Projeto para favela paulistana segue visão correta
O Globo
Três níveis de governo precisam chegar a
acordo para oferecer moradia digna a população realocada
O projeto do governo paulista de requalificar urbanisticamente a área da Favela do Moinho, uma das últimas na região central da capital, não deveria ser politizado, mas debatido de forma técnica, levando em consideração os aspectos positivos para a cidade e para os moradores. Espremida entre linhas férreas, com alta densidade populacional, condições críticas de urbanização, dificuldades de acesso e violência, a comunidade abriga 821 famílias em situação vulnerável. Elas devem ter direito a moradias dignas. O plano do estado é reassentá-las e criar no local o Parque do Moinho.
Numa primeira etapa, dez famílias foram
realocadas. Não se tratou de retirada compulsória. Ao contrário. Negociações
estão em andamento desde o ano passado, envolvendo Defensoria Pública, líderes
comunitários, representantes do estado e do município. Segundo o governo
estadual, o projeto tem adesão de 719 das 821 famílias. Dessas, 496 já
escolheram imóveis e iniciaram procedimentos para receber auxílio-moradia. O
governo sustenta que mais de 1.500 unidades estão disponíveis para a
realocação, a maioria na região central, em bairros como Brás, Vila Buarque,
Campos Elíseos e Barra Funda. Trata-se de questão fundamental, uma vez que os
moradores têm rotinas estabelecidas, como trabalho, escola ou postos de saúde.
Para os casos em que as unidades não estão prontas, as famílias receberão R$
2,4 mil de auxílio-mudança e R$ 800 mensais de auxílio-moradia. O custo será
dividido entre estado e prefeitura.
Apesar da adesão maciça das famílias e da
oferta de moradia, o projeto tem sido politizado, principalmente porque o
terreno é propriedade do governo federal, pondo em lados opostos o presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) e o governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos). O estado já pediu cessão da área, mas a
questão está sob avaliação da ministra da Gestão, Esther Dweck.
Nos bastidores, a equipe de Tarcísio critica o que considera “má vontade” do
governo Lula. A Secretaria de Patrimônio da União (SPU) enviou ofício ao
governo paulista pedindo mudanças no plano de reassentamento. A contenda tem
mobilizado a oposição e a minoria contrária ao projeto. O ministério não
deveria criar caso sem motivo, nem se intrometer num assunto de natureza
eminentemente local.
A realocação de famílias não deveria ser tabu
para os petistas. No último ano de administração de Marta Suplicy (PT) na
Prefeitura de São
Paulo, foi concluído o condomínio Parque do Gato, no próprio Bom Retiro,
com mais de 400 unidades habitacionais onde antes existia uma favela. Foi bom
para os moradores e para a cidade.
Realocar moradores de favelas é sempre
questão sensível. Em parte, porque os programas habitacionais ao longo de
décadas fizeram o contrário do que deveria ser feito, jogando os moradores para
áreas distantes, com problemas de transporte e infraestrutura,
enquanto as áreas centrais se esvaziam. Não é caso da Favela do Moinho, cujos
moradores serão realocados na área central. Ela não oferece condições dignas de
moradia a ninguém, como mostram os vários incêndios. Não bastassem os problemas
urbanísticos, o local é tomado pela violência do crime organizado. Governos
federal, estadual e municipal precisam chegar a um acordo. Um parque no centro
de São Paulo, moradias mais dignas e novas estações de trem é tudo de que a
cidade e os moradores mais precisam.
Multa aplicada a Apple e Meta na Europa
deveria soar alarme no Brasil
O Globo
Europeus e americanos tentam impor disciplina
a plataformas digitais — e o Congresso brasileiro despreza o tema
Em decisão inédita baseada na recente Lei dos
Mercados Digitais, os reguladores da União
Europeia aplicaram multa de € 500 milhões à Apple e de €
200 milhões à Meta (dona
de Facebook, Instagram e WhatsApp). Trata-se de mais um avanço regulatório
sobre as grandes plataformas digitais, que deveria servir de alerta ao Brasil.
A Apple foi multada por ter violado o direito
dos criadores de aplicativos de informar gratuitamente seus clientes sobre
ofertas alternativas fora de sua loja, a App Store. Os reguladores consideraram
a prática prejudicial a desenvolvedores e consumidores. A partir de agora,
barreiras técnicas e comerciais serão eliminadas para permitir a comunicação de
promoções. A empresa pretende recorrer.
A Meta foi multada por ter obrigado usuários
do Facebook e do Instagram a escolher entre permitir uso de seus dados pessoais
para fins de publicidade ou pagar por um serviço de assinatura mensal sem
anúncios. De acordo com a lei europeia, os consumidores têm o direito de
permitir exposição menor de dados pessoais e manter serviço próximo ao
oferecido a assinantes. Em novembro do ano passado, a Meta reviu sua oferta, e
os reguladores ainda estudam o impacto da mudança.
A lei permite que os reguladores imponham
multas equivalentes a até 10% do faturamento global das empresas. Por esse
parâmetro, os valores cobrados nesta semana foram baixos, uma espécie de aviso
para que entrem na linha sem grandes danos. Em tempos de guerra comercial, os
europeus parecem ter tomado cuidado.
Ainda que a Casa Branca tenha protestado, o
governo americano não tem tido comportamento muito diferente nas ações
judiciais que move contra as plataformas digitais. Até agora, Donald Trump nada
fez para livrar a Meta de processo diante da Comissão Federal de Comércio
(FTC), autoridade que regula a concorrência, apesar de Mark Zuckerberg ter
doado dinheiro para sua campanha eleitoral e adotado novas políticas alinhadas
com o governo em relação ao conteúdo. O Google já foi considerado culpado por
abuso de monopólio em dois processos, e o governo pediu que a sentença preveja
o desmembramento da empresa.
Tal cerco às plataformas digitais deveria
acender o alarme no Congresso em Brasília, onde os projetos de lei para regular
as redes sociais dormitam sem a devida atenção das lideranças. Enquanto o mundo
age contra o poder excessivo e prejudicial das plataformas, os congressistas
brasileiros se comportam como se não tivessem nada a ver com o assunto.
O dever de discipliná-las tem recaído por
gravidade sobre os tribunais. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem dado atenção
às campanhas de desinformação, mas isso não supre a carência evidente de
legislação. É urgente retomar o debate no Congresso. A negligência dos
parlamentares adia a solução de questões que não desaparecerão.
Disputa geopolítica exige plano para minerais
críticos
Valor Econômico
Não é desejável que o Brasil persista na
posição de apenas fornecedor de matéria-prima, como ocorre no caso de outros
produtos que caracterizam o país como eterno vendedor de commodities
Os minerais críticos tornaram-se um ativo
raro e valioso na disputa geopolítica entre as grandes potências, escancarada
pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com as ameaças à Groelândia e
Ucrânia. O Brasil tem condições para ser um dos grandes players nesse mercado
graças a suas reservas naturais.
Em tramitação há quase um ano na Câmara dos
Deputados, o projeto de lei que propõe a criação da Política Nacional de
Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE) não avançou. É o PL 2.780, apresentado
em julho de 2024 e encaminhado um mês depois à Comissão de Desenvolvimento
Econômico, em cujas gavetas ficou hibernando durante todo o segundo semestre.
Somente em janeiro houve alguma novidade, quando seu relator, deputado Alceu
Moreira, deixou de ser membro da comissão. Espera-se que tenha melhor sorte nas
mãos do novo relator designado, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP).
O Ministério de Minas e Energia prometeu
viabilizar uma política para minerais críticos e o ministro Alexandre Silveira
reiterou esse compromisso na quarta-feira, durante o “Summit Valor Brasil-China
2025”, em Xangai. Um dos objetivos é ampliar o conhecimento geológico, a
pesquisa e a produção mineral. Ainda é escasso o conhecimento a respeito da
qualidade dos minerais críticos disponíveis no solo brasileiro. Estudo da
consultoria Deloitte em parceria com a AYA Earth Partners aponta que apenas 35%
do potencial mineral do território brasileiro foi mapeado. Por isso, foi
constituído um fundo para investir em empresas menores que pesquisam os
minerais disponíveis, que deverá reunir R$ 1 bilhão - R$ 500 milhões serão
divididos em partes iguais entre o BNDES e a Vale.
Um outro fundo será criado, de R$ 5 bilhões,
para desenvolver a indústria de transformação, ou seja, o refino desses
minerais, para a produção dos bens que tornaram essas matérias-primas tão
especiais como as baterias de lítio para os veículos elétricos e celulares, os
chips e os imãs de terras raras para as turbinas da energia eólica, e as placas
solares com silício. Além de essenciais para aplicação de novas tecnologias,
eles são vitais para a indústria de defesa e aeroespacial, como componentes de
laser de mísseis e drones.
O Guia para o Investidor Estrangeiro em
Minerais Críticos para a Transição Energética do Brasil, divulgado pelo MME,
informa que o país tem a maior reserva de nióbio do mundo; está em segundo
lugar em grafite; em terceiro em níquel e terras raras; em quarto em manganês;
em quinto em bauxita e vanádio; em sétimo em lítio; nono em cobalto; e 12º em
cobre.
No entanto, apesar de ter 10% das reservas
mundiais, o Brasil contribui com apenas 0,09% da produção global de minerais
críticos, detalha o relatório da Deloitte e AYA Earth Partners. Os minerais
críticos fazem parte da pauta de exportação basicamente em estado bruto.
A produção de insumos de alta pureza para
tecnologias utilizadas na transição energética ainda está em estágios iniciais,
reconhece o MME. Existe só uma empresa produzindo em pequena escala o carbonato
de lítio para baterias, e o país só é líder global em tecnologias de nióbio.
Os minerais críticos, cuja demanda global
será crescente nas próximas décadas, podem não só ampliar o valor agregado das
exportações, como também impulsionar o crescimento da economia. No estudo das
consultorias, há a estimativa de que, se investir na produção de novas minas e
beneficiar os minérios, o Brasil poderá agregar até R$ 233 bilhões ao Produto
Interno Bruto (PIB) nos próximos 25 anos. Se for além disso e refinar os
minerais, o impacto econômico será maior e atingirá até R$ 243 bilhões nesse período,
colocando o país no mapa global dessa indústria.
Há cerca de 50 projetos de minerais para a
transição energética em andamento no Brasil, entre fases pré-operacionais e de
lavra, com investimentos previstos superiores a US$ 18 bilhões.
A disputa envolve grandes competidores e
exige elevados volumes de recursos. A indústria de minerais críticos é um dos
pivôs da atual disputa entre os EUA e China. Pequim escolheu a restrição à
exportação de algumas terras raras como retaliação às tarifas estratosféricas
impostas por Trump. Os chineses têm larga dianteira, pois minera 70% dos
concentrados de terras raras do mundo, processa 87% do total e refina 91% (FT,
ontem). A China é a maior produtora mundial de 30 dos 44 minerais críticos
monitorados pelo Serviço Geológico dos EUA, e é alvo de volumosos investimentos
desde que Xi Jiping se tornou líder do Partido Comunista Chinês em 2012. É
também a maior compradora dos minerais brasileiros e destinou mais de US$ 13,8
bilhões ao ano para investimentos em exploração mineral desde 2022, maior
volume trienal em uma década.
Matérias-primas estratégicas para defesa e os
setores de ponta da tecnologia de fato merecem uma estratégia detalhada. Não é
desejável que o Brasil persista na posição de apenas fornecedor de
matéria-prima, como ocorre no caso de outros produtos que caracterizam o país
como eterno vendedor de commodities. Agregar valor será uma tarefa tão difícil
quanto driblar a pressão política por fornecimento dos dois maiores contendores
da disputa geopolítica.
Cidadãos
foram roubados sob a guarda do INSS
Folha
de S. Paulo
Auditoria
revela que ignoraram-se indícios de fraude em descontos aplicados em
benefícios; governo deve providências
Uma
quadrilha desvia parte do valor dos benefícios de aposentados e pensionistas
para associações de classe e sindicatos,
que em tese prestariam serviços a essas pessoas.
Parte
dessa organização criminosa atua no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Facilita o
tráfico de dinheiro para as entidades, que firmaram "acordos de cooperação
técnica" com o órgão federal a fim de receber esses "descontos
associativos".
Os
associados não sabem que o são nem deram autorização para o desconto. Pessoas
com deficiência limitadora ou sem alfabetização, indígenas que
moravam em aldeias ou moradores no exterior, milhares foram esbulhados.
É
o roubo consignado.
A
história vai além de um enorme caso de polícia. A leitura de uma
recém-divulgada auditoria da Controladoria-Geral da União, entre outras
investigações e evidências, mostra que o comando de várias gestões do INSS se
comportou com negligência, na melhor hipótese, diante dos indícios gritantes de
desvios.
Cinco
servidores da cúpula do instituto foram afastados ou demitidos, incluindo o
seu agora ex-presidente Alessandro Stefanutto. Ainda não está claro quem é
acusado de tal ou qual crime, mas a CGU comprovou
irresponsabilidade escandalosa.
Entre
abril e julho de 2024, foram entrevistados 1.273 beneficiários do INSS,
escolhidos aleatoriamente, dos quais 97,6% disseram não ter autorizado
descontos; 95,9% diziam não fazer parte de associação.
Uma
explosão do montante descontado não chamou a atenção. Em 2022, a média
mensal era de R$ 58,8 milhões; na primeira metade de 2023, de R$ 81,8 milhões;
em julho daquele ano, R$ 113,7 milhões; em maio de 2024, último dado
considerado, foram mais de R$ 200 milhões.
Aumentaram
ainda mais os pedidos de cancelamento dos descontos por parte da clientela do
INSS. De cerca de 15 mil pedidos mensais nos 12 meses até junho de 2023,
passou-se a quase 85 mil mensais nos 12 meses seguintes.
Em
2019, a Procuradoria da República no Paraná alertara o INSS do problema,
pedindo providências, sem reação suficiente. Em julho de 2024, o instituto
recebeu da CGU texto preliminar de sua auditoria —e, de mais incisivo, apontou
que desde 2024 havia exigência mais rigorosa para autorização de desconto, por
meio de biometria, sem prestar contas a respeito dos sinais de fraude.
Não
há notícia de que a Previdência tenha procedido a uma intervenção saneadora,
que apenas ocorreu depois da operação policial. É um escândalo de incompetência
e desleixo.
O
trabalho de CGU e Polícia
Federal é apenas o começo de uma limpeza que deve continuar por
responsabilização administrativa e política. O esquema decerto começou antes,
mas é ao governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) que cabe
agora responder com providências e explicações pelo roubo em larga escala
ocorrido sob a guarda de um órgão público.
Desigualdade
na educação paulistana
Folha
de S. Paulo
Mais
de 50% dos distritos não atinge média nacional do Ideb no início do ensino
fundamental, que impacta a vida escolar
Os
anos iniciais do ensino fundamental são as raízes que estruturam a aprendizagem
dos alunos durante sua vida acadêmica. Maus indicadores nessa etapa criam uma
reação em cadeia que vai de notas baixas ao desinteresse, ao absenteísmo e à
evasão escolar. É deplorável que até a cidade mais rica do Brasil enfrente
problemas sérios nessa seara.
Segundo
o Mapa da Desigualdade de São Paulo,
levantamento da Rede Nossa São Paulo realizado com dados da prefeitura e do
Ministério da Educação, mais
da metade (53) dos 96 distritos foram incapazes de alcançar a média nacional da
última edição do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) no 1º ao 5º
ano do ensino fundamental, que em 2023 foi de 5,7.
São
Paulo ficou com 5,6, abaixo da meta de 6,2, da nota anterior à pandemia (6)
e de capitais bem mais pobres como Teresina (6,4).
O
estudo apresenta desigualdades que contribuem para manter um
desempenho praticamente estagnado. Se escolas da região da Vila Mariana
conquistam média 7,3, as do Pari só chegam a 4,3.
Foi
analisado, também, o indicador chamado esforço docente, calculado pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), ligado
ao MEC.
Escolas
com boas notas em regiões abastadas não têm nenhum professor com alto esforço
docente—ter mais de 400 alunos, dar aula em duas ou três escolas, em três
turnos e em duas ou três etapas diferentes de ensino.
Já
nas regiões com baixos resultados de aprendizagem e mais pobres, cerca de 10%
dos docentes trabalham nessa condição.
No
primeiro dia do ano escolar de 2025, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que
"todo mundo recebe o mesmo salário, tem a mesma estrutura. Como é que há
escola com nota 7 e outras com nota 4,5? Precisamos de professores
comprometidos". Como se a responsabilidade recaísse apenas sobre os
docentes.
A
desigualdade vem de uma distribuição díspar de investimentos, que, como mostram
os dados, não tem levado em conta a realidade das comunidades.
Não
à toa, a própria Secretaria Municipal de Educação tem parceria firmada com o Instituto de Estudos Avançados Polo
Ribeirão Preto da USP para a
produção de diagnósticos, que revelam discrepâncias até entre escolas de uma
mesma região e indicam diversos fatores como causa, não só a atuação dos
professores.
Que tais evidências sejam de fato manejadas para refinar a gestão da rede paulistana nessa etapa de ensino que é o pilar da formação escolar do alunado.
O vexame dos descontos no INSS
O Estado de S. Paulo
Não faltaram indícios de que havia algo de
muito errado com o sistema de convênios do INSS com entidades e associações de
aposentados e pensionistas, mas governo demorou demais para agir
A megaoperação deflagrada nesta semana pela
Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU) para combater
descontos irregulares em aposentadorias e pensões gerou um novo constrangimento
ao governo Lula da Silva. Até agora, o escândalo derrubou parte da cúpula do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), entre eles seu presidente,
Alessandro Stefanutto, o que é pouco diante da dimensão dos desvios. Quem
deveria ter sido demitido, sem delongas, era o ministro Carlos Lupi, da
Previdência Social.
Não faltaram indícios de que havia algo de
muito errado com o sistema de convênios do INSS com entidades e associações de
aposentados. O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou indícios de fraude
ainda em 2023 e, no ano seguinte, determinou que o INSS adotasse medidas para
impedir prejuízos aos beneficiários.
Uma amostra da CGU com 1,3 mil beneficiários
do INSS revelou que 97% deles não haviam dado consentimento para os descontos.
Até assinaturas falsas foram forjadas para viabilizar os desvios. A imensa
maioria não tinha conhecimento de que os valores eram descontados em folha ou
acreditava que se tratava de procedimento obrigatório.
Enquanto isso, as associações prosperavam. Em
conjunto, as entidades investigadas arrecadaram quase R$ 8 bilhões desde 2016,
dos quais R$ 2,848 bilhões somente no ano passado. A maioria delas não tinha
estrutura nem documentação para prestar os serviços que diziam oferecer.
Pudera: o esquema alcançou 6 milhões de beneficiários.
Uma das entidades investigadas, a Associação
dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), arrecadou R$ 135
em contribuições de associados em 2021. No ano seguinte, suas receitas saltaram
para R$ 14,9 milhões. Em 2023, já estavam na casa dos R$ 91 milhões, e só entre
janeiro e março de 2024 arrecadou R$ 71,6 milhões. Por determinação da Justiça,
a associação teve os bens bloqueados.
Para a Polícia Federal, o INSS pouco fez para
coibir as fraudes, o que justificou o pedido para afastar a cúpula do órgão.
Somente agora os convênios serão suspensos, e os descontos, cancelados. De
fato, é inacreditável que um esquema como esse tenha durado tanto tempo, o que
torna insustentável não apenas a permanência de Stefanutto no cargo, mas a de
Carlos Lupi à frente do Ministério da Previdência.
A bem da verdade, seu nome jamais deveria ter
sido cogitado para a pasta. Não é a primeira vez que Lupi se enrola com casos
de corrupção. Em 2011, ele era ministro do Trabalho e foi demitido pela então
presidente Dilma Rousseff por recomendação da Comissão de Ética Pública. À
época, servidores subordinados a ele na pasta foram acusados de extorquir
entidades para regularizar sua situação junto ao ministério e de autorizar a
criação de sindicatos fantasmas, que não representavam categorias de
trabalhadores.
Com a eleição de Lula, Lupi foi reabilitado e
voltou frequentar a Esplanada dos Ministérios, desta vez na Previdência Social.
Na função, tentou reduzir à força os juros do empréstimo consignado a
aposentados e pensionistas em meio à subida da taxa básica de juros, negou a
existência do astronômico déficit na Previdência Social e colocou em dúvida até
mesmo as projeções do governo sobre as despesas com beneficiários,
invariavelmente subestimadas.
Até aí, suas declarações eram quase
anedóticas. Mas, na quarta-feira passada, sem qualquer constrangimento, Lupi
assumiu a responsabilidade pela indicação de Stefanutto e ainda defendeu o
aliado – que, por sua vez, só pediu demissão depois que Lula determinou que
deixasse o cargo. Logo, não se deve esperar que o ministro tenha o bom senso de
sair do Ministério por iniciativa própria para poupar o governo de mais um
vexame.
O governo ainda deve muitas respostas sobre o
esquema, mas talvez a maior dúvida resida sobre o ressarcimento dos recursos
descontados irregularmente dos aposentados e pensionistas ao longo dos últimos
anos. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, garantiu que “um dia” os
valores terão de ser restituídos e disse que os bens e recursos apreendidos das
entidades serão usados para compensar as perdas. O mínimo que se espera é que
esse dia não demore a chegar.
A infame proposta de Trump para a Ucrânia
O Estado de S. Paulo
Exigir a capitulação da Ucrânia é uma abjeção
moral e um brutal erro geopolítico: longe de garantir a paz, será só um
incentivo para que a Rússia retome sua agressão com mais tranquilidade
Pela biografia de Donald Trump, sabe-se que
ele genuinamente tem aversão a guerras e genuinamente superestima seus talentos
como negociador. Na campanha, ele disse que a guerra na Ucrânia nunca teria
acontecido se fosse presidente e prometeu acabar com a “guerra de Joe Biden” em
um dia. Isso explica sua impaciência, em quase cem dias de mandato. Como
genuíno populista, Trump está pronto a sacrificar os interesses de seu país em
troca de uma satisfação imediata para si e seus eleitores. O acordo que ele está
propondo para pôr fim à guerra – basicamente a capitulação do agredido e a
recompensa ao agressor – não só seria moralmente abjeto, mas geopoliticamente
contraproducente: longe de garantir uma paz duradoura, será só um incentivo
para que no futuro o agressor retome suas agressões com mais confiança. Ou
seja, a paz hoje seria conquistada ao custo de uma guerra maior e pior amanhã.
Seria paranoia conspiratória dizer em sentido
não figurado e sem aspas que Trump é um “agente russo”, mas, de fato, ainda que
involuntariamente, é o que vem sendo. Um ficcionista que tentasse imaginar o
comportamento de um agente russo na Casa Branca dificilmente se sairia com algo
melhor. Não faltam nem algumas “críticas” e “exigências” à Rússia, como faria
um agente para não revelar seu disfarce. Mas, no conjunto da obra, o que ele
fez só fortaleceu a posição de Vladimir Putin como nunca desde o começo da
guerra.
Desde o início, o governo Trump descartou a
entrada da Ucrânia na Otan ou a restauração integral de suas fronteiras.
Depois, sugeriu a intenção de suspender as sanções à Rússia e votou contra
resoluções na ONU críticas à Rússia. E uma das poucas exceções ao tarifaço de
Trump foi, ora vejam, a Rússia de Putin.
Para a Rússia, afagos, para a Ucrânia,
safanões: suspensões temporárias de assistência militar e cooperação de
inteligência; a promessa de que não haveria novos envios de recursos; extorsão
de direitos de exploração de recursos minerais; um ritual público de humilhação
do presidente Volodmir Zelenski no Salão Oval; pressões para que ele reconheça
ganhos territoriais de Putin.
O plano mais recente de Trump não chega a
entregar tudo o que a Rússia quer, mas quase. Os territórios anexados desde
2022 não seriam reconhecidos e a Ucrânia não precisaria se desmilitarizar. Fora
isso, Washington oferece o fim das sanções à Rússia, um cessar-fogo congelando
as linhas atuais e o reconhecimento da Crimeia como território russo. Em troca,
a Ucrânia não recebe praticamente nada, além de promessas vagas de segurança de
Trump, que não valem nada.
É algo que Zelenski não pode aceitar, nem que
quisesse. A sociedade ucraniana jamais toleraria essa decisão. A instabilidade
social poria em risco a própria continuidade de seu governo. Putin sabe disso e
possivelmente tem pressionado os americanos por essa concessão. Das duas, uma:
ou a equipe de Trump não sabe, e isso expõe seu amadorismo, ou sabe, e isso
expõe sua má-fé. Nesse último caso, essas exigências estariam sendo feitas para
acusar Zelenski de intransigência, criando um pretexto para “lavar as mãos”, ou
seja, abandonar a Ucrânia à sua própria sorte e normalizar as relações com
Putin.
Foi exatamente o que Trump fez nos últimos
dias. Enquanto ele só manifestou irritação com os ataques de Putin à Ucrânia,
acusou Zelenski de obstruir a paz, lançando-lhe um ultimato: ou aceita todas as
condições, ou os EUA lhes darão as costas.
O mais inacreditável é que legitimar a
demanda russa pela Crimeia seria danoso aos interesses dos EUA, seja por
degradar sua reputação, seja por encorajar outros agressores (como a China
contra Taiwan), seja por alienar aliados como os europeus, seja por fomentar a
divisão na sociedade americana. Os americanos estavam exaustos com 20 anos de
guerra no Afeganistão, mas nunca perdoaram Biden pela retirada desastrosa que
acabou entregando todas as posições ao Taleban. Muitos podem estar cansados ou
desinteressados na guerra na Ucrânia, e todos sabem que Kiev terá de fazer
concessões, mas não perdoarão Trump por trair um aliado e entregar de bandeja
tudo o que Putin, um inimigo declarado de seu país, quer.
Circo na UTI
O Estado de S. Paulo
Se observasse a lei do bom senso, Moraes
aguardaria hora mais oportuna para intimar Bolsonaro
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF), perdeu mais uma boa oportunidade de exibir sobriedade,
serenidade e temperança, atributos que se espera do Poder Judiciário.
Incomodado com o fato de que o ex-presidente Jair Bolsonaro transformou em
picadeiro político o quarto da UTI onde está internado após uma cirurgia, o
ministro do STF resolveu enviar uma oficial de Justiça para notificá-lo, em
pleno leito, sobre a abertura da ação penal no caso de tentativa de golpe de
Estado e intimá-lo a apresentar sua defesa.
Foi o suficiente para Bolsonaro dobrar a
aposta na performance cênica: durante 11 minutos, enquanto alguém
diligentemente filmava a cena, o ex-presidente questionava a oficial de
Justiça, cobrando-lhe “ciência de que está dentro de uma sala de UTI”, comparando
a atuação da servidora às pessoas que cumpriam ordens da Alemanha nazista e
provocando o seu algoz: “Ele acha que me prendendo ou me tirando da vida
pública, acabou. Está tudo resolvido a questão do Brasil aqui. E não é assim”.
Como populista que é, e com a proximidade
cada vez maior do julgamento sobre a trama golpista de 2022, Bolsonaro não
hesita em aproveitar cada oportunidade para sustentar seu vitimismo,
apresentar-se como um perseguido político de uma suposta ditadura do Judiciário
e montar um circo contínuo para eletrizar a militância. Era esperado, portanto,
que ele próprio transformasse a intimação em ato político. E assim o fez.
O inesperado, nesse caso, é que um ministro
da Suprema Corte brasileira alimente um quiproquó que só interessa a Bolsonaro
e seus aliados liberticidas que se utilizam da falsa ideia de uma ditadura do
Judiciário para justificar seus atos indisfarçavelmente antidemocráticos. Não
havia motivo aparente que impedisse o ministro Moraes de aguardar que o réu em
questão recebesse alta do hospital para, enfim, intimá-lo.
Ocorre que, convicto de sua condição de
plenipotenciário guarda-costas do Estado Democrático de Direito, o ministro
Moraes não parece afeito a tais cuidados. Com seu modus operandi de
modular as ações como se estivesse numa luta do “bem” contra o “mal” – sendo o
“bem” obviamente representado por aqueles que prezam a democracia, liderados
pelo STF –, o ministro reagiu de bate-pronto ao esforço palanqueiro de
Bolsonaro. O ex-presidente havia concedido uma entrevista por vídeo a uma rede
de TV e participado de uma live em que conversou com os três filhos e
o ex-piloto Nelson Piquet. Ato contínuo, Moraes mandou intimá-lo.
Se observada a estrita letra da lei, segundo informa o artigo 244 do Código de Processo Civil, a citação só seria evitada em caso de doente em estado grave – o que não parece ser o caso de Bolsonaro, ainda que seu problema de saúde seja sério. Mas se observada outra lei, a do bom senso, o ministro Moraes teria feito um exame mais profundo das circunstâncias e das consequências da decisão. Preferiu, no entanto, a birra. Pior para a imagem do Supremo.
Abaixo à hipertensão
Correio Braziliense
O que vigora no Brasil (por enquanto) é que a
hipertensão arterial é diagnosticada quando o paciente apresenta um índice
igual ou superior a 13 por 8. A referência deve mudar
Cerca de 28% da população brasileira — 50
milhões de adultos — é afetada pela hipertensão arterial, segundo levantamento
da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por
Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2023. Em todas as 26 capitais brasileiras e
em Brasília, mais mulheres (29,3%) do que homens (26,4%) têm pressão alta.
Recentemente, a hipertensão foi tema de uma
grande polêmica em razão de uma novidade lançada no Congresso Europeu de
Cardiologia, em Londres. Os especialistas classificaram a pressão arterial
antes considerada "normal", 12 por 7 (120 por 70 mmHg), como elevada.
A categorização, porém, não chegou a ser um consenso entre cardiologistas.
Segundo os autores da nova diretriz, a
criação de uma categoria chamada "pressão arterial elevada" é mais um
alerta para intensificar o tratamento precoce, mantendo a pressão dentro da
meta, especialmente em indivíduos com risco aumentado para doenças
cardiovasculares.
No entanto, o que vigora no Brasil (por
enquanto) é que a hipertensão arterial é diagnosticada quando o paciente
apresenta um índice igual ou superior a 13 por 8. Sendo assim, os profissionais
brasileiros têm considerado a medida 12 por 7 um estágio anterior, de
pré-hipertensão, mas o termo tem sido usado ainda com cautela. A expectativa é
de que, ainda neste semestre, as entidades médicas tracem novos parâmetros no
país, tendo como base as mais recentes diretrizes europeias.
Neste mês, as ações giram em torno do Dia
Nacional de Combate à Hipertensão Arterial, celebrado hoje. A campanha
"Aliança onda: menos pressão, mais ação!", liderada pela Sociedade
Brasileira de Hipertensão (SBH), tem estratégias ambiciosas: pretende ter, até
2030, 70% dos pacientes hipertensos brasileiros com a doença controlada, quase
o dobro da realidade atual.
A meta é ainda mais ousada quando se
considera os objetivos traçados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que
espera alcançar o controle da hipertensão em 50% da população mundial até 2040.
Somente no Brasil, isso significa salvar 365 mil vidas.
Para isso, os atores públicos e privados — e
aqui estão incluídos governos estaduais e municipais, entidades médicas
(sociedades e associações), pacientes e sociedade civil — precisam somar
esforços para promover ações de controle destinadas a pacientes hipertensos, o
que passa por educação em saúde, disponibilidade de assistência e criação de
condições que favoreçam à adoção de hábitos saudáveis.
A favor, os envolvidos contam com o uso de tecnologias digitais, na tentativa de influenciar colaboradores — seja informando, seja gerando dados que aprimorem as ações do programa, seja aderindo aos tratamentos. A lista de empecilhos é grande: a avalanche dos ultraprocessados, a cultura do sedentarismo, tão arraigada nos países ocidentais, as dificuldades estruturais para a prática de atividades físicas, entre outros. Inegavelmente, é um trabalho árduo e duradouro, mas nem por isso pode deixar de ser feito.
Governo demite presidente do INSS para conter
crise
O Povo
Milhões de brasileiros dependem dos
benefícios do INSS, sendo que um número significativo deles tem o benefício
previdenciário como a única fonte de renda
O presidente do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), Alessandro Stefanutto, foi demitido do cargo pelo presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva, depois de uma operação organizada pela
Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU) para combater
descontos não autorizados na folha de pagamento de aposentadorias e pensões.
Diferentemente do que aconteceu no caso do
ex-ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União-MA), que foi demitido
somente depois da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), desta vez
Lula agiu rapidamente. O presidente quer reduzir o desgaste que sofrerá, pois o
dano atinge um dos setores mais vulneráveis da sociedade.
Apesar disso, é preciso destacar que a fraude
não está relacionada ao governo atual. O ministro da CGU, Vinicius de Carvalho,
informou que a investigação é uma "operação coordenada do governo
federal", que começou em 2023, com a Controladoria e a PF.
No entanto, se o governo foi rápido para
afastar o presidente do INSS, é preciso lembrar que a denúncia sobre as
ocorrências no instituto já têm algum tempo, sem que nenhuma providência fosse
adotada anteriormente.
Vinicius explicou que, desde 2016, foi
identificada a atuação dessas associações, que começaram em pequeno número, mas
que deram um salto quantitativo a partir de 2018, somando hoje 33 organizações.
A fraude ocorria por meio de descontos
indevidos efetuados na fonte, sem autorização dos supostos filiados às
entidades. A investigação revelou que havia falsificação de assinaturas ou
outras formas de burlar o sistema para fazer os descontos indevidos. Esses
sindicatos e associações, teoricamente, são organizações para fornecer
assistência jurídica, além de outros supostos benefícios.
O ministro da CGU disse que, em uma auditoria
com amostra de 1.300 aposentados, 97% disseram que não haviam assinado nenhuma
autorização para desconto. Além disso, segundo ele, boa parte das entidades
associativas não prestava os serviços prometidos.
Atualmente, cerca de três milhões de
beneficiários do INSS têm algum valor debitado mensalmente de suas
aposentadorias ou pensões a título de desconto associativo. Essas entidades
cobraram de aposentados e pensionistas o valor total de aproximadamente R$ 6,3
bilhões no período entre 2019 e 2024.
Milhões de brasileiros dependem dos
benefícios do INSS, sendo que um número significativo deles tem o benefício
previdenciário como a única fonte de renda da família, um valor baixo para a
maioria. Dados do INSS mostram que 70% dos pagamentos feitos pelo instituto
correspondem a um salário mínimo.
Assim, é preciso que a CGU e a PF continuem esse trabalho, de modo a proteger os interesses dos aposentados e pensionistas.
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