O Globo
As últimas grandes roubalheiras nacionais, o
“mensalão” e o “petrolão”, gravitavam em torno do dinheiro da Viúva e, de certa
forma, ocorriam no andar de cima. Já a fraude da rede varejista Americanas
poupava a Viúva, mas era coisa de maganos. Desta vez, graças à
Controladoria-Geral da União e à Polícia Federal, descobriu-se que quadrilhas
aninhadas em 11 entidades estavam roubando os aposentados do INSS.
Todo mês, tungavam coisa de R$ 50 de milhões
de aposentados, gente que recebe, na média, R$ 4 mil. As quadrilhas conseguiram
do INSS os dados pessoais das vítimas e fraudaram autorizações para os
descontos.
A roubalheira contra os aposentados do andar de baixo envolveu um ervanário que vai a R$ 6,3 bilhões, mas só o prosseguimento das investigações chegará ao montante exato da tunga. Uma auditoria feita pelo TCU nas contas de um só ano já estimou o desvio em R$ 1,55 bilhão.
Uma pesquisa feita pela CGU junto de 1.300
aposentados mostrou que 97% não haviam autorizado os descontos. Mais: 70% de 29
entidades investigadas haviam sido credenciadas pelo INSS sem apresentar a
devida documentação.
Num primeiro lance, na quarta-feira, 700
policiais federais e 60 servidores do INSS cumpriram 211 mandados de busca e
apreensão em 13 estados e Brasília, prenderam três pessoas e sequestraram mais
de R$ 1 bilhão em bens e dinheiro, inclusive uma Ferrari e um Porsche. Fala-se
até num Rolls Royce. Para felicidade geral, o diretor da PF, Andrei Passos
Rodrigues, anunciou que a operação da semana passada é apenas “uma investigação
que está no seu começo”.
A reação (tardia) do governo foi puramente
marqueteira, arruinada pelo desassombro do ministro da Previdência, doutor
Carlos Lupi. Naquela manhã, ele garantiu, durante uma entrevista coletiva: “A
indicação do doutor Stefanutto é da minha inteira responsabilidade”. Alessandro
Stefanutto, presidente do INSS, foi demitido horas depois.
Lula e Lupi são adultos e sabem o que estão
fazendo. Há anos tratam do INSS com a opção preferencial pela empulhação. Lupi
prometeu zerar a fila da Previdência até o final de 2023 e hoje ela já passou
dos dois milhões de vítimas.
A coletiva dos ministros destinava-se a
mostrar que haviam sido desbaratadas quadrilhas cevadas pelo governo anterior.
Pelas cifras e pelas datas, a história parece ser outra.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, a tunga
passou de R$ 604 milhões para R$ 706,2 milhões. Com Lula 3.0 ela pulou de R$
1,3 bilhão para R$ 2,6 bilhão. A repórter Maria Cristina Fernandes mostrou que
em agosto de 2023 já haviam chegado à Câmara dos Deputados denúncias de
descontos indevidos, e o deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-PB) alertou o
Tribunal de Contas da União. Portanto, em agosto de 2023 o governo soube que os
aposentados estavam sendo roubados.
Entre 2023 e abril de 2025, o INSS e o
Ministério da Previdência fizeram coisa nenhuma. Suspenderam os repasses para
logo depois retomá-los. A Dataprev recomendou que se usasse a biometria para
registrar a autorização dos descontos. Não foi ouvida.
Dona Josefa e a Ambec
Entre a manhã e a tarde de quarta-feira, o
governo simulou uma ação coordenada para proteger os aposentados que vinham
sendo roubados. Mostrou alguma surpresa e informou que pretende ajudar no
ressarcimento dos lesados. Fica combinado assim.
Em dezembro de 2023, o repórter Luiz Vassalo
publicou o caso de Josefa Brito, de 74 anos, moradora no extremo Sul de São
Paulo. Ela brigava na Justiça para receber de volta seu dinheiro, tungado pela
Ambec.
Tomavam-lhe R$ 45 a cada mês.
Ela contou: “Eu procurei a Justiça porque eu
fui ao INSS e me mostraram lá que a Ambec estava descontando. É pouco, mas me
faz falta. E eu não autorizei desconto nenhum. Como que pode descontar na sua
aposentadoria uma coisa que você não autoriza? O aposentado ganha pouco, não dá
nem para comprar medicamento.”
Josefa estava num grupo de 600 pessoas que
processava a Ambec. Àquela altura, corriam 2,3 mil ações contra a entidade.
A Ambec atende pelo bonito nome de Associação
dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos. Segundo o TCU, em
dezembro de 2021 ela tinha três associados, um ano depois (governo Lula 3.0)
eles eram 600 mil e sua arrecadação ficou em R$ 91 milhões.
A CGU listou o empresário Maurício Camisotti
como “figura central” da Ambec. Só o prosseguimento da investigação poderá
detalhar suas conexões com a rede de negócios da entidade. Por enquanto,
sabe-se que seis parentes seus estavam na Ambec ou tinham tratos com ela. O
juiz Massimo Palazzolo, da 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo, viu “fundadas
razões” para suspender suas operações com o INSS e bloquear até R$ 174 milhões
da entidade e de outras quatro empresas que com ela operavam.
O irmão de Lula no Sindnapi
As quadrilhas que tungavam os aposentados
tiveram a ajuda da inércia de um braço do governo e do acesso aos dados
pessoais das vítimas. Horas depois da ruinosa fala do ministro Lupi, veio outra
surpresa: José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão mais velho de Lula, de 83
anos, é o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e
Idosos do Brasil (Sindnapi), uma das entidades listadas na investigação.
Lula teve pelo menos 17 irmãos (sete do
casamento de Lindu, sua mãe) e já completou dez anos como presidente do Brasil.
Todos seus irmãos viveram ou vivem modestamente.
Foi Frei Chico quem o atraiu para a vida
sindical, da qual catapultou-se para a política. Como vice-presidente do
Sindnapi, acima dele só está Milton Baptista de Souza Filho, conhecido como
Milton Cavalo, nomeado por Carlos Lupi há duas semanas para o Conselho Nacional
da Previdência Social.
O comissariado de Lula 3.0 vive assombrado
pela reforma trabalhista de Michel Temer feita em 2017. Ela desossou as
finanças dos sindicatos ao extinguir o Imposto Sindical, pelo qual o
trabalhador contribuía com um dia de salário a cada ano. Desde então, a máquina
sindical busca arrecadar por meio do que chamam de “contribuição”. O Supremo
Tribunal considerou constitucional o desconto desse mimo na folha de pagamento
dos trabalhadores, sindicalizados ou não. Seria uma remuneração por serviços
prestados pelos sindicatos. Como há sindicatos que não prestam serviço algum,
legalizaram-se centenas de tungas coletivas.
No caso da roubalheira contra os aposentados,
as quadrilhas foram direto ao crime, fraudando até mesmo as assinaturas das
vítimas.
Ócio
Nos próximos quatro domingos o signatário fará o que fizeram o Ministério da Previdência e o INSS enquanto roubavam o dinheiro dos aposentados: nada.
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