quarta-feira, 11 de junho de 2025

Trump não é um ator de boa-fé - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Presidente se vale de falso pretexto para intervir na Califórnia e com isso viola usos e costumes da democracia americana

Destruir a democracia americana não é tarefa simples, mas Donald Trump está se esforçando. A decisão de enviar tropas sob comando federal para reprimir protestos em Los Angeles, sem pedido das autoridades locais, viola, talvez não a letra, mas certamente o espírito de leis e tradições políticas norte-americanas.

Os Estados Unidos têm disposições para evitar que autoridades concentrem muito poder, especialmente o poder de polícia, e dele abusem. O comando sobre forças que portam armas é dividido entre vários atores, de prefeitos ao presidente. O governo federal está em princípio proibido de utilizar militares da ativa em repressão interna.

Mas, como é sempre possível imaginar situações extraordinárias, nas quais seria necessário empregar as Forças Armadas internamente, a mesma legislação que cria o veto prevê exceções.

E isso nos leva ao que provavelmente é a questão mais crítica do Estado de Direito, que é a de estabelecer quando uma situação se torna excepcional e justifica medidas extraordinárias. O problema é difícil porque não dá para codificar a priori o que torna uma situação excepcional. A decisão é necessariamente caso a caso.

Assim, um agente de má-fé sempre poderá alegar que está diante de uma situação excepcional e abusar do poder. O Estado de Direito só se realiza quando os principais atores agem de boa-fé, respeitando não só as normas escritas, a letra da lei, mas também as não escritas, que asseguram que seu espírito seja preservado.

Como observaram Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, democracias começam a morrer quando governantes perdem o pudor em recorrer a "constitutional hardballs", isto é, a procedimentos não expressamente proibidos, mas que forçam os limites da legalidade, com o objetivo de ampliar o próprio poder.

Trump viu em protestos ordinários uma ameaça de insurreição e utilizou esse pretexto para intervir na Califórnia, rompendo uma das mais reverenciadas tradições políticas dos EUA, que é a de respeitar o poder dos estados.

Trump não é um ator de boa-fé.

 

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