Gestão paraestatal volta a crescer no governo Lula
O Globo
Na indicação dos conselheiros da União em 63
empresas, prevalecem critérios políticos e pecuniários
O Conselho de Administração das empresas de
capital aberto é uma garantia para os acionistas. Fiscaliza as decisões dos
gestores responsáveis pelo dia a dia das corporações e contribui com a visão
estratégica dos conselheiros, com o objetivo de aumentar a lucratividade e
perpetuar o negócio. No Brasil, contudo, tem sido frequente a distorção desses
princípios nas empresas em que o Estado detém participação acionária e o
direito de indicar integrantes do Conselho. Embora não sejam formalmente
empresas estatais, nem controladas pelo governo, suas atividades acabam por
adquirir uma natureza paraestatal, influenciada pela política. Isso quando a
motivação da indicação não é exclusivamente pecuniária (conselheiros são muito
bem remunerados), prejudicando ao mesmo tempo a estratégia corporativa, a
geração de riqueza e, em consequência, a economia brasileira.
Há, de acordo com levantamento do GLOBO, 63 companhias privadas ou de economia mista espalhadas por 20 setores em que o governo pode indicar nomes aos Conselhos de Administração ou Fiscal. Sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as escolhas têm obedecido à lógica de aumentar os ganhos de integrantes do primeiro e segundo escalões, alinhar a empresa às políticas do governo e distribuir favores. Nenhum desses critérios resulta na escolha de profissionais reconhecidos, com pensamento estratégico.
Em 2023, o coronel da Aeronáutica Geraldo
Corrêa de Lyra Junior tornou-se conselheiro da companhia de energia Copel. No
currículo, a informação mais saliente era ter sido piloto do avião presidencial
nos governos de Lula e de Dilma Rousseff. Para a metalúrgica Tupi, o PT indicou
os ministros Carlos Lupi (Previdência), Anielle
Franco (Igualdade Racial) e Vinícius de Carvalho (Controladoria-Geral
da União). Não é do conhecimento público a competência técnica dos três nesse
segmento da economia. Nem o governo tenta esconder que a motivação é elevar os
ganhos do primeiro escalão. A remuneração anual mais modesta no conselho da
Tupi em 2023 foi de R$ 546 mil, segundo reportagem do GLOBO. Para os
beneficiados, é um dinheiro que só depende da permanência no governo. Para a
empresa, é uma oportunidade desperdiçada.
A motivação pecuniária nem é a pior. O
governo também indica nomes para Conselhos com a intenção de influir na gestão
das empresas. Não faz sentido acreditar que seus representantes são os mais
indicados para pensar estrategicamente sobre o futuro de algumas das empresas
mais relevantes do Brasil, como JBS, Vale, Bradesco, Itaú, Natura, Gerdau,
Embraer, Vibra ou Renner. A cada quatro anos, os ventos que sopram de Brasília
podem mudar de rumo — e as empresas e a economia arcam com as consequências.
Tudo poderia ser diferente — e já foi. No
governo Michel Temer, o BNDES passou a indicar como conselheiros profissionais
independentes, com reconhecido conhecimento na área de atuação da empresa, sem
ligação com o governo. Não durou muito. Assim que o PT voltou ao poder, o banco
voltou a indicar nomes alinhados com o partido. O mesmo comportamento se repete
em fundos de pensão, suscetíveis aos desmandos do governo. Não é com o modelo
de capitalismo paraestatal que o Brasil terá empresas de excelência internacional,
capazes de contribuir da melhor forma para o crescimento da economia.
Abandono de fábrica de vacina expõe falha de
gestão da Fiocruz
O Globo
Prometido por Lula há 16 anos, complexo já
consumiu R$ 1,2 bilhão, mas ainda está nas fundações
É lamentável constatar que o terreno onde
seria construída a maior e mais moderna fábrica de vacinas e medicamentos da
América Latina, prometida há 16 anos pelo governo do então (e hoje) presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, serve como pasto para gado. Do anunciado Complexo
Industrial de Biotecnologia em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, existem apenas as fundações dos mais de 40
prédios. O complexo não tem data para ser concluído e já consumiu cerca de R$
1,2 bilhão.
De acordo com relatórios do Tribunal de
Contas da União (TCU), que investiga o caso, a maior parte dos recursos foi
empregada na compra de equipamentos. Como mostrou reportagem do GLOBO, quando a
obra estava em fase de terraplenagem, em 2014, a Bio-Manguinhos, responsável
pela produção de vacinas da Fiocruz, importou 27 máquinas de grande porte, além
de quatro linhas de envase para a etapa final de produção das vacinas. Custaram
R$ 813 milhões, segundo números atualizados pelo TCU.
Desde 2018, os equipamentos estão
encaixotados num galpão na Baixada Fluminense, em área controlada pelo tráfico.
Estão inoperantes, mas geram despesa. Nos últimos três anos, a Fiocruz
autorizou pagamentos de R$ 14,3 milhões para aluguel do espaço. A garantia dos
fabricantes já expirou, segundo o TCU. Não se sabe em que condições estão as
máquinas.
A compra antecipada foi justificada como
precondição técnica para o desenvolvimento do projeto executivo da obra, uma
vez que haveria risco de incompatibilidade física, “comprometendo a instalação
e a operação do complexo”. O TCU não engoliu a justificativa e multou três
funcionários em R$ 50 mil. A punição é acertada, mas não repara os erros.
Em 2021, sem verba para tocar o projeto, a
Fiocruz habilitou um consórcio para concluí-lo por um modelo em que o governo
paga uma espécie de aluguel pela construção sob medida (built to suit, ou BTS).
Mas a obra não andou. Segundo o TCU, não houve execução contratual devido às
dificuldades do consórcio para captar recursos privados e financiar a operação.
Agora se discute se o projeto passará ao Orçamento federal. Estima-se que, para
concluir a fábrica, sejam necessários ao menos quatro anos e mais de R$ 5,4
bilhões, ou 4,5 vezes o que já foi gasto. Depois de mais de uma década, tudo
ainda é incerteza.
O episódio expõe mais uma vez a incúria no uso do dinheiro público e erros de gestão. A Fiocruz é uma instituição científica de excelência, mas falhou na execução do empreendimento, que nem saiu dos alicerces. A despeito do alto custo, o governo federal deveria se esforçar para concluir a fábrica. Não só porque já gastou, mas também por se tratar de projeto estratégico que traria mais autonomia. Na pandemia, viu-se quanto o Brasil ainda é dependente do exterior para produzir vacinas. Hoje, do jeito como está, o projeto só tem utilidade para o gado.
Mundo sob Trump tem menos crescimento e mais
inflação
Folha de S. Paulo
FMI aponta retração da atividade e preços
altos em meio à guerra comercial; no Brasil, dívida pública é fator de risco
Diante do aumento das tensões comerciais que
elevam incertezas e impactam decisões de consumo e investimento, o Fundo
Monetário Internacional (FMI) revisou
para baixo as projeções para o crescimento econômico mundial neste
2025, de 3,3% para 2,8%, e em 2026, de 3,3% para 3%.
Se confirmados tais prognósticos, será o
menor ritmo de atividade desde a pandemia de Covid-19. A principal razão para o
pessimismo, obviamente, é a escalada da guerra
comercial deflagrada pelos Estados
Unidos sob a administração de Donald Trump.
As novas tarifas de importação, especialmente
contra artigos da China, desencadearam
retaliações, como restrições do gigante asiático à exportação de minerais
raros. Essa dinâmica ameaça as cadeias globais de suprimentos, altamente
integradas.
O FMI destaca que as tarifas representam um
choque negativo na oferta. Na realidade atual de produção integrada, os bens
intermediários cruzam fronteiras múltiplas vezes antes de se tornarem produtos
finais.
Perturbações setoriais podem se propagar
rapidamente, elevando custos para empresas e consumidores.
Instituições financeiras, por sua vez, reavaliam a oferta de crédito, temendo
exposição a um ambiente instável. O FMI estima que os riscos de uma recessão
global subiram de 17% para 30%, embora ainda descarte uma contração
generalizada.
Além do prejuízo na produção, os custos devem
se materializar em queda mais lenta da inflação, cuja
projeção foi elevada para 4,3% em 2025 e 3,6% em 2026, com aumentos notáveis
nos EUA (para 3% neste ano, ante 2% previstos anteriormente).
Há, contudo, certa esperança de acomodação
com a negociação de novos acordos comerciais entre Washington e outras regiões.
As tratativas, segundo a delegação americana no encontro semestral do Fundo,
estariam em andamento com vistas a reduzir o déficit comercial do país, hoje na
casa de US$ 1 trilhão anual.
Para uma solução sustentável, contudo, será
necessário agir em outras frentes e num espírito de cooperação, atributo hoje
escasso. No caso dos EUA, a redução do déficit fiscal é premente, mas ainda não
visível. Do mesmo modo, há ceticismo com os estímulos adotados para ampliar a
demanda interna nas regiões hoje superavitárias no comércio, caso da Alemanha e
da China.
Para o Brasil, o FMI revisou ligeiramente as
projeções de crescimento do PIB de 2,2%
para 2% em 2025 e 2026, em qualquer caso uma desaceleração em relação ao padrão
dos últimos anos.
Entre os gargalos apontados estão a inflação
persistente, estimada em 5,3% em 2025 e 4,3% em 2026, e o aumento
galopante da dívida pública. O momento exige cautela e o governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT)
deveria agir com essa premissa em mente. A insistência em medidas de expansão
de gastos será um erro que infelizmente o Planalto ainda demonstra minimizar.
Mágoas passadas não removem o Moinho
Folha de S. Paulo
Necessária, retirada de favela em SP impõe
superação de atritos entre governos e realocação adequada na própria região
Há um enclave indigno e de acesso único em
plena região central de São Paulo,
ladeado por trilhos e sob o risco de duas linhas férreas e do crime organizado,
onde se espremem cerca de 800 famílias que só recentemente tiveram acesso a
água encanada e esgoto.
A favela do
Moinho, erguida sobre os escombros de uma fábrica desativada, foi por mais de
30 anos cenário de incêndios e disputas por posse, além de retrato mais
evidente do déficit habitacional da metrópole.
Por tudo isso, a remoção de seus residentes
para moradias minimamente apropriadas se faz necessária e urgente. Um novo
plano em curso —outras autoridades naufragaram em tentativas ao longo das
décadas— está sendo tocado pelo governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos).
Nele prevê-se a desocupação gradual para
unidades já existentes e outras ainda a serem construídas, inclusive com a
possibilidade de financiamento no mercado privado, cobertura de gastos com a
mudança das famílias, indenização
a comerciantes e apoio temporário com repasse de auxílio aluguel
—estes dois últimos em parceria com a prefeitura.
O governo paulista afirma que o modelo
proposto tem o aval de quase 90% da comunidade. Algumas famílias já começaram a
deixar o local, mas muitas estão apreensivas com a presença da Polícia
Militar, o receio de um eventual despejo diante de recusas ao acordo e
suposta pressão para aceitar imóveis em regiões distantes e com valores acima
de sua capacidade financeira.
Representantes da gestão refutam tais
alegações, além das críticas de que a real motivação do governo seria a
valorização imobiliária no entorno do futuro
centro administrativo estadual, ambicioso projeto que deverá receber a nova
sede do Bandeirantes.
Os imbróglios não param por aí. A gestão
Tarcísio cobra
apoio mais efetivo do governo federal (inclusive financeiro), já que a
favela está situada em um terreno da União. A intenção é obter a cessão
gratuita do espaço para a construção de um parque e de uma estação de trem.
Já o governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) condiciona
seu envolvimento a garantias de que o reassentamento ocorra sob vontade dos
moradores, além de exigir detalhes "sobre o endereço efetivo e prazo de
entrega das unidades".
O fim da ocupação do Moinho, única favela no
centro, demanda que os três níveis da Federação demonstrem espírito público
acima de rivalidades políticas na recuperação da área, a observar os direitos
dos moradores e os recursos dos contribuintes.
A boa procrastinação
O Estado de S. Paulo
Em circunstâncias normais, PL da Anistia nem
sequer deveria ser discutido. Mas, como não vivemos tempos normais, Hugo Motta
acerta ao tentar esfriar o tema antes de enterrá-lo de vez
Conta-se que Santo Expedito sonhou com um
corvo que gritava “cras”, isto é, “amanhã” em latim, no que se tornou o símbolo
da procrastinação que só interessava ao diabo – e Santo Expedito se tornou
então o santo das causas urgentes. Pois hoje, em Brasília, a causa mais urgente
é justamente procrastinar, quando se trata do famigerado projeto de lei que
anistia os golpistas bolsonaristas. É o que faz bravamente o presidente da
Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Motta avançou mais uma etapa em seu esforço
de dar ao projeto de anistia o destino que lhe cabe: o esquecimento. O deputado
informou que o Colégio de Líderes da Câmara decidiu adiar a análise do
requerimento de urgência do projeto. Na costura política liderada por Motta, a
maioria dos partidos se manifestou contra acelerar a tramitação neste momento.
Isolados, por ora, somente o PL e o Novo defenderam a discussão imediata.
Foi do PL a iniciativa de protocolar, há
alguns dias, o requerimento que pede urgência na tramitação do projeto, com a
subscrição de 262 parlamentares. Se eventualmente for aprovado, o pedido abre
caminho para que a proposta seja votada direto no plenário, sem precisar passar
pelas comissões temáticas da Câmara. Ainda que o presidente da Câmara não seja
obrigado a pautá-lo, o número de assinaturas é uma forma de demonstração do
apoio à matéria dentro da Casa legislativa. Com efeito, aumentou a pressão sobre
Hugo Motta para fazê-lo, ao que ele vem resistindo.
Em circunstâncias normais, porém, o projeto
nem sequer deveria ser discutido por gente séria, muito menos ser objeto de
negociação entre partidos. Não só a maioria dos brasileiros é contra a anistia,
como há problemas mais urgentes a tratar. O projeto é também uma afronta ao
Judiciário, por ignorar um julgamento que nem sequer terminou no Supremo
Tribunal Federal.
Ocorre que estamos longe de viver em
circunstâncias normais. A disfuncionalidade das instituições, a recorrência das
votações polarizadoras no Congresso, o fantasma do extremismo e a gravidade dos
delitos cometidos pelos golpistas se somam à tentativa do ex-presidente Jair
Bolsonaro de capturar o tema da anistia em benefício próprio, dando sobrevida à
tese delirante de que ele é um perseguido político e que ainda poderá concorrer
à Presidência da República.
Equilibrando-se entre essas pressões e
circunstâncias, o deputado Hugo Motta parece ser o homem certo no lugar certo
para esses tempos turvos: pertence a um grupo político que tem sido o fiel da
balança entre o lulopetismo e o bolsonarismo e reúne atributos e poderes
suficientes para fazer a mediação tanto entre governistas e oposicionistas como
entre a direita democrata e a direita extremista e liberticida. Não é um
equilíbrio trivial.
O presidente da Câmara sabe que a sociedade,
em sua maioria, não compartilha do desejo de absolvição sumária para aqueles
que atentaram contra as instituições democráticas. Sabe, por outro lado, que
não pode simplesmente dar um cavalo de pau e enterrar o PL da noite para o dia
– como deveria fazê-lo, insista-se, fossem normais as circunstâncias. Sua
negociação com o Colégio de Líderes tem a exata medida do realismo: numa ponta,
esfria-se o tema; em outra, negocia-se uma proposta que escape de um mal maior,
isto é, a anistia irrestrita.
Antes que os oportunistas de ocasião se
aproveitem, convém deixar muito claro: o PL da Anistia – na forma como está ou
com qualquer alívio seletivo, fruto de negociação política na Câmara – é uma
iniciativa desarrazoada e inconcebível. Seu único objetivo é reabilitar
politicamente Jair Bolsonaro e dar sobrevida a um movimento radicalmente
antidemocrático que nunca quis o bem do Brasil. Não à toa, apesar da campanha
de grupelhos em seu favor, jamais chegou perto de ser uma agenda de interesse
nacional.
Mas o barulho dos bolsonaristas impede que o
projeto tenha, o quanto antes, o destino que merece. Assim, faz sentido que
haja uma articulação entre Executivo, Legislativo e Judiciário para entregar
alguns anéis, isto é, atenuar algumas penas de vândalos golpistas do 8 de
Janeiro, para preservar os dedos, mandando para a cadeia, por um bom tempo, os
articuladores e líderes da intentona bolsonarista.
Drible na transparência
O Estado de S. Paulo
Em meio a debate sobre supersalários,
‘jabuti’ em projeto que pune de forma mais dura quem atenta contra juízes e
membros do MP pode esconder valor de contracheques desses servidores
O Congresso aprovou um projeto de lei que
poderá dificultar aos cidadãos o acesso a informações dos contracheques de
magistrados e membros do Ministério Público (MP), numa evidente afronta à
transparência. Mas não só isso. A proposta pode dar margem à violação do
princípio da igualdade, segundo o qual todos são iguais perante a lei, ao
garantir a juízes, promotores e procuradores um tratamento diferenciado em
relação ao resto da sociedade.
Esse projeto chancelado por deputados e
senadores altera um dispositivo da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
(LGPD), que passa a prever que a divulgação de “dados pessoais” dessas
autoridades “sempre” leve “em consideração o risco inerente ao desempenho de
suas atribuições”. Na prática, pode permitir que dados públicos sobre salários
desses servidores sejam omitidos, num contexto de discussão sobre supersalários
do Judiciário.
Para o presidente da Associação Nacional dos
Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta, “o que interessa para a
sociedade é saber a folha de pagamento”, e “não necessariamente se em um mês o
juiz A ou B ganhou mais ou menos”. Já a Associação dos Magistrados Brasileiros
(AMB) afirmou que o objetivo da medida, além de preservar a intimidade, é
“resguardar a integridade física e a segurança dos juízes, que, com frequência,
atuam sob ameaça de morte”.
Não se sabe muito bem por que razão “o juiz A
ou B” seria um alvo de criminosos uma vez divulgados seus salários. Se
magistrados correm algum risco, é como consequência de seu trabalho, que muitas
vezes envolve casos protagonizados por perigosos delinquentes e organizações
criminosas, e não porque “ganham mais ou menos”. Por isso, e também porque nem
todo magistrado lida com casos assim, não se pode condenar quem veja na manobra
uma maneira de impedir que a sociedade saiba que “o juiz A ou B” está ganhando mais
do que prevê a Constituição.
Os congressistas já tinham ciência desse
alerta quando aprovaram essa proposta, inserida num projeto de matéria penal
que discutia tornar hediondos os crimes de homicídio e lesão corporal contra
magistrados, promotores e procuradores e que nada tinha a ver com a proteção de
dados. Trata-se de um “jabuti”, que, no jargão político, significa que um
dispositivo sem relação com o texto principal foi inserido no projeto.
Essa manobra foi rejeitada pela Autoridade
Nacional de Proteção de Dados (ANPD), a agência que fiscaliza o cumprimento da
LGPD, durante a tramitação do projeto. Em nota técnica, o órgão afirmou que a
regra é “demasiadamente” restrita a uma parcela da população, “diminuindo,
assim, o caráter geral e abstrato da lei”, que já confere igual proteção a todo
e qualquer titular de dados pessoais.
A ANPD argumentou ainda que “a lógica de
privilegiar determinados grupos do poder público” não deveria ir adiante por
ser incompatível com a LGPD, “além de se revelar medida não isonômica,
excludente, que segrega titulares de dados pessoais pelo seu ofício”. Por tudo
isso, o órgão afirmou que vai recomendar ao presidente Lula da Silva que vete o
projeto. É o que também esperamos.
É graças aos mecanismos de transparência que
o brasileiro toma ciência de que no fim do ano ocorre a “dezembrada”, quando um
integrante de carreira jurídica pode ganhar até R$ 700 mil por mês. É um valor
que extrapola o atual teto constitucional, de R$ 46.366,19, em virtude da
profusão de penduricalhos autoconcedidos por decisões administrativas de
conselhos superiores da magistratura e do Ministério Público.
Sob variadas justificativas dos membros
dessas carreiras, como um suposto excesso de trabalho ou um alegado risco à
segurança, a lei parece não alcançar essas autoridades. E esse recente projeto
de lei é só um sintoma da disfuncionalidade de um sistema de Justiça cujos
membros se julgam acima da lei que deveriam ser os primeiros a cumprir. Talvez
magistrados, promotores e procuradores tenham se esquecido de que o Brasil é
uma república e creiam piamente viver numa paralela “monarquia da toga”.
O resultado do protecionismo
O Estado de S. Paulo
Economia fechada põe o Brasil na lanterna de
ranking de competitividade com 18 países
O Brasil ficou em último lugar no mais
recente ranking de competitividade industrial da Confederação Nacional da
Indústria (CNI), antecipado pelo Estadão/Broadcast. O levantamento
comparou 18 nações das Américas, Europa e Ásia que disputam os mesmos mercados
de exportação e importação e têm um conjunto de produção relativamente
semelhante. Os cinco países da América do Sul listados ocuparam as posições
finais, pela ordem: Chile, Argentina, Colômbia, Peru e Brasil.
No relatório Competitividade Brasil –
2023/2024, a mais recente versão do levantamento realizado desde 2010, houve
mudanças metodológicas em relação a rankings anteriores, buscando privilegiar
similaridades na comparação entre as economias concorrentes. Mas o fato é que o
País, que nunca saiu do terço inferior da classificação, desta vez caiu para a
lanterna.
Mais do que apontar fragilidades nacionais em
importantes fatores que ditam a concorrência internacional, como qualificação
da mão de obra, ambientes macroeconômico e de negócios, educação, tributação,
condições de financiamento, infraestrutura e logística, o levantamento da CNI
atesta o resultado de décadas de protecionismo da economia brasileira – uma
fórmula arcaica ainda em uso no País para proteger uma indústria que, assim, se
acomoda e se torna menos competitiva.
Edições anteriores da pesquisa, disponíveis
na internet a partir do levantamento de 2016, mostram a competitividade
brasileira em 17.º lugar até o período 2021/2022, quando subiu uma posição,
beneficiada pela melhora do ambiente de negócios – registrado em mais de uma
edição – e ganhos em financiamento e tributação. Na pesquisa atual, o ambiente
econômico, aliado ao desenvolvimento humano e trabalho e à educação, foram os
três principais fatores, entre os oito analisados, a puxar o Brasil para o fim
da fila.
A questão, porém, vai muito além da disputa
pelas últimas colocações. É necessário abandonar de vez a “zona de
rebaixamento” e ingressar ao menos no grupo intermediário da competição, onde
está a Índia, que tem elevado sua competitividade a partir de políticas de
abertura da economia. O estudo destaca que a Índia ainda amarga as piores
posições em seis dos oito fatores considerados, mas o quarto lugar em “comércio
e integração internacional” garantiu ao país no cômputo geral a 12.ª colocação.
Como diz o documento da CNI, mensurar a
competitividade do país é um importante passo para direcionar a formulação de
políticas públicas e estratégias de desenvolvimento. Mas, para além do
diagnóstico, é preciso que o Brasil repense o próprio modelo de desenvolvimento,
excessivamente voltado a salvaguardar a produção local, mirando
prioritariamente o consumo interno.
Por esse tipo de pensamento, ainda figuramos com frequência em listas das economias mais fechadas do mundo. O Brasil se acostumou a buscar soluções em políticas de subsídios e barreiras alfandegárias que deveriam ser usadas em caráter excepcional, mas se transformaram em regra.
COP30
sob risco de esvaziamento
Correio
Braziliense
Brasil
e ONU reiteram o alerta sobre a urgência climática e reforçam a necessidade de
os países acelerarem as medidas de contenção do aquecimento global
Faltando
cerca de 200 dias para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança
Climática, a COP30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o secretário-geral
da ONU, António Guterres, reiteraram o alerta sobre a urgência climática. Na
última quarta-feira, o chefe do governo brasileiro e o dirigente do órgão
máximo do multilateralismo reforçaram a necessidade de os países acelerarem as
medidas de contenção do aquecimento global. E cobraram uma participação maior
dos países desenvolvidos, que têm responsabilidade direta no desequilíbrio
ambiental que ameaça formar um cenário sem precedentes na era moderna.
Entre
as várias ações pendentes para a Cúpula em Belém, está a definição das
Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), a parcela de esforço de cada
país em favor da sustentabilidade. Até aqui, apenas 10% das nações envolvidas
nas negociações apresentaram esse percentual. As NDCs deveriam ter sido
definidas em fevereiro, mas o prazo foi estendido para setembro. O Brasil
anunciou a sua meta no ano passado, na COP29, realizada no Azerbaijão: reduzir
67% de emissões de gases de efeito estufa até 2035.
Lula
e Guterres conduziram a Cúpula Virtual sobre Ambição Climática. No discurso de
abertura, o presidente mencionou algumas das previsões sombrias amplamente
divulgadas pela comunidade científica. Disse que o aquecimento global está
ocorrendo em uma velocidade maior do que o previsto; que a temperatura média da
Terra ultrapassou pela primeira vez, em 2024, o limite crítico de 1,5ºC acima
dos níveis anteriores à Revolução Industrial; que a Amazônia enfrentou a maior
seca da história no ano passado; e que a degradação ambiental está provocando
fenômenos devastadores, como o branqueamento massivo de corais nos
oceanos.
"Negar
a crise climática não vai fazê-la desaparecer", advertiu Lula. Ainda é
incerto, porém, se a mensagem do governante brasileiro terá a repercussão
necessária para induzir um movimento global em favor da sustentabilidade. É
verdade que economias relevantes, como China e União Europeia, participaram da
Cúpula Virtual, em um gesto de sensibilidade aos apelos em favor do meio
ambiente. Mas o impasse permanece, e ele é de caráter financeiro: é preciso
buscar um consenso para que US$ 1,3 trilhão sejam investidos anualmente até
2035 a fim de evitar o colapso global.
Essa
equação tem se tornado cada vez mais difícil, especialmente quando os Estados
Unidos, o segundo país emissor de gases de efeito estufa, passam por uma
reviravolta com o governo Trump. O chefe da Casa Branca já deixou claro que
pretende dar prioridade à produção de combustíveis fósseis e esvaziar
iniciativas para energias renováveis. Em janeiro, Trump abandonou, pela segunda
vez, o Acordo Climático de Paris. As perspectivas, como se vê, são
pessimistas.
Como ressaltou Lula, os países que enriqueceram na "economia do carbono" precisam se engajar firmemente no enfrentamento da crise climática. Do contrário, a Cúpula de Belém corre o risco de cair no esvaziamento.
O fim da era Francisco
O Povo
A Praça de São Pedro, no Vaticano, que reunia
milhares de fiéis a cada domingo, esperando pela mensagem e pelo aceno do papa
Francisco, foi a mesma que congregou uma multidão de pessoas nesse sábado,
26/4, para prestar a última homenagem ao pontífice. Calcula-se que mais de 250
mil pessoas estiveram na Praça se despedindo do papa.
De lá, após a cerimônia com a Missa das
Exéquias, o caixão com o corpo do papa foi levado até a Basílica de Santa Maria
Maior, onde foi sepultado. A celebração foi conduzida pelo cardeal italiano
Giovanni Battista Re, decano do Colégio dos Cardeais. Além da multidão na
praça, dezenas de chefes de Estado, inclusive o presidente brasileiro Luiz
Inácio Lula da Silva, participaram da cerimônia. A presença unida de vários
líderes políticos, de posicionamentos divergentes, demonstra, além da liturgia
institucional do cargo, que o papa tentou, em todo o seu mandato, promover a
paz, combater as guerras e unir os povos.
O encontro das autoridades com pensamentos
até contraditórios politicamente, em meio a guerras que ora ocorrem em lugares
diversos do mundo, é um retrato representativo da promoção da paz pela qual o
papa tanto lutou. A imagem do encontro reservado do presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na
Basílica de São Pedro, pouco antes da cerimônia, é um registro marcante desse
cenário. Nas redes sociais, Zelensky afirmou que essa reunião, ali no Vaticano,
próximo do corpo do papa, foi "muito simbólica" e "tem potencial
para se tornar histórica".
É mais uma prova de que o papa cumpriu sua
missão evangélica até quando foi possível. E mesmo ali, quando parecia que não
havia mais nada a fazer. Dialoga com o que disse o médico Sergio Alfieri, chefe
da equipe médica que cuidava de Francisco: "Sabíamos que ele queria ir
para casa para ser papa até o último momento. E ele não nos decepcionou".
O ritual desse sábado crava o fim da era
Francisco, um período de 12 anos marcado pela abertura maior da Igreja a
assuntos sensíveis, pelo diálogo do pontífice com líderes políticos de opiniões
diversas e pelo posicionamento mais humanitário vindo de um chefe da Igreja.
Não foi, porém, um caminho fácil. O papa foi criticado por vários setores mais
conservadores da Igreja e não hesitou. Manteve o diálogo, inclusive se
aproximando mais das pessoas, dos leigos em geral, expondo uma figura com
defesa firme de certos pontos, mas com uma ternura sem igual.
Ao fim, Francisco foi sepultado com sapatos
gastos, um par daqueles que o acompanharam em muitas missões. Nesse gesto
aparentemente simples, mas radicalmente humilde, o papa expôs o seu
pontificado. Ali são os sapatos que abraçaram os pés que visitaram palácios,
castelos e embaixadas, mas, sobretudo, igrejas, favelas, presídios e hospitais.
Ali há uma marca de pegadas de quem viveu o papado a abraçar o sofredor e
acolher o angustiado.
A despedida de Francisco cumpriu os ritos
habituais da Igreja, com um cerimonial cuidadoso e respeitoso. Mas a pedido
dele em vida, não houve requinte. O papa que quis a Igreja de portas abertas e
muros derrubados viveu o Evangelho de Cristo até seu momento final.
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