sexta-feira, 25 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Projeto para favela paulistana segue visão correta

O Globo

Três níveis de governo precisam chegar a acordo para oferecer moradia digna a população realocada

O projeto do governo paulista de requalificar urbanisticamente a área da Favela do Moinho, uma das últimas na região central da capital, não deveria ser politizado, mas debatido de forma técnica, levando em consideração os aspectos positivos para a cidade e para os moradores. Espremida entre linhas férreas, com alta densidade populacional, condições críticas de urbanização, dificuldades de acesso e violência, a comunidade abriga 821 famílias em situação vulnerável. Elas devem ter direito a moradias dignas. O plano do estado é reassentá-las e criar no local o Parque do Moinho.

Numa primeira etapa, dez famílias foram realocadas. Não se tratou de retirada compulsória. Ao contrário. Negociações estão em andamento desde o ano passado, envolvendo Defensoria Pública, líderes comunitários, representantes do estado e do município. Segundo o governo estadual, o projeto tem adesão de 719 das 821 famílias. Dessas, 496 já escolheram imóveis e iniciaram procedimentos para receber auxílio-moradia. O governo sustenta que mais de 1.500 unidades estão disponíveis para a realocação, a maioria na região central, em bairros como Brás, Vila Buarque, Campos Elíseos e Barra Funda. Trata-se de questão fundamental, uma vez que os moradores têm rotinas estabelecidas, como trabalho, escola ou postos de saúde. Para os casos em que as unidades não estão prontas, as famílias receberão R$ 2,4 mil de auxílio-mudança e R$ 800 mensais de auxílio-moradia. O custo será dividido entre estado e prefeitura.

Apesar da adesão maciça das famílias e da oferta de moradia, o projeto tem sido politizado, principalmente porque o terreno é propriedade do governo federal, pondo em lados opostos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). O estado já pediu cessão da área, mas a questão está sob avaliação da ministra da Gestão, Esther Dweck. Nos bastidores, a equipe de Tarcísio critica o que considera “má vontade” do governo Lula. A Secretaria de Patrimônio da União (SPU) enviou ofício ao governo paulista pedindo mudanças no plano de reassentamento. A contenda tem mobilizado a oposição e a minoria contrária ao projeto. O ministério não deveria criar caso sem motivo, nem se intrometer num assunto de natureza eminentemente local.

A realocação de famílias não deveria ser tabu para os petistas. No último ano de administração de Marta Suplicy (PT) na Prefeitura de São Paulo, foi concluído o condomínio Parque do Gato, no próprio Bom Retiro, com mais de 400 unidades habitacionais onde antes existia uma favela. Foi bom para os moradores e para a cidade.

Realocar moradores de favelas é sempre questão sensível. Em parte, porque os programas habitacionais ao longo de décadas fizeram o contrário do que deveria ser feito, jogando os moradores para áreas distantes, com problemas de transporte e infraestrutura, enquanto as áreas centrais se esvaziam. Não é caso da Favela do Moinho, cujos moradores serão realocados na área central. Ela não oferece condições dignas de moradia a ninguém, como mostram os vários incêndios. Não bastassem os problemas urbanísticos, o local é tomado pela violência do crime organizado. Governos federal, estadual e municipal precisam chegar a um acordo. Um parque no centro de São Paulo, moradias mais dignas e novas estações de trem é tudo de que a cidade e os moradores mais precisam.

Multa aplicada a Apple e Meta na Europa deveria soar alarme no Brasil

O Globo

Europeus e americanos tentam impor disciplina a plataformas digitais — e o Congresso brasileiro despreza o tema

Em decisão inédita baseada na recente Lei dos Mercados Digitais, os reguladores da União Europeia aplicaram multa de € 500 milhões à Apple e de € 200 milhões à Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp). Trata-se de mais um avanço regulatório sobre as grandes plataformas digitais, que deveria servir de alerta ao Brasil.

A Apple foi multada por ter violado o direito dos criadores de aplicativos de informar gratuitamente seus clientes sobre ofertas alternativas fora de sua loja, a App Store. Os reguladores consideraram a prática prejudicial a desenvolvedores e consumidores. A partir de agora, barreiras técnicas e comerciais serão eliminadas para permitir a comunicação de promoções. A empresa pretende recorrer.

A Meta foi multada por ter obrigado usuários do Facebook e do Instagram a escolher entre permitir uso de seus dados pessoais para fins de publicidade ou pagar por um serviço de assinatura mensal sem anúncios. De acordo com a lei europeia, os consumidores têm o direito de permitir exposição menor de dados pessoais e manter serviço próximo ao oferecido a assinantes. Em novembro do ano passado, a Meta reviu sua oferta, e os reguladores ainda estudam o impacto da mudança.

A lei permite que os reguladores imponham multas equivalentes a até 10% do faturamento global das empresas. Por esse parâmetro, os valores cobrados nesta semana foram baixos, uma espécie de aviso para que entrem na linha sem grandes danos. Em tempos de guerra comercial, os europeus parecem ter tomado cuidado.

Ainda que a Casa Branca tenha protestado, o governo americano não tem tido comportamento muito diferente nas ações judiciais que move contra as plataformas digitais. Até agora, Donald Trump nada fez para livrar a Meta de processo diante da Comissão Federal de Comércio (FTC), autoridade que regula a concorrência, apesar de Mark Zuckerberg ter doado dinheiro para sua campanha eleitoral e adotado novas políticas alinhadas com o governo em relação ao conteúdo. O Google já foi considerado culpado por abuso de monopólio em dois processos, e o governo pediu que a sentença preveja o desmembramento da empresa.

Tal cerco às plataformas digitais deveria acender o alarme no Congresso em Brasília, onde os projetos de lei para regular as redes sociais dormitam sem a devida atenção das lideranças. Enquanto o mundo age contra o poder excessivo e prejudicial das plataformas, os congressistas brasileiros se comportam como se não tivessem nada a ver com o assunto.

O dever de discipliná-las tem recaído por gravidade sobre os tribunais. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem dado atenção às campanhas de desinformação, mas isso não supre a carência evidente de legislação. É urgente retomar o debate no Congresso. A negligência dos parlamentares adia a solução de questões que não desaparecerão.

Disputa geopolítica exige plano para minerais críticos

Valor Econômico

Não é desejável que o Brasil persista na posição de apenas fornecedor de matéria-prima, como ocorre no caso de outros produtos que caracterizam o país como eterno vendedor de commodities

Os minerais críticos tornaram-se um ativo raro e valioso na disputa geopolítica entre as grandes potências, escancarada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com as ameaças à Groelândia e Ucrânia. O Brasil tem condições para ser um dos grandes players nesse mercado graças a suas reservas naturais.

Em tramitação há quase um ano na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que propõe a criação da Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE) não avançou. É o PL 2.780, apresentado em julho de 2024 e encaminhado um mês depois à Comissão de Desenvolvimento Econômico, em cujas gavetas ficou hibernando durante todo o segundo semestre. Somente em janeiro houve alguma novidade, quando seu relator, deputado Alceu Moreira, deixou de ser membro da comissão. Espera-se que tenha melhor sorte nas mãos do novo relator designado, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP).

O Ministério de Minas e Energia prometeu viabilizar uma política para minerais críticos e o ministro Alexandre Silveira reiterou esse compromisso na quarta-feira, durante o “Summit Valor Brasil-China 2025”, em Xangai. Um dos objetivos é ampliar o conhecimento geológico, a pesquisa e a produção mineral. Ainda é escasso o conhecimento a respeito da qualidade dos minerais críticos disponíveis no solo brasileiro. Estudo da consultoria Deloitte em parceria com a AYA Earth Partners aponta que apenas 35% do potencial mineral do território brasileiro foi mapeado. Por isso, foi constituído um fundo para investir em empresas menores que pesquisam os minerais disponíveis, que deverá reunir R$ 1 bilhão - R$ 500 milhões serão divididos em partes iguais entre o BNDES e a Vale.

Um outro fundo será criado, de R$ 5 bilhões, para desenvolver a indústria de transformação, ou seja, o refino desses minerais, para a produção dos bens que tornaram essas matérias-primas tão especiais como as baterias de lítio para os veículos elétricos e celulares, os chips e os imãs de terras raras para as turbinas da energia eólica, e as placas solares com silício. Além de essenciais para aplicação de novas tecnologias, eles são vitais para a indústria de defesa e aeroespacial, como componentes de laser de mísseis e drones.

O Guia para o Investidor Estrangeiro em Minerais Críticos para a Transição Energética do Brasil, divulgado pelo MME, informa que o país tem a maior reserva de nióbio do mundo; está em segundo lugar em grafite; em terceiro em níquel e terras raras; em quarto em manganês; em quinto em bauxita e vanádio; em sétimo em lítio; nono em cobalto; e 12º em cobre.

No entanto, apesar de ter 10% das reservas mundiais, o Brasil contribui com apenas 0,09% da produção global de minerais críticos, detalha o relatório da Deloitte e AYA Earth Partners. Os minerais críticos fazem parte da pauta de exportação basicamente em estado bruto.

A produção de insumos de alta pureza para tecnologias utilizadas na transição energética ainda está em estágios iniciais, reconhece o MME. Existe só uma empresa produzindo em pequena escala o carbonato de lítio para baterias, e o país só é líder global em tecnologias de nióbio.

Os minerais críticos, cuja demanda global será crescente nas próximas décadas, podem não só ampliar o valor agregado das exportações, como também impulsionar o crescimento da economia. No estudo das consultorias, há a estimativa de que, se investir na produção de novas minas e beneficiar os minérios, o Brasil poderá agregar até R$ 233 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos 25 anos. Se for além disso e refinar os minerais, o impacto econômico será maior e atingirá até R$ 243 bilhões nesse período, colocando o país no mapa global dessa indústria.

Há cerca de 50 projetos de minerais para a transição energética em andamento no Brasil, entre fases pré-operacionais e de lavra, com investimentos previstos superiores a US$ 18 bilhões.

A disputa envolve grandes competidores e exige elevados volumes de recursos. A indústria de minerais críticos é um dos pivôs da atual disputa entre os EUA e China. Pequim escolheu a restrição à exportação de algumas terras raras como retaliação às tarifas estratosféricas impostas por Trump. Os chineses têm larga dianteira, pois minera 70% dos concentrados de terras raras do mundo, processa 87% do total e refina 91% (FT, ontem). A China é a maior produtora mundial de 30 dos 44 minerais críticos monitorados pelo Serviço Geológico dos EUA, e é alvo de volumosos investimentos desde que Xi Jiping se tornou líder do Partido Comunista Chinês em 2012. É também a maior compradora dos minerais brasileiros e destinou mais de US$ 13,8 bilhões ao ano para investimentos em exploração mineral desde 2022, maior volume trienal em uma década.

Matérias-primas estratégicas para defesa e os setores de ponta da tecnologia de fato merecem uma estratégia detalhada. Não é desejável que o Brasil persista na posição de apenas fornecedor de matéria-prima, como ocorre no caso de outros produtos que caracterizam o país como eterno vendedor de commodities. Agregar valor será uma tarefa tão difícil quanto driblar a pressão política por fornecimento dos dois maiores contendores da disputa geopolítica.

Cidadãos foram roubados sob a guarda do INSS

Folha de S. Paulo

Auditoria revela que ignoraram-se indícios de fraude em descontos aplicados em benefícios; governo deve providências

Uma quadrilha desvia parte do valor dos benefícios de aposentados e pensionistas para associações de classe e sindicatos, que em tese prestariam serviços a essas pessoas.

Parte dessa organização criminosa atua no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Facilita o tráfico de dinheiro para as entidades, que firmaram "acordos de cooperação técnica" com o órgão federal a fim de receber esses "descontos associativos".

Os associados não sabem que o são nem deram autorização para o desconto. Pessoas com deficiência limitadora ou sem alfabetização, indígenas que moravam em aldeias ou moradores no exterior, milhares foram esbulhados.

É o roubo consignado.

A história vai além de um enorme caso de polícia. A leitura de uma recém-divulgada auditoria da Controladoria-Geral da União, entre outras investigações e evidências, mostra que o comando de várias gestões do INSS se comportou com negligência, na melhor hipótese, diante dos indícios gritantes de desvios.

Cinco servidores da cúpula do instituto foram afastados ou demitidos, incluindo o seu agora ex-presidente Alessandro Stefanutto. Ainda não está claro quem é acusado de tal ou qual crime, mas a CGU comprovou irresponsabilidade escandalosa.

Entre abril e julho de 2024, foram entrevistados 1.273 beneficiários do INSS, escolhidos aleatoriamente, dos quais 97,6% disseram não ter autorizado descontos; 95,9% diziam não fazer parte de associação.

Uma explosão do montante descontado não chamou a atenção. Em 2022, a média mensal era de R$ 58,8 milhões; na primeira metade de 2023, de R$ 81,8 milhões; em julho daquele ano, R$ 113,7 milhões; em maio de 2024, último dado considerado, foram mais de R$ 200 milhões.

Aumentaram ainda mais os pedidos de cancelamento dos descontos por parte da clientela do INSS. De cerca de 15 mil pedidos mensais nos 12 meses até junho de 2023, passou-se a quase 85 mil mensais nos 12 meses seguintes.

Em 2019, a Procuradoria da República no Paraná alertara o INSS do problema, pedindo providências, sem reação suficiente. Em julho de 2024, o instituto recebeu da CGU texto preliminar de sua auditoria —e, de mais incisivo, apontou que desde 2024 havia exigência mais rigorosa para autorização de desconto, por meio de biometria, sem prestar contas a respeito dos sinais de fraude.

Não há notícia de que a Previdência tenha procedido a uma intervenção saneadora, que apenas ocorreu depois da operação policial. É um escândalo de incompetência e desleixo.

O trabalho de CGU e Polícia Federal é apenas o começo de uma limpeza que deve continuar por responsabilização administrativa e política. O esquema decerto começou antes, mas é ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que cabe agora responder com providências e explicações pelo roubo em larga escala ocorrido sob a guarda de um órgão público.

Desigualdade na educação paulistana

Folha de S. Paulo

Mais de 50% dos distritos não atinge média nacional do Ideb no início do ensino fundamental, que impacta a vida escolar

Os anos iniciais do ensino fundamental são as raízes que estruturam a aprendizagem dos alunos durante sua vida acadêmica. Maus indicadores nessa etapa criam uma reação em cadeia que vai de notas baixas ao desinteresse, ao absenteísmo e à evasão escolar. É deplorável que até a cidade mais rica do Brasil enfrente problemas sérios nessa seara.

Segundo o Mapa da Desigualdade de São Paulo, levantamento da Rede Nossa São Paulo realizado com dados da prefeitura e do Ministério da Educação, mais da metade (53) dos 96 distritos foram incapazes de alcançar a média nacional da última edição do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) no 1º ao 5º ano do ensino fundamental, que em 2023 foi de 5,7.

São Paulo ficou com 5,6, abaixo da meta de 6,2, da nota anterior à pandemia (6) e de capitais bem mais pobres como Teresina (6,4).

O estudo apresenta desigualdades que contribuem para manter um desempenho praticamente estagnado. Se escolas da região da Vila Mariana conquistam média 7,3, as do Pari só chegam a 4,3.

Foi analisado, também, o indicador chamado esforço docente, calculado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), ligado ao MEC.

Escolas com boas notas em regiões abastadas não têm nenhum professor com alto esforço docente—ter mais de 400 alunos, dar aula em duas ou três escolas, em três turnos e em duas ou três etapas diferentes de ensino.

Já nas regiões com baixos resultados de aprendizagem e mais pobres, cerca de 10% dos docentes trabalham nessa condição.

No primeiro dia do ano escolar de 2025, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que "todo mundo recebe o mesmo salário, tem a mesma estrutura. Como é que há escola com nota 7 e outras com nota 4,5? Precisamos de professores comprometidos". Como se a responsabilidade recaísse apenas sobre os docentes.

A desigualdade vem de uma distribuição díspar de investimentos, que, como mostram os dados, não tem levado em conta a realidade das comunidades.

Não à toa, a própria Secretaria Municipal de Educação tem parceria firmada com o Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP para a produção de diagnósticos, que revelam discrepâncias até entre escolas de uma mesma região e indicam diversos fatores como causa, não só a atuação dos professores.

Que tais evidências sejam de fato manejadas para refinar a gestão da rede paulistana nessa etapa de ensino que é o pilar da formação escolar do alunado.

O vexame dos descontos no INSS

O Estado de S. Paulo

Não faltaram indícios de que havia algo de muito errado com o sistema de convênios do INSS com entidades e associações de aposentados e pensionistas, mas governo demorou demais para agir

A megaoperação deflagrada nesta semana pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU) para combater descontos irregulares em aposentadorias e pensões gerou um novo constrangimento ao governo Lula da Silva. Até agora, o escândalo derrubou parte da cúpula do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), entre eles seu presidente, Alessandro Stefanutto, o que é pouco diante da dimensão dos desvios. Quem deveria ter sido demitido, sem delongas, era o ministro Carlos Lupi, da Previdência Social.

Não faltaram indícios de que havia algo de muito errado com o sistema de convênios do INSS com entidades e associações de aposentados. O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou indícios de fraude ainda em 2023 e, no ano seguinte, determinou que o INSS adotasse medidas para impedir prejuízos aos beneficiários.

Uma amostra da CGU com 1,3 mil beneficiários do INSS revelou que 97% deles não haviam dado consentimento para os descontos. Até assinaturas falsas foram forjadas para viabilizar os desvios. A imensa maioria não tinha conhecimento de que os valores eram descontados em folha ou acreditava que se tratava de procedimento obrigatório.

Enquanto isso, as associações prosperavam. Em conjunto, as entidades investigadas arrecadaram quase R$ 8 bilhões desde 2016, dos quais R$ 2,848 bilhões somente no ano passado. A maioria delas não tinha estrutura nem documentação para prestar os serviços que diziam oferecer. Pudera: o esquema alcançou 6 milhões de beneficiários.

Uma das entidades investigadas, a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), arrecadou R$ 135 em contribuições de associados em 2021. No ano seguinte, suas receitas saltaram para R$ 14,9 milhões. Em 2023, já estavam na casa dos R$ 91 milhões, e só entre janeiro e março de 2024 arrecadou R$ 71,6 milhões. Por determinação da Justiça, a associação teve os bens bloqueados.

Para a Polícia Federal, o INSS pouco fez para coibir as fraudes, o que justificou o pedido para afastar a cúpula do órgão. Somente agora os convênios serão suspensos, e os descontos, cancelados. De fato, é inacreditável que um esquema como esse tenha durado tanto tempo, o que torna insustentável não apenas a permanência de Stefanutto no cargo, mas a de Carlos Lupi à frente do Ministério da Previdência.

A bem da verdade, seu nome jamais deveria ter sido cogitado para a pasta. Não é a primeira vez que Lupi se enrola com casos de corrupção. Em 2011, ele era ministro do Trabalho e foi demitido pela então presidente Dilma Rousseff por recomendação da Comissão de Ética Pública. À época, servidores subordinados a ele na pasta foram acusados de extorquir entidades para regularizar sua situação junto ao ministério e de autorizar a criação de sindicatos fantasmas, que não representavam categorias de trabalhadores.

Com a eleição de Lula, Lupi foi reabilitado e voltou frequentar a Esplanada dos Ministérios, desta vez na Previdência Social. Na função, tentou reduzir à força os juros do empréstimo consignado a aposentados e pensionistas em meio à subida da taxa básica de juros, negou a existência do astronômico déficit na Previdência Social e colocou em dúvida até mesmo as projeções do governo sobre as despesas com beneficiários, invariavelmente subestimadas.

Até aí, suas declarações eram quase anedóticas. Mas, na quarta-feira passada, sem qualquer constrangimento, Lupi assumiu a responsabilidade pela indicação de Stefanutto e ainda defendeu o aliado – que, por sua vez, só pediu demissão depois que Lula determinou que deixasse o cargo. Logo, não se deve esperar que o ministro tenha o bom senso de sair do Ministério por iniciativa própria para poupar o governo de mais um vexame.

O governo ainda deve muitas respostas sobre o esquema, mas talvez a maior dúvida resida sobre o ressarcimento dos recursos descontados irregularmente dos aposentados e pensionistas ao longo dos últimos anos. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, garantiu que “um dia” os valores terão de ser restituídos e disse que os bens e recursos apreendidos das entidades serão usados para compensar as perdas. O mínimo que se espera é que esse dia não demore a chegar.

A infame proposta de Trump para a Ucrânia

O Estado de S. Paulo

Exigir a capitulação da Ucrânia é uma abjeção moral e um brutal erro geopolítico: longe de garantir a paz, será só um incentivo para que a Rússia retome sua agressão com mais tranquilidade

Pela biografia de Donald Trump, sabe-se que ele genuinamente tem aversão a guerras e genuinamente superestima seus talentos como negociador. Na campanha, ele disse que a guerra na Ucrânia nunca teria acontecido se fosse presidente e prometeu acabar com a “guerra de Joe Biden” em um dia. Isso explica sua impaciência, em quase cem dias de mandato. Como genuíno populista, Trump está pronto a sacrificar os interesses de seu país em troca de uma satisfação imediata para si e seus eleitores. O acordo que ele está propondo para pôr fim à guerra – basicamente a capitulação do agredido e a recompensa ao agressor – não só seria moralmente abjeto, mas geopoliticamente contraproducente: longe de garantir uma paz duradoura, será só um incentivo para que no futuro o agressor retome suas agressões com mais confiança. Ou seja, a paz hoje seria conquistada ao custo de uma guerra maior e pior amanhã.

Seria paranoia conspiratória dizer em sentido não figurado e sem aspas que Trump é um “agente russo”, mas, de fato, ainda que involuntariamente, é o que vem sendo. Um ficcionista que tentasse imaginar o comportamento de um agente russo na Casa Branca dificilmente se sairia com algo melhor. Não faltam nem algumas “críticas” e “exigências” à Rússia, como faria um agente para não revelar seu disfarce. Mas, no conjunto da obra, o que ele fez só fortaleceu a posição de Vladimir Putin como nunca desde o começo da guerra.

Desde o início, o governo Trump descartou a entrada da Ucrânia na Otan ou a restauração integral de suas fronteiras. Depois, sugeriu a intenção de suspender as sanções à Rússia e votou contra resoluções na ONU críticas à Rússia. E uma das poucas exceções ao tarifaço de Trump foi, ora vejam, a Rússia de Putin.

Para a Rússia, afagos, para a Ucrânia, safanões: suspensões temporárias de assistência militar e cooperação de inteligência; a promessa de que não haveria novos envios de recursos; extorsão de direitos de exploração de recursos minerais; um ritual público de humilhação do presidente Volodmir Zelenski no Salão Oval; pressões para que ele reconheça ganhos territoriais de Putin.

O plano mais recente de Trump não chega a entregar tudo o que a Rússia quer, mas quase. Os territórios anexados desde 2022 não seriam reconhecidos e a Ucrânia não precisaria se desmilitarizar. Fora isso, Washington oferece o fim das sanções à Rússia, um cessar-fogo congelando as linhas atuais e o reconhecimento da Crimeia como território russo. Em troca, a Ucrânia não recebe praticamente nada, além de promessas vagas de segurança de Trump, que não valem nada.

É algo que Zelenski não pode aceitar, nem que quisesse. A sociedade ucraniana jamais toleraria essa decisão. A instabilidade social poria em risco a própria continuidade de seu governo. Putin sabe disso e possivelmente tem pressionado os americanos por essa concessão. Das duas, uma: ou a equipe de Trump não sabe, e isso expõe seu amadorismo, ou sabe, e isso expõe sua má-fé. Nesse último caso, essas exigências estariam sendo feitas para acusar Zelenski de intransigência, criando um pretexto para “lavar as mãos”, ou seja, abandonar a Ucrânia à sua própria sorte e normalizar as relações com Putin.

Foi exatamente o que Trump fez nos últimos dias. Enquanto ele só manifestou irritação com os ataques de Putin à Ucrânia, acusou Zelenski de obstruir a paz, lançando-lhe um ultimato: ou aceita todas as condições, ou os EUA lhes darão as costas.

O mais inacreditável é que legitimar a demanda russa pela Crimeia seria danoso aos interesses dos EUA, seja por degradar sua reputação, seja por encorajar outros agressores (como a China contra Taiwan), seja por alienar aliados como os europeus, seja por fomentar a divisão na sociedade americana. Os americanos estavam exaustos com 20 anos de guerra no Afeganistão, mas nunca perdoaram Biden pela retirada desastrosa que acabou entregando todas as posições ao Taleban. Muitos podem estar cansados ou desinteressados na guerra na Ucrânia, e todos sabem que Kiev terá de fazer concessões, mas não perdoarão Trump por trair um aliado e entregar de bandeja tudo o que Putin, um inimigo declarado de seu país, quer.

Circo na UTI

O Estado de S. Paulo

Se observasse a lei do bom senso, Moraes aguardaria hora mais oportuna para intimar Bolsonaro

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), perdeu mais uma boa oportunidade de exibir sobriedade, serenidade e temperança, atributos que se espera do Poder Judiciário. Incomodado com o fato de que o ex-presidente Jair Bolsonaro transformou em picadeiro político o quarto da UTI onde está internado após uma cirurgia, o ministro do STF resolveu enviar uma oficial de Justiça para notificá-lo, em pleno leito, sobre a abertura da ação penal no caso de tentativa de golpe de Estado e intimá-lo a apresentar sua defesa.

Foi o suficiente para Bolsonaro dobrar a aposta na performance cênica: durante 11 minutos, enquanto alguém diligentemente filmava a cena, o ex-presidente questionava a oficial de Justiça, cobrando-lhe “ciência de que está dentro de uma sala de UTI”, comparando a atuação da servidora às pessoas que cumpriam ordens da Alemanha nazista e provocando o seu algoz: “Ele acha que me prendendo ou me tirando da vida pública, acabou. Está tudo resolvido a questão do Brasil aqui. E não é assim”.

Como populista que é, e com a proximidade cada vez maior do julgamento sobre a trama golpista de 2022, Bolsonaro não hesita em aproveitar cada oportunidade para sustentar seu vitimismo, apresentar-se como um perseguido político de uma suposta ditadura do Judiciário e montar um circo contínuo para eletrizar a militância. Era esperado, portanto, que ele próprio transformasse a intimação em ato político. E assim o fez.

O inesperado, nesse caso, é que um ministro da Suprema Corte brasileira alimente um quiproquó que só interessa a Bolsonaro e seus aliados liberticidas que se utilizam da falsa ideia de uma ditadura do Judiciário para justificar seus atos indisfarçavelmente antidemocráticos. Não havia motivo aparente que impedisse o ministro Moraes de aguardar que o réu em questão recebesse alta do hospital para, enfim, intimá-lo.

Ocorre que, convicto de sua condição de plenipotenciário guarda-costas do Estado Democrático de Direito, o ministro Moraes não parece afeito a tais cuidados. Com seu modus operandi de modular as ações como se estivesse numa luta do “bem” contra o “mal” – sendo o “bem” obviamente representado por aqueles que prezam a democracia, liderados pelo STF –, o ministro reagiu de bate-pronto ao esforço palanqueiro de Bolsonaro. O ex-presidente havia concedido uma entrevista por vídeo a uma rede de TV e participado de uma live em que conversou com os três filhos e o ex-piloto Nelson Piquet. Ato contínuo, Moraes mandou intimá-lo.

Se observada a estrita letra da lei, segundo informa o artigo 244 do Código de Processo Civil, a citação só seria evitada em caso de doente em estado grave – o que não parece ser o caso de Bolsonaro, ainda que seu problema de saúde seja sério. Mas se observada outra lei, a do bom senso, o ministro Moraes teria feito um exame mais profundo das circunstâncias e das consequências da decisão. Preferiu, no entanto, a birra. Pior para a imagem do Supremo.

Abaixo à hipertensão

Correio Braziliense

O que vigora no Brasil (por enquanto) é que a hipertensão arterial é diagnosticada quando o paciente apresenta um índice igual ou superior a 13 por 8. A referência deve mudar

Cerca de 28% da população brasileira — 50 milhões de adultos — é afetada pela hipertensão arterial, segundo levantamento da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2023. Em todas as 26 capitais brasileiras e em Brasília, mais mulheres (29,3%) do que homens (26,4%) têm pressão alta.

Recentemente, a hipertensão foi tema de uma grande polêmica em razão de uma novidade lançada no Congresso Europeu de Cardiologia, em Londres. Os especialistas classificaram a pressão arterial antes considerada "normal", 12 por 7 (120 por 70 mmHg), como elevada. A categorização, porém, não chegou a ser um consenso entre cardiologistas.

Segundo os autores da nova diretriz, a criação de uma categoria chamada "pressão arterial elevada" é mais um alerta para intensificar o tratamento precoce, mantendo a pressão dentro da meta, especialmente em indivíduos com risco aumentado para doenças cardiovasculares.

No entanto, o que vigora no Brasil (por enquanto) é que a hipertensão arterial é diagnosticada quando o paciente apresenta um índice igual ou superior a 13 por 8. Sendo assim, os profissionais brasileiros têm considerado a medida 12 por 7 um estágio anterior, de pré-hipertensão, mas o termo tem sido usado ainda com cautela. A expectativa é de que, ainda neste semestre, as entidades médicas tracem novos parâmetros no país, tendo como base as mais recentes diretrizes europeias.

Neste mês, as ações giram em torno do Dia Nacional de Combate à Hipertensão Arterial, celebrado hoje. A campanha "Aliança onda: menos pressão, mais ação!", liderada pela Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH), tem estratégias ambiciosas: pretende ter, até 2030, 70% dos pacientes hipertensos brasileiros com a doença controlada, quase o dobro da realidade atual.

A meta é ainda mais ousada quando se considera os objetivos traçados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que espera alcançar o controle da hipertensão em 50% da população mundial até 2040. Somente no Brasil, isso significa salvar 365 mil vidas.

Para isso, os atores públicos e privados — e aqui estão incluídos governos estaduais e municipais, entidades médicas (sociedades e associações), pacientes e sociedade civil — precisam somar esforços para promover ações de controle destinadas a pacientes hipertensos, o que passa por educação em saúde, disponibilidade de assistência e criação de condições que favoreçam à adoção de hábitos saudáveis.

A favor, os envolvidos contam com o uso de tecnologias digitais, na tentativa de influenciar colaboradores — seja informando, seja gerando dados que aprimorem as ações do programa, seja aderindo aos tratamentos. A lista de empecilhos é grande: a avalanche dos ultraprocessados, a cultura do sedentarismo, tão arraigada nos países ocidentais, as dificuldades estruturais para a prática de atividades físicas, entre outros. Inegavelmente, é um trabalho árduo e duradouro, mas nem por isso pode deixar de ser feito.

Governo demite presidente do INSS para conter crise

O Povo

Milhões de brasileiros dependem dos benefícios do INSS, sendo que um número significativo deles tem o benefício previdenciário como a única fonte de renda

O presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto, foi demitido do cargo pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, depois de uma operação organizada pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU) para combater descontos não autorizados na folha de pagamento de aposentadorias e pensões.

Diferentemente do que aconteceu no caso do ex-ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União-MA), que foi demitido somente depois da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), desta vez Lula agiu rapidamente. O presidente quer reduzir o desgaste que sofrerá, pois o dano atinge um dos setores mais vulneráveis da sociedade.

Apesar disso, é preciso destacar que a fraude não está relacionada ao governo atual. O ministro da CGU, Vinicius de Carvalho, informou que a investigação é uma "operação coordenada do governo federal", que começou em 2023, com a Controladoria e a PF.

No entanto, se o governo foi rápido para afastar o presidente do INSS, é preciso lembrar que a denúncia sobre as ocorrências no instituto já têm algum tempo, sem que nenhuma providência fosse adotada anteriormente.

Vinicius explicou que, desde 2016, foi identificada a atuação dessas associações, que começaram em pequeno número, mas que deram um salto quantitativo a partir de 2018, somando hoje 33 organizações.

A fraude ocorria por meio de descontos indevidos efetuados na fonte, sem autorização dos supostos filiados às entidades. A investigação revelou que havia falsificação de assinaturas ou outras formas de burlar o sistema para fazer os descontos indevidos. Esses sindicatos e associações, teoricamente, são organizações para fornecer assistência jurídica, além de outros supostos benefícios.

O ministro da CGU disse que, em uma auditoria com amostra de 1.300 aposentados, 97% disseram que não haviam assinado nenhuma autorização para desconto. Além disso, segundo ele, boa parte das entidades associativas não prestava os serviços prometidos.

Atualmente, cerca de três milhões de beneficiários do INSS têm algum valor debitado mensalmente de suas aposentadorias ou pensões a título de desconto associativo. Essas entidades cobraram de aposentados e pensionistas o valor total de aproximadamente R$ 6,3 bilhões no período entre 2019 e 2024.

Milhões de brasileiros dependem dos benefícios do INSS, sendo que um número significativo deles tem o benefício previdenciário como a única fonte de renda da família, um valor baixo para a maioria. Dados do INSS mostram que 70% dos pagamentos feitos pelo instituto correspondem a um salário mínimo.

Assim, é preciso que a CGU e a PF continuem esse trabalho, de modo a proteger os interesses dos aposentados e pensionistas.

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