia
(e deveria) — virou também exportador de receita tributária. Um exemplo é a
Petrobras, que tem 46,8% de seu capital nas mãos de investidores estrangeiros.
Eles acabam pagando em seus países os impostos sobre os dividendos da companhia
brasileira, pois aqui são isentos — mas não na maior parte do mundo. Segundo
Sérgio Gobetti, nosso país deixa de recolher R$ 30 bilhões somando casos assim.
Isso é quase metade do déficit do Orçamento federal. É um ajuste fiscal.
O governo não teve ambição para a reforma
integral da renda. O Congresso tem a oportunidade de assumir o protagonismo e
de colher seus louros. Essa reforma está condenada ao êxito, pois gerará mais
crescimento com melhor distribuição de renda, o que cria condições para ainda
mais crescimento. E assim se resiste às demências dos Trumps da vida.
*Guilherme Cezar Coelho, cineasta e economista, é fundador da Samambaia.org
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