O Globo
O combate à corrupção precisa ser resgatado
dos seus descaminhos porque é também uma frente de defesa da democracia
A luta pela democracia tem muitas frentes. Uma delas é o combate à corrupção, que reforça a confiança dos cidadãos no sistema aberto e livre. A prisão de Fernando Collor de Mello lembra ao Brasil que a agenda de combate à corrupção precisa ser defendida. O caso identificado pela Controladoria Geral da União, de que desde 2019, sob olhares passivos da Previdência Social, estava sendo roubado o dinheiro de aposentados e pensionistas mostra como isso pode ser lesivo à população. O grande risco que a democracia corre nessa frente é que a extrema direita opera a versão de que há um conspiração no Supremo Tribunal Federal para livrar a esquerda das acusações de corrupção, e que ela seria a salvação, por isso estaria sendo “perseguida” pelo STF.
O combate à corrupção precisa ser resgatado
dos descaminhos nos quais entrou. O então juiz Sergio Moro aderiu
ao governo Bolsonaro e ex-integrantes do Ministério Público passaram a ser
histriônicos defensores do extremismo. Ficou claro então que, desde o começo,
eles tinham uma agenda política e seu maior alvo era o presidente Lula.
As comprovações de conluio entre Ministério Público e a 13ª Vara sustentaram a
condenação de Moro como juiz parcial. A extrema direita no poder teve casos de
corrupção, como rachadinhas e intervenção em órgãos públicos para interesse
pessoal. O próprio Moro saiu do governo denunciando ingerência na Polícia
Federal. Depois, num caso de “cegueira deliberada”, para usar sua expressão,
voltou a ser um fiel seguidor do bolsonarismo.
O STF, por sua vez, tem sido ambíguo. A
correção do julgamento de Lula foi importante para combater os erros da Lava
Jato. Contudo, as decisões de anulação sequencial de provas e de julgamentos
são controversas, para dizer o mínimo. Muitos ministros votam hoje contra seus
próprios votos de ontem. O ministro Dias
Toffoli tomou duas decisões. Anulou provas contra Marcelo Odebrecht e
esta decisão foi referendada pela segunda turma. Em outra decisão, ele também
tornou inválidas todas as provas do acordo de leniência do grupo Odebrecht.
Todos os réus confessos, todas as abundantes provas de que a empreiteira tinha
uma diretoria da corrupção, o Departamento de Operações Estruturadas, tudo foi
jogado no lixo por Toffoli. Há três recursos contra essa anulação geral das
provas. Da Associação Nacional dos Procuradores da República, do Ministério
Público de São Paulo e da PGR. Esses recursos nunca foram apreciados pelo STF.
No estágio avançado de desmonte da Lava Jato
pode parecer estranho o ex-presidente ser preso como parte daquela operação,
mas há diferenças relevantes. Collor era senador quando foi denunciado em 2015
e, por isso, seu caso sempre ficou no STF, longe, portanto, de Curitiba. O caso
dele não passou pela Odebrecht e as provas anuladas pelo ministro Dias Toffoli.
Na ação de Collor, as delações tiveram influência, mas houve provas materiais
de que ele recebeu R$ 20 milhões da UTC pela influência que tinha na BR Distribuidora.
Collor é um corrupto serial. É irônico que,
com todo seu histórico, tenha sido preso não por crimes cometidos em seu
governo, mas por vantagens obtidas em administrações petistas. Collor respondeu
a processo de impeachment por corrupção. Provas de lavagem de dinheiro ilegal
através do uso de uma multidão de fantasmas foram exibidas ao país na CPI do PC
Farias. O próprio Banco Central entregou ao Congresso as cópias dos cheques.
Apesar disso, em 1994, ele foi absolvido pelo STF porque os ministros avaliaram
que as provas eram insuficientes. Imagine se ele tivesse ido para a cadeia
naquele momento, o quanto a democracia teria sido blindada contra a corrupção?
Na mesma semana, houve a revelação do caso do
INSS e a prisão de Collor. A CGU constatou que os aposentados e pensionistas
estavam sendo roubados, a Polícia Federal investigou e o esquema começou no
governo Bolsonaro. O governo Lula identificou a fraude e promete devolver o
dinheiro às vítimas. A prisão de Collor reaviva todas as lembranças da mal
resolvida operação Lava Jato. Os R$ 6,7 bilhões devolvidos à Petrobras sempre
serão uma gritante prova material da corrupção. O Supremo deveria ser capaz de
separar o que foi perseguição política do que foi revelação de crimes. É
essencial para preservar a confiança de que a democracia corrige seus próprios
erros e, assim, evitar que golpistas usem mais uma mentira para prevalecer.
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