domingo, 27 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Gestão paraestatal volta a crescer no governo Lula

O Globo

Na indicação dos conselheiros da União em 63 empresas, prevalecem critérios políticos e pecuniários

O Conselho de Administração das empresas de capital aberto é uma garantia para os acionistas. Fiscaliza as decisões dos gestores responsáveis pelo dia a dia das corporações e contribui com a visão estratégica dos conselheiros, com o objetivo de aumentar a lucratividade e perpetuar o negócio. No Brasil, contudo, tem sido frequente a distorção desses princípios nas empresas em que o Estado detém participação acionária e o direito de indicar integrantes do Conselho. Embora não sejam formalmente empresas estatais, nem controladas pelo governo, suas atividades acabam por adquirir uma natureza paraestatal, influenciada pela política. Isso quando a motivação da indicação não é exclusivamente pecuniária (conselheiros são muito bem remunerados), prejudicando ao mesmo tempo a estratégia corporativa, a geração de riqueza e, em consequência, a economia brasileira.

Há, de acordo com levantamento do GLOBO, 63 companhias privadas ou de economia mista espalhadas por 20 setores em que o governo pode indicar nomes aos Conselhos de Administração ou Fiscal. Sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as escolhas têm obedecido à lógica de aumentar os ganhos de integrantes do primeiro e segundo escalões, alinhar a empresa às políticas do governo e distribuir favores. Nenhum desses critérios resulta na escolha de profissionais reconhecidos, com pensamento estratégico.

Em 2023, o coronel da Aeronáutica Geraldo Corrêa de Lyra Junior tornou-se conselheiro da companhia de energia Copel. No currículo, a informação mais saliente era ter sido piloto do avião presidencial nos governos de Lula e de Dilma Rousseff. Para a metalúrgica Tupi, o PT indicou os ministros Carlos Lupi (Previdência), Anielle Franco (Igualdade Racial) e Vinícius de Carvalho (Controladoria-Geral da União). Não é do conhecimento público a competência técnica dos três nesse segmento da economia. Nem o governo tenta esconder que a motivação é elevar os ganhos do primeiro escalão. A remuneração anual mais modesta no conselho da Tupi em 2023 foi de R$ 546 mil, segundo reportagem do GLOBO. Para os beneficiados, é um dinheiro que só depende da permanência no governo. Para a empresa, é uma oportunidade desperdiçada.

A motivação pecuniária nem é a pior. O governo também indica nomes para Conselhos com a intenção de influir na gestão das empresas. Não faz sentido acreditar que seus representantes são os mais indicados para pensar estrategicamente sobre o futuro de algumas das empresas mais relevantes do Brasil, como JBS, Vale, Bradesco, Itaú, Natura, Gerdau, Embraer, Vibra ou Renner. A cada quatro anos, os ventos que sopram de Brasília podem mudar de rumo — e as empresas e a economia arcam com as consequências.

Tudo poderia ser diferente — e já foi. No governo Michel Temer, o BNDES passou a indicar como conselheiros profissionais independentes, com reconhecido conhecimento na área de atuação da empresa, sem ligação com o governo. Não durou muito. Assim que o PT voltou ao poder, o banco voltou a indicar nomes alinhados com o partido. O mesmo comportamento se repete em fundos de pensão, suscetíveis aos desmandos do governo. Não é com o modelo de capitalismo paraestatal que o Brasil terá empresas de excelência internacional, capazes de contribuir da melhor forma para o crescimento da economia.

Abandono de fábrica de vacina expõe falha de gestão da Fiocruz

O Globo

Prometido por Lula há 16 anos, complexo já consumiu R$ 1,2 bilhão, mas ainda está nas fundações

É lamentável constatar que o terreno onde seria construída a maior e mais moderna fábrica de vacinas e medicamentos da América Latina, prometida há 16 anos pelo governo do então (e hoje) presidente Luiz Inácio Lula da Silva, serve como pasto para gado. Do anunciado Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, existem apenas as fundações dos mais de 40 prédios. O complexo não tem data para ser concluído e já consumiu cerca de R$ 1,2 bilhão.

De acordo com relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), que investiga o caso, a maior parte dos recursos foi empregada na compra de equipamentos. Como mostrou reportagem do GLOBO, quando a obra estava em fase de terraplenagem, em 2014, a Bio-Manguinhos, responsável pela produção de vacinas da Fiocruz, importou 27 máquinas de grande porte, além de quatro linhas de envase para a etapa final de produção das vacinas. Custaram R$ 813 milhões, segundo números atualizados pelo TCU.

Desde 2018, os equipamentos estão encaixotados num galpão na Baixada Fluminense, em área controlada pelo tráfico. Estão inoperantes, mas geram despesa. Nos últimos três anos, a Fiocruz autorizou pagamentos de R$ 14,3 milhões para aluguel do espaço. A garantia dos fabricantes já expirou, segundo o TCU. Não se sabe em que condições estão as máquinas.

A compra antecipada foi justificada como precondição técnica para o desenvolvimento do projeto executivo da obra, uma vez que haveria risco de incompatibilidade física, “comprometendo a instalação e a operação do complexo”. O TCU não engoliu a justificativa e multou três funcionários em R$ 50 mil. A punição é acertada, mas não repara os erros.

Em 2021, sem verba para tocar o projeto, a Fiocruz habilitou um consórcio para concluí-lo por um modelo em que o governo paga uma espécie de aluguel pela construção sob medida (built to suit, ou BTS). Mas a obra não andou. Segundo o TCU, não houve execução contratual devido às dificuldades do consórcio para captar recursos privados e financiar a operação. Agora se discute se o projeto passará ao Orçamento federal. Estima-se que, para concluir a fábrica, sejam necessários ao menos quatro anos e mais de R$ 5,4 bilhões, ou 4,5 vezes o que já foi gasto. Depois de mais de uma década, tudo ainda é incerteza.

O episódio expõe mais uma vez a incúria no uso do dinheiro público e erros de gestão. A Fiocruz é uma instituição científica de excelência, mas falhou na execução do empreendimento, que nem saiu dos alicerces. A despeito do alto custo, o governo federal deveria se esforçar para concluir a fábrica. Não só porque já gastou, mas também por se tratar de projeto estratégico que traria mais autonomia. Na pandemia, viu-se quanto o Brasil ainda é dependente do exterior para produzir vacinas. Hoje, do jeito como está, o projeto só tem utilidade para o gado.

Mundo sob Trump tem menos crescimento e mais inflação

Folha de S. Paulo

FMI aponta retração da atividade e preços altos em meio à guerra comercial; no Brasil, dívida pública é fator de risco

Diante do aumento das tensões comerciais que elevam incertezas e impactam decisões de consumo e investimento, o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou para baixo as projeções para o crescimento econômico mundial neste 2025, de 3,3% para 2,8%, e em 2026, de 3,3% para 3%.

Se confirmados tais prognósticos, será o menor ritmo de atividade desde a pandemia de Covid-19. A principal razão para o pessimismo, obviamente, é a escalada da guerra comercial deflagrada pelos Estados Unidos sob a administração de Donald Trump.

As novas tarifas de importação, especialmente contra artigos da Chinadesencadearam retaliações, como restrições do gigante asiático à exportação de minerais raros. Essa dinâmica ameaça as cadeias globais de suprimentos, altamente integradas.

O FMI destaca que as tarifas representam um choque negativo na oferta. Na realidade atual de produção integrada, os bens intermediários cruzam fronteiras múltiplas vezes antes de se tornarem produtos finais.

Perturbações setoriais podem se propagar rapidamente, elevando custos para empresas e consumidores.
Instituições financeiras, por sua vez, reavaliam a oferta de crédito, temendo exposição a um ambiente instável. O FMI estima que os riscos de uma recessão global subiram de 17% para 30%, embora ainda descarte uma contração generalizada.

Além do prejuízo na produção, os custos devem se materializar em queda mais lenta da inflação, cuja projeção foi elevada para 4,3% em 2025 e 3,6% em 2026, com aumentos notáveis nos EUA (para 3% neste ano, ante 2% previstos anteriormente).

Há, contudo, certa esperança de acomodação com a negociação de novos acordos comerciais entre Washington e outras regiões. As tratativas, segundo a delegação americana no encontro semestral do Fundo, estariam em andamento com vistas a reduzir o déficit comercial do país, hoje na casa de US$ 1 trilhão anual.

Para uma solução sustentável, contudo, será necessário agir em outras frentes e num espírito de cooperação, atributo hoje escasso. No caso dos EUA, a redução do déficit fiscal é premente, mas ainda não visível. Do mesmo modo, há ceticismo com os estímulos adotados para ampliar a demanda interna nas regiões hoje superavitárias no comércio, caso da Alemanha e da China.

Para o Brasil, o FMI revisou ligeiramente as projeções de crescimento do PIB de 2,2% para 2% em 2025 e 2026, em qualquer caso uma desaceleração em relação ao padrão dos últimos anos.

Entre os gargalos apontados estão a inflação persistente, estimada em 5,3% em 2025 e 4,3% em 2026, e o aumento galopante da dívida pública. O momento exige cautela e o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deveria agir com essa premissa em mente. A insistência em medidas de expansão de gastos será um erro que infelizmente o Planalto ainda demonstra minimizar.

Mágoas passadas não removem o Moinho

Folha de S. Paulo

Necessária, retirada de favela em SP impõe superação de atritos entre governos e realocação adequada na própria região

Há um enclave indigno e de acesso único em plena região central de São Paulo, ladeado por trilhos e sob o risco de duas linhas férreas e do crime organizado, onde se espremem cerca de 800 famílias que só recentemente tiveram acesso a água encanada e esgoto.

favela do Moinho, erguida sobre os escombros de uma fábrica desativada, foi por mais de 30 anos cenário de incêndios e disputas por posse, além de retrato mais evidente do déficit habitacional da metrópole.

Por tudo isso, a remoção de seus residentes para moradias minimamente apropriadas se faz necessária e urgente. Um novo plano em curso —outras autoridades naufragaram em tentativas ao longo das décadas— está sendo tocado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Nele prevê-se a desocupação gradual para unidades já existentes e outras ainda a serem construídas, inclusive com a possibilidade de financiamento no mercado privado, cobertura de gastos com a mudança das famílias, indenização a comerciantes e apoio temporário com repasse de auxílio aluguel —estes dois últimos em parceria com a prefeitura.

O governo paulista afirma que o modelo proposto tem o aval de quase 90% da comunidade. Algumas famílias já começaram a deixar o local, mas muitas estão apreensivas com a presença da Polícia Militar, o receio de um eventual despejo diante de recusas ao acordo e suposta pressão para aceitar imóveis em regiões distantes e com valores acima de sua capacidade financeira.

Representantes da gestão refutam tais alegações, além das críticas de que a real motivação do governo seria a valorização imobiliária no entorno do futuro centro administrativo estadual, ambicioso projeto que deverá receber a nova sede do Bandeirantes.

Os imbróglios não param por aí. A gestão Tarcísio cobra apoio mais efetivo do governo federal (inclusive financeiro), já que a favela está situada em um terreno da União. A intenção é obter a cessão gratuita do espaço para a construção de um parque e de uma estação de trem.

Já o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) condiciona seu envolvimento a garantias de que o reassentamento ocorra sob vontade dos moradores, além de exigir detalhes "sobre o endereço efetivo e prazo de entrega das unidades".

O fim da ocupação do Moinho, única favela no centro, demanda que os três níveis da Federação demonstrem espírito público acima de rivalidades políticas na recuperação da área, a observar os direitos dos moradores e os recursos dos contribuintes.

A boa procrastinação

O Estado de S. Paulo

Em circunstâncias normais, PL da Anistia nem sequer deveria ser discutido. Mas, como não vivemos tempos normais, Hugo Motta acerta ao tentar esfriar o tema antes de enterrá-lo de vez

Conta-se que Santo Expedito sonhou com um corvo que gritava “cras”, isto é, “amanhã” em latim, no que se tornou o símbolo da procrastinação que só interessava ao diabo – e Santo Expedito se tornou então o santo das causas urgentes. Pois hoje, em Brasília, a causa mais urgente é justamente procrastinar, quando se trata do famigerado projeto de lei que anistia os golpistas bolsonaristas. É o que faz bravamente o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Motta avançou mais uma etapa em seu esforço de dar ao projeto de anistia o destino que lhe cabe: o esquecimento. O deputado informou que o Colégio de Líderes da Câmara decidiu adiar a análise do requerimento de urgência do projeto. Na costura política liderada por Motta, a maioria dos partidos se manifestou contra acelerar a tramitação neste momento. Isolados, por ora, somente o PL e o Novo defenderam a discussão imediata.

Foi do PL a iniciativa de protocolar, há alguns dias, o requerimento que pede urgência na tramitação do projeto, com a subscrição de 262 parlamentares. Se eventualmente for aprovado, o pedido abre caminho para que a proposta seja votada direto no plenário, sem precisar passar pelas comissões temáticas da Câmara. Ainda que o presidente da Câmara não seja obrigado a pautá-lo, o número de assinaturas é uma forma de demonstração do apoio à matéria dentro da Casa legislativa. Com efeito, aumentou a pressão sobre Hugo Motta para fazê-lo, ao que ele vem resistindo.

Em circunstâncias normais, porém, o projeto nem sequer deveria ser discutido por gente séria, muito menos ser objeto de negociação entre partidos. Não só a maioria dos brasileiros é contra a anistia, como há problemas mais urgentes a tratar. O projeto é também uma afronta ao Judiciário, por ignorar um julgamento que nem sequer terminou no Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que estamos longe de viver em circunstâncias normais. A disfuncionalidade das instituições, a recorrência das votações polarizadoras no Congresso, o fantasma do extremismo e a gravidade dos delitos cometidos pelos golpistas se somam à tentativa do ex-presidente Jair Bolsonaro de capturar o tema da anistia em benefício próprio, dando sobrevida à tese delirante de que ele é um perseguido político e que ainda poderá concorrer à Presidência da República.

Equilibrando-se entre essas pressões e circunstâncias, o deputado Hugo Motta parece ser o homem certo no lugar certo para esses tempos turvos: pertence a um grupo político que tem sido o fiel da balança entre o lulopetismo e o bolsonarismo e reúne atributos e poderes suficientes para fazer a mediação tanto entre governistas e oposicionistas como entre a direita democrata e a direita extremista e liberticida. Não é um equilíbrio trivial.

O presidente da Câmara sabe que a sociedade, em sua maioria, não compartilha do desejo de absolvição sumária para aqueles que atentaram contra as instituições democráticas. Sabe, por outro lado, que não pode simplesmente dar um cavalo de pau e enterrar o PL da noite para o dia – como deveria fazê-lo, insista-se, fossem normais as circunstâncias. Sua negociação com o Colégio de Líderes tem a exata medida do realismo: numa ponta, esfria-se o tema; em outra, negocia-se uma proposta que escape de um mal maior, isto é, a anistia irrestrita.

Antes que os oportunistas de ocasião se aproveitem, convém deixar muito claro: o PL da Anistia – na forma como está ou com qualquer alívio seletivo, fruto de negociação política na Câmara – é uma iniciativa desarrazoada e inconcebível. Seu único objetivo é reabilitar politicamente Jair Bolsonaro e dar sobrevida a um movimento radicalmente antidemocrático que nunca quis o bem do Brasil. Não à toa, apesar da campanha de grupelhos em seu favor, jamais chegou perto de ser uma agenda de interesse nacional.

Mas o barulho dos bolsonaristas impede que o projeto tenha, o quanto antes, o destino que merece. Assim, faz sentido que haja uma articulação entre Executivo, Legislativo e Judiciário para entregar alguns anéis, isto é, atenuar algumas penas de vândalos golpistas do 8 de Janeiro, para preservar os dedos, mandando para a cadeia, por um bom tempo, os articuladores e líderes da intentona bolsonarista.

Drible na transparência

O Estado de S. Paulo

Em meio a debate sobre supersalários, ‘jabuti’ em projeto que pune de forma mais dura quem atenta contra juízes e membros do MP pode esconder valor de contracheques desses servidores

O Congresso aprovou um projeto de lei que poderá dificultar aos cidadãos o acesso a informações dos contracheques de magistrados e membros do Ministério Público (MP), numa evidente afronta à transparência. Mas não só isso. A proposta pode dar margem à violação do princípio da igualdade, segundo o qual todos são iguais perante a lei, ao garantir a juízes, promotores e procuradores um tratamento diferenciado em relação ao resto da sociedade.

Esse projeto chancelado por deputados e senadores altera um dispositivo da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que passa a prever que a divulgação de “dados pessoais” dessas autoridades “sempre” leve “em consideração o risco inerente ao desempenho de suas atribuições”. Na prática, pode permitir que dados públicos sobre salários desses servidores sejam omitidos, num contexto de discussão sobre supersalários do Judiciário.

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta, “o que interessa para a sociedade é saber a folha de pagamento”, e “não necessariamente se em um mês o juiz A ou B ganhou mais ou menos”. Já a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) afirmou que o objetivo da medida, além de preservar a intimidade, é “resguardar a integridade física e a segurança dos juízes, que, com frequência, atuam sob ameaça de morte”.

Não se sabe muito bem por que razão “o juiz A ou B” seria um alvo de criminosos uma vez divulgados seus salários. Se magistrados correm algum risco, é como consequência de seu trabalho, que muitas vezes envolve casos protagonizados por perigosos delinquentes e organizações criminosas, e não porque “ganham mais ou menos”. Por isso, e também porque nem todo magistrado lida com casos assim, não se pode condenar quem veja na manobra uma maneira de impedir que a sociedade saiba que “o juiz A ou B” está ganhando mais do que prevê a Constituição.

Os congressistas já tinham ciência desse alerta quando aprovaram essa proposta, inserida num projeto de matéria penal que discutia tornar hediondos os crimes de homicídio e lesão corporal contra magistrados, promotores e procuradores e que nada tinha a ver com a proteção de dados. Trata-se de um “jabuti”, que, no jargão político, significa que um dispositivo sem relação com o texto principal foi inserido no projeto.

Essa manobra foi rejeitada pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), a agência que fiscaliza o cumprimento da LGPD, durante a tramitação do projeto. Em nota técnica, o órgão afirmou que a regra é “demasiadamente” restrita a uma parcela da população, “diminuindo, assim, o caráter geral e abstrato da lei”, que já confere igual proteção a todo e qualquer titular de dados pessoais.

A ANPD argumentou ainda que “a lógica de privilegiar determinados grupos do poder público” não deveria ir adiante por ser incompatível com a LGPD, “além de se revelar medida não isonômica, excludente, que segrega titulares de dados pessoais pelo seu ofício”. Por tudo isso, o órgão afirmou que vai recomendar ao presidente Lula da Silva que vete o projeto. É o que também esperamos.

É graças aos mecanismos de transparência que o brasileiro toma ciência de que no fim do ano ocorre a “dezembrada”, quando um integrante de carreira jurídica pode ganhar até R$ 700 mil por mês. É um valor que extrapola o atual teto constitucional, de R$ 46.366,19, em virtude da profusão de penduricalhos autoconcedidos por decisões administrativas de conselhos superiores da magistratura e do Ministério Público.

Sob variadas justificativas dos membros dessas carreiras, como um suposto excesso de trabalho ou um alegado risco à segurança, a lei parece não alcançar essas autoridades. E esse recente projeto de lei é só um sintoma da disfuncionalidade de um sistema de Justiça cujos membros se julgam acima da lei que deveriam ser os primeiros a cumprir. Talvez magistrados, promotores e procuradores tenham se esquecido de que o Brasil é uma república e creiam piamente viver numa paralela “monarquia da toga”.

O resultado do protecionismo

O Estado de S. Paulo

Economia fechada põe o Brasil na lanterna de ranking de competitividade com 18 países

O Brasil ficou em último lugar no mais recente ranking de competitividade industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), antecipado pelo Estadão/Broadcast. O levantamento comparou 18 nações das Américas, Europa e Ásia que disputam os mesmos mercados de exportação e importação e têm um conjunto de produção relativamente semelhante. Os cinco países da América do Sul listados ocuparam as posições finais, pela ordem: Chile, Argentina, Colômbia, Peru e Brasil.

No relatório Competitividade Brasil – 2023/2024, a mais recente versão do levantamento realizado desde 2010, houve mudanças metodológicas em relação a rankings anteriores, buscando privilegiar similaridades na comparação entre as economias concorrentes. Mas o fato é que o País, que nunca saiu do terço inferior da classificação, desta vez caiu para a lanterna.

Mais do que apontar fragilidades nacionais em importantes fatores que ditam a concorrência internacional, como qualificação da mão de obra, ambientes macroeconômico e de negócios, educação, tributação, condições de financiamento, infraestrutura e logística, o levantamento da CNI atesta o resultado de décadas de protecionismo da economia brasileira – uma fórmula arcaica ainda em uso no País para proteger uma indústria que, assim, se acomoda e se torna menos competitiva.

Edições anteriores da pesquisa, disponíveis na internet a partir do levantamento de 2016, mostram a competitividade brasileira em 17.º lugar até o período 2021/2022, quando subiu uma posição, beneficiada pela melhora do ambiente de negócios – registrado em mais de uma edição – e ganhos em financiamento e tributação. Na pesquisa atual, o ambiente econômico, aliado ao desenvolvimento humano e trabalho e à educação, foram os três principais fatores, entre os oito analisados, a puxar o Brasil para o fim da fila.

A questão, porém, vai muito além da disputa pelas últimas colocações. É necessário abandonar de vez a “zona de rebaixamento” e ingressar ao menos no grupo intermediário da competição, onde está a Índia, que tem elevado sua competitividade a partir de políticas de abertura da economia. O estudo destaca que a Índia ainda amarga as piores posições em seis dos oito fatores considerados, mas o quarto lugar em “comércio e integração internacional” garantiu ao país no cômputo geral a 12.ª colocação.

Como diz o documento da CNI, mensurar a competitividade do país é um importante passo para direcionar a formulação de políticas públicas e estratégias de desenvolvimento. Mas, para além do diagnóstico, é preciso que o Brasil repense o próprio modelo de desenvolvimento, excessivamente voltado a salvaguardar a produção local, mirando prioritariamente o consumo interno.

Por esse tipo de pensamento, ainda figuramos com frequência em listas das economias mais fechadas do mundo. O Brasil se acostumou a buscar soluções em políticas de subsídios e barreiras alfandegárias que deveriam ser usadas em caráter excepcional, mas se transformaram em regra.

COP30 sob risco de esvaziamento

Correio Braziliense

Brasil e ONU reiteram o alerta sobre a urgência climática e reforçam a necessidade de os países acelerarem as medidas de contenção do aquecimento global

Faltando cerca de 200 dias para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o secretário-geral da ONU, António Guterres, reiteraram o alerta sobre a urgência climática. Na última quarta-feira, o chefe do governo brasileiro e o dirigente do órgão máximo do multilateralismo reforçaram a necessidade de os países acelerarem as medidas de contenção do aquecimento global. E cobraram uma participação maior dos países desenvolvidos, que têm responsabilidade direta no desequilíbrio ambiental que ameaça formar um cenário sem precedentes na era moderna.

Entre as várias ações pendentes para a Cúpula em Belém, está a definição das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), a parcela de esforço de cada país em favor da sustentabilidade. Até aqui, apenas 10% das nações envolvidas nas negociações apresentaram esse percentual. As NDCs deveriam ter sido definidas em fevereiro, mas o prazo foi estendido para setembro. O Brasil anunciou a sua meta no ano passado, na COP29, realizada no Azerbaijão: reduzir 67% de emissões de gases de efeito estufa até 2035.    

Lula e Guterres conduziram a Cúpula Virtual sobre Ambição Climática. No discurso de abertura, o presidente mencionou algumas das previsões sombrias amplamente divulgadas pela comunidade científica. Disse que o aquecimento global está ocorrendo em uma velocidade maior do que o previsto; que a temperatura média da Terra ultrapassou pela primeira vez, em 2024, o limite crítico de 1,5ºC acima dos níveis anteriores à Revolução Industrial; que a Amazônia enfrentou a maior seca da história no ano passado; e que a degradação ambiental está provocando fenômenos devastadores, como o branqueamento massivo de corais nos oceanos. 

"Negar a crise climática não vai fazê-la desaparecer", advertiu Lula. Ainda é incerto, porém, se a mensagem do governante brasileiro terá a repercussão necessária para induzir um movimento global em favor da sustentabilidade. É verdade que economias relevantes, como China e União Europeia, participaram da Cúpula Virtual, em um gesto de sensibilidade aos apelos em favor do meio ambiente. Mas o impasse permanece, e ele é de caráter financeiro: é preciso buscar um consenso para que US$ 1,3 trilhão sejam investidos anualmente até 2035 a fim de evitar o colapso global.   

Essa equação tem se tornado cada vez mais difícil, especialmente quando os Estados Unidos, o segundo país emissor de gases de efeito estufa, passam por uma reviravolta com o governo Trump. O chefe da Casa Branca já deixou claro que pretende dar prioridade à produção de combustíveis fósseis e esvaziar iniciativas para energias renováveis. Em janeiro, Trump abandonou, pela segunda vez, o Acordo Climático de Paris. As perspectivas, como se vê, são pessimistas.  

Como ressaltou Lula, os países que enriqueceram na "economia do carbono" precisam se engajar firmemente no enfrentamento da crise climática. Do contrário, a Cúpula de Belém corre o risco de cair no esvaziamento.

O fim da era Francisco

O Povo

A Praça de São Pedro, no Vaticano, que reunia milhares de fiéis a cada domingo, esperando pela mensagem e pelo aceno do papa Francisco, foi a mesma que congregou uma multidão de pessoas nesse sábado, 26/4, para prestar a última homenagem ao pontífice. Calcula-se que mais de 250 mil pessoas estiveram na Praça se despedindo do papa.

De lá, após a cerimônia com a Missa das Exéquias, o caixão com o corpo do papa foi levado até a Basílica de Santa Maria Maior, onde foi sepultado. A celebração foi conduzida pelo cardeal italiano Giovanni Battista Re, decano do Colégio dos Cardeais. Além da multidão na praça, dezenas de chefes de Estado, inclusive o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, participaram da cerimônia. A presença unida de vários líderes políticos, de posicionamentos divergentes, demonstra, além da liturgia institucional do cargo, que o papa tentou, em todo o seu mandato, promover a paz, combater as guerras e unir os povos.

O encontro das autoridades com pensamentos até contraditórios politicamente, em meio a guerras que ora ocorrem em lugares diversos do mundo, é um retrato representativo da promoção da paz pela qual o papa tanto lutou. A imagem do encontro reservado do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na Basílica de São Pedro, pouco antes da cerimônia, é um registro marcante desse cenário. Nas redes sociais, Zelensky afirmou que essa reunião, ali no Vaticano, próximo do corpo do papa, foi "muito simbólica" e "tem potencial para se tornar histórica".

É mais uma prova de que o papa cumpriu sua missão evangélica até quando foi possível. E mesmo ali, quando parecia que não havia mais nada a fazer. Dialoga com o que disse o médico Sergio Alfieri, chefe da equipe médica que cuidava de Francisco: "Sabíamos que ele queria ir para casa para ser papa até o último momento. E ele não nos decepcionou".

O ritual desse sábado crava o fim da era Francisco, um período de 12 anos marcado pela abertura maior da Igreja a assuntos sensíveis, pelo diálogo do pontífice com líderes políticos de opiniões diversas e pelo posicionamento mais humanitário vindo de um chefe da Igreja. Não foi, porém, um caminho fácil. O papa foi criticado por vários setores mais conservadores da Igreja e não hesitou. Manteve o diálogo, inclusive se aproximando mais das pessoas, dos leigos em geral, expondo uma figura com defesa firme de certos pontos, mas com uma ternura sem igual.

Ao fim, Francisco foi sepultado com sapatos gastos, um par daqueles que o acompanharam em muitas missões. Nesse gesto aparentemente simples, mas radicalmente humilde, o papa expôs o seu pontificado. Ali são os sapatos que abraçaram os pés que visitaram palácios, castelos e embaixadas, mas, sobretudo, igrejas, favelas, presídios e hospitais. Ali há uma marca de pegadas de quem viveu o papado a abraçar o sofredor e acolher o angustiado.

A despedida de Francisco cumpriu os ritos habituais da Igreja, com um cerimonial cuidadoso e respeitoso. Mas a pedido dele em vida, não houve requinte. O papa que quis a Igreja de portas abertas e muros derrubados viveu o Evangelho de Cristo até seu momento final. 

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