domingo, 27 de abril de 2025

Economia vai bem, mas o chato tem razão - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Sem a cooperação governamental, a política anti-inflacionária permanece como tarefa exclusiva do Banco Central

Exibindo mais otimismo do que o mercado, o governo continua apostando em crescimento econômico de 2,5% neste ano, mas sem prometer às famílias um custo de vida muito mais suportável. Fora do governo, têm melhorado a cada semana as projeções de aumento da produção, já elevadas a 2% no final da semana passada. Mas a alta de preços prevista para o ano – aquele terror vivido nas lojas, nos supermercados e nos endereços de serviços – permanece acima do teto da meta, fixado oficialmente em 4,5%. No mercado, a inflação estimada para 2025 ainda estava em 5,57% no final da semana passada, segundo o boletim Focus, publicado pelo Banco Central (BC). Nem o pessoal do Ministério da Fazenda tem mencionado projeções abaixo de 5%, mesmo com a expectativa de uma boa safra de comida.

Puxados pelo aumento da atividade e do emprego, os salários têm crescido, permitindo aos brasileiros algum aumento de consumo, condições de vida um pouco melhores e expectativas um pouco melhores. Mas os preços continuam subindo e nenhum sinal de acomodação apareceu até agora no horizonte da economia brasileira. O encarecimento da cesta básica já afetou a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornando mais complicado o quadro eleitoral previsto para 2026. Ele se recusou a intervir nos preços e, assim, evitou um erro perigoso e muito comum na história brasileira.

Ao evitar esse caminho, o presidente rejeitou uma solução tão populista quanto enganosa, mas ainda falhou na escolha de uma ação mais eficaz contra a inflação. A importação de alimentos foi uma iniciativa de maior sentido prático, embora de efeito muito limitado naquele momento. Uma ação mais clara e mais convincente na direção do equilíbrio deveria incluir o ajuste das contas públicas por meio de uma firme contenção dos gastos federais, sem aumento de tributos. O mero anúncio de um esforço de contenção já poderia produzir efeitos positivos no setor financeiro e um rearranjo de políticas em outros setores da economia. Mas contenção de gastos é uma solução geralmente incompatível com os padrões políticos do presidente Lula e das tradições dominantes no petismo.

Enquanto o presidente avança de acordo com seus padrões, as tensões inflacionárias permanecem muito visíveis nas estatísticas. Em março, a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi de 0,56%. É um número bem menor que o do mês anterior (1,31%), mas ainda muito alto. O indicador subiu 2,04% ao longo do primeiro trimestre e acumulou alta de 5,48% em 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A meta central, um objetivo permanente, é uma inflação de 3% a cada período equivalente a um ano. A margem de tolerância é de 1,5 ponto porcentual para mais ou para menos. Além de continuar muito longe do centro, a taxa acumulada em 12 meses tem superado o teto da meta. No período encerrado em dezembro de 2024, a variação foi de 4,83%.

Enquanto a inflação se mantém acima do limite superior e muito longe da meta central, o governo segue seu dia a dia sem nada fazer de relevante para frear o aumento de preços. Sem a cooperação governamental, a política anti-inflacionária permanece como tarefa exclusiva do Banco Central, isto é, da autoridade monetária mais visível e mais cobrável. Para conter a inflação e tentar conduzi-la à meta, o Banco Central utiliza como principal instrumento a taxa básica de juros. Encarecer o dinheiro, mantendo-o caro pelo tempo julgado necessário, é sua forma de controlar a demanda por bens e serviços e, assim, dificultar a elevação dos preços.

Juros altos são tão impopulares entre consumidores e empresários quanto abominados por autoridades governamentais, porque atrapalham a expansão dos negócios e reduzem os efeitos expansionistas da política econômica. Durante semanas, o presidente americano, Donald Trump, pressionou o presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, para afrouxar a política monetária. Ameaçou trabalhar pela demissão de Jerome Powell, presidente do Fed, mas acabou recuando e tentando uma pacificação.

No Brasil, o presidente Lula diminuiu há tempos as pressões mais ostensivas sobre o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. Agora menos pressionado – pelo menos publicamente –, Galípolo reafirma o compromisso de trabalhar para conduzir a inflação à meta e assume com todas as palavras a intenção de ser, se necessário, o chato da festa. Ao traduzir a chatice como a disposição de mandar recolher as bebidas quando todos estão muito animados, Galípolo oferece uma boa descrição do condutor da política monetária.

Dirigentes sérios de bancos centrais poderiam ser mais agradáveis, mais festivos e bem menos incômodos, se as autoridades com poder para gastar e escolher a destinação do dinheiro público fossem mais contidas e mais cautelosas em suas políticas. Se agissem dessa forma, a autoridade responsável, em última instância, pela preservação do valor do dinheiro teria menos motivos para intervir e estragar a festa. Para testar essa afirmação, basta olhar a história do Brasil.

 

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