Quando, a 25 de Abril de
1974, um grupo de jovens capitães levou a cabo um golpe de Estado que, em menos
de 24 horas, derrubou a ditadura que dominava Portugal há mais quatro décadas,
o rumo da história nacional mudou decisivamente.
As suas vidas, assim como as
de milhares de portugueses, estavam prestes a alterar-se radicalmente. Em
breve, o golpe deu lugar a uma Revolução que, durante quase dois anos, agitou o
país, abrindo um amplo leque de possibilidades quanto ao caminho a seguir.
Guerra colonial
Existe um amplo consenso
quanto ao facto de o detonador do 25 de Abril ter sido a guerra colonial,
iniciada em Angola, em 1961, e que rapidamente se estendeu a novas frentes
(Guiné, 1963; Moçambique, 1964), sem solução militar à vista.
Contribuindo
determinantemente para a radicalização das oposições e da contestação social ao
Estado Novo, a guerra teve um efeito mortal sobre as Forças Armadas, um dos
pilares centrais do regime. Foi em resposta a nova legislação que visava suprir
a falta de oficiais na frente de combate em África que, em setembro de 1973, se
constitui o Movimento dos Capitães/Movimento das Forças Armadas.
A fase conspirativa foi relativamente breve, dando lugar um rápido processo de politização do Movimento. Os sinais de que o fim do regime estava iminente, perante a sua intransigência em manter o esforço de guerra, adensaram-se a partir de inícios de 1974, contando-se entre eles a publicação de Portugal e o Futuro (22 de fevereiro), a cerimónia da «brigada do reumático» (14 de março), a demissão dos generais Costa Gomes e António de Spínola da chefia do Estado-Maior General das Forças Armadas (15 de março) e a saída em falso do Regimento de Infantaria n.º 5, das Caldas da Rainha (16 de março).
Impacto internacional
O impacto da intervenção dos
capitães rapidamente transcendeu as fronteiras nacionais, num mundo dividido
pela Guerra Fria e abalado pela recente crise petrolífera. Os que se apressaram
a estabelecer um paralelo entre estes acontecimentos e os que, um ano antes,
tinham ocorrido no Chile (“golpe Pinochet”), rapidamente se desenganam.
Negando todos os modelos
mais comuns de intervenção dos militares nos processos de mudança política, o
golpe foi levado a cabo pela oficialidade intermédia (capitães e oficiais
subalternos), à margem da hierarquia das Forças Armadas, e sem a interferência
de partidos ou movimentos políticos.
Além do mais, os Capitães de
Abril apresentaram um programa de democratização em que, para além da
restauração das liberdades fundamentais, se determinava a constituição de um
governo civil e a realização de eleições livres.
Do mesmo modo,
imprevisivelmente, depois de mais de uma década a lutar nas frentes de África,
iniciaram um processo de descolonização que se traduziu, a breve trecho, na
concessão da independência aos antigos povos coloniais. Esta situação singular
apanhou desprevenida a comunidade académica, mas também as elites dirigentes
mundiais, a braços com a difícil tarefa de integrar o caso português na grelha
de análise estabelecida.
Duas interpretações
Os estudos sobre o 25 de
Abril de 1974 têm oscilado entre duas linhas interpretativas opostas. Por um
lado, os que destacam o seu pioneirismo, apresentando-o como um acontecimento
precursor da terceira vaga de transições para a democracia. Por outro lado, os
que salientam o seu “atraso”, filiando-o em movimentos revolucionários do
passado. Adotando a expressão cunhada por S. Huntington, a primeira linha
apresenta o 25 de Abril como inaugurador da vaga de democratizações do último
terço do século XX. Antecipando o fim da ditadura militar grega em três meses,
a transição pactuada de Adolfo Suárez em Espanha em dois anos e as transições
na América do Sul e na Europa de Leste em uma e duas décadas, respetivamente, a
experiência portuguesa abriu novos ângulos de análise sobre a mudança política
e, muito particularmente, sobre os processos de democratização.
Estas e outras realidades
levam alguns autores a questionar a ideia de que Portugal foi precursor da
terceira vaga de transições para a democracia, salientando, ao invés, o seu
atraso. Filiando o 25 de Abril nas transformações inauguradas com a derrota militar
dos regimes autoritários conservadores no decurso da II Guerra Mundial,
apresentam o 25 de Abril como um 1945 renovado com ingredientes do Maio de
1968, datas perdidas em Portugal nas suas edições originais. Assim, mais do que
um movimento pioneiro, o 25 de Abril deveria ser apresentado como o último
exemplo de uma série de descolonizações dos impérios coloniais e de transição
falhada para o socialismo.
Visto de fora
A originalidade da transição
portuguesa foi, de imediato, assinalada pela imprensa internacional. A 6 de
maio de 1974, a Newsweek chama a atenção para o facto de os portugueses sempre
terem revelado uma “maneira muito sua” de fazer “as coisas”, utilizando como
exemplo o facto de “mesmo aquele sangrento espetáculo ibérico, a tourada”,
adquirir em Portugal “uma característica especial, cavalheiresca, pois o touro
nunca é morto”.
Todos os que, desde fora,
observaram a evolução política portuguesa em 1974-1975 são unânimes em
assinalar a sua excecionalidade. O jornalista do Le Monde Dominique Pouchin
refere-se-lhe como o “último teatro leninista”, uma “Cuba na Europa do Sul”. As
viagens de turismo cultural organizadas pela agência Nouvelles Frontières
deixam patentes que, para os jovens europeus acabados de sair da experiência do
Maio de 68, esta era a possibilidade de observar in loco o que apenas conheciam
dos manuais. Portugal era um laboratório de análise política e social, onde
decorria a última revolução de esquerda da Europa.
Os acontecimentos da
Revolução
Os 19 meses de revolução são
pródigos em acontecimentos: três tentativas frustradas de ‘golpe’ de Estado;
seis governos provisórios; dois Presidentes da República; a intervenção dos
militares na política; as alianças que os seus diversos setores estabelecem com
diferentes grupos políticos e movimentos sociais; a ação dos partidos e
movimentos políticos; as nacionalizações e o desencadeamento da reforma
agrária; as experiências de controlo operário e autogestão; a multiplicação das
iniciativas populares; os casos República e Renascença e toda a turbulência que
percorre o campo dos media; a desconfiança das potências ocidentais de que
Portugal se transformasse num cavalo de Tróia da NATO; o debate sobre a
essência do socialismo português, permitindo a coexistência de experiências e
conceções radicais com projetos políticos mais tradicionais que apontavam para
a instauração de uma democracia parlamentar de tipo ocidental ou, então, para
um modelo estatizante, inspirado na experiência soviética; o peso esmagador da
política que inunda as ruas, os quartéis, as fábricas, os campos.
Todas as possibilidades
estavam em aberto, sendo que, no final, esta foi “a Revolução possível e
lúcida” (Eduardo Lourenço).
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