Correio Braziliense
Ex-presidente é apontado pelo Ministério
Público como o centro do esquema golpista, com base na delação do tenente
coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens
O depoimento de Jair Bolsonaro, nesta terça-feira, no julgamento que apura sua responsabilidade na tentativa de golpe de Estado foi pautado pela naturalização dos atos golpistas nos quais esteve envolvido e pela politização da ação penal. O ex-presidente aproveitou a transmissão ao vivo da sessão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) para enaltecer o seu governo. Elogiou seu ministério "excepcional", disse que levou água para o Nordeste, dobrou o valor do Bolsa Família, criou o Pix e entregou o Porto de Santos e Itaipu Binacional com superavit. "Quando a gente começa a tapar os ralos da corrupção, aparecem as inimizades", ironizou.
Descontraído, Bolsonaro convidou o ministro
Alexandre de Moraes para ser seu vice-presidente em 2026. O ex-presidente
falava de suas viagens pelo país e anunciou que pretende ir ao Rio Grande do
Norte na próxima semana. Nesse momento, perguntou a Moraes se queria que lhe
enviasse as imagens da viagem, e o ministro declinou, laconicamente. Bolsonaro
então perguntou se poderia fazer uma brincadeira com Moraes, e o ministro
sugeriu que perguntasse aos seus advogados antes. Foi aí que Bolsonaro convidou
Moraes "para ser meu vice em 2026". Rindo, Moraes respondeu: "Eu
declino novamente".
O depoimento transcorreu com tranquilidade,
mesmo quando inquirido mais incisivamente por Moraes. Bolsonaro sustentou que
se manteve na legalidade: "Sempre joguei nas quatro linhas da
Constituição". Mais uma vez, afirmou que sofreu perseguição do STF, que o
teria impedido de governar, de baixar preços de combustíveis. Minimizou suas
suspeitas de fraude em relação às urnas eletrônicas: "Não é algo privativo
meu". Disse que o ministro Flávio Dino e Carlos Lupi também questionam as
urnas eletrônicas brasileiras. Pediu para passar um vídeo de Dino, mas isso não
foi permitido por Moraes.
Para justificar seus ataques à urna
eletrônica, Bolsonaro alegou que o ex-secretário de Tecnologia da Informação do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Giuseppe Janino entrou no sistema pela senha
do ministro do TSE Sérgio Banhos, o que o fez se preocupar com a segurança dos
sistemas da Justiça Eleitoral. Sobre as acusações que fez durante uma reunião
ministerial, de que os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin teriam
recebido R$ 30 milhões, e Moraes, R$ 50 milhões, Bolsonaro disse que falou de
forma retórica e pediu desculpas, porque ele não tinha indícios que os
magistrados receberam esses valores.
Na condição de réu, foi o primeiro depoimento
de Bolsonaro sobre a tentativa de golpe, o sexto interrogado do chamado
"núcleo duro" da trama golpista. Como era de se esperar, negou
categoricamente qualquer tentativa de golpe. Disse que nunca cogitou ações
extremas como estado de defesa ou sítio; rebateu relatos de interferência
militar, dizendo nunca ter sido avisado de prisão por generais, e que "as
Forças Armadas sempre primaram pela disciplina". Ao insistir que teria
respeitado os limites constitucionais, admitiu diálogos com militares, mas
dentro do que ele considerou constitucional. O tempo todo manteve postura
altiva e evitou autoincriminação.
Palanque político
Bolsonaro é apontado pelo Ministério Público
Federal (MPF) como o centro do esquema golpista, com base na delação do
tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, que relata ter
presenciado Bolsonaro revisar a chamada minuta do decreto para anular o
resultado eleitoral e que se recusou a deter manifestações pró-intervenção
militar. O ex-presidente contesta e diz que agiu conforme a lei.
Não basta ao tribunal a delação de Mauro Cid,
é preciso avaliar provas materiais de seu envolvimento nos atos golpistas:
documentos, gravações e mensagens. O seu depoimento mostrou o que já era de se
esperar: o julgamento será um palanque político para o ex-presidente, sobretudo
se avançar no tempo em direção a 2026. Por essa razão, Moraes pisou no
acelerador dos depoimentos, como ficou claro desde segunda feira, quando os
depoimentos avançaram noite adentro.
Embora inelegível até 2030, Bolsonaro segue
sendo um grande ator político e dá como favas contadas a derrota do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva no próximo ano. A chave da estratégia de Bolsonaro é
combinar a negação técnica das acusações, refutando o tempo todo ter falado em
golpe, com a vitimização, na qual minimiza os fatos e alega perseguição
política.
A aposta da defesa de Bolsonaro é a falta de
provas robustas sobre o envolvimento direto do ex-presidente na tentativa de
golpe. Essa tese foi a mesma apresentada pelos demais réus, que também
minimizaram os fatos. Entretanto, Bolsonaro e seus ex-ministros enfrentam uma
acusação estruturada, com delações, provas documentais e relatos de
testemunhas.
Resumindo a ópera, Bolsonaro negou qualquer
envolvimento em plano golpista, disse que não discutiu medidas como estado de
sítio ou defesa e que nunca autorizou nenhum tipo de movimento antidemocrático.
Tentou construir a imagem de que teria atuado dentro da legalidade
constitucional, ainda que em diálogo constante com militares. Transformou parte
do depoimento em discurso político, o que foi interpretado por analistas como
tentativa de mobilizar sua base eleitoral mesmo no ambiente judicial.
Confronta, porém, as acusações do MPF, de que
editou minutas de decreto para intervir no resultado eleitoral; reuniu
comandantes militares para tentar apoio à ação golpista; e tinha conhecimento
de manifestações golpistas e não agiu para contê-las.
Nenhum comentário:
Postar um comentário