quarta-feira, 11 de junho de 2025

O caso Leo Lins e o risco do autoritarismo virtuoso – Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Mandar um comediante para a cadeia por arte degenerada não é um bom precedente democrático

Cresce hoje uma tendência preocupante: a disposição de negar direitos civis a quem consideramos moralmente inaceitável. O curioso é que esse impulso autoritário não é incompatível com crenças democráticas.

Como mostram décadas de pesquisa —inclusive o clássico estudo de Samuel Stouffer, "Communism, Conformity, and Civil Liberties"—, muitos que efetivamente valorizam a democracia não veem problema algum em negar a liberdade artística ou de expressão de indivíduos ou grupos percebidos —segundo os parâmetros de quem julga— como depravados, ameaçadores ou nocivos.

Ora, essa é justamente a definição mais consensual de intolerância política: a disposição de suprimir direitos civis e liberdades básicas a grupos e indivíduos cujas ideias e atitudes são vistas como ofensivas ou moralmente inaceitáveis. A intolerância se manifesta quando o compromisso com o pluralismo democrático, que exige o reconhecimento da legitimidade dos adversários, cede lugar à repulsa moral. E ela é situacional: os indivíduos tendem a ser tolerantes com grupos e pessoas que não desafiam seus valores centrais e intolerantes com os que os confrontam.

Esse impulso costuma se apoiar em disposições autoritárias, entendidas como inclinações psicológicas que incluem agressividade punitiva contra desviantes e desejo de ordem social —já mapeadas pelo livro de Adorno e colegas, "A Personalidade Autoritária", de 1950. O autoritarismo serve de base emocional e moral para a intolerância.

Ambos os traços aparecem tanto na esquerda quanto na direita. Progressistas aceitam mui facilmente a supressão de direitos civis de conservadores, religiosos tradicionais, homofóbicos ou misóginos; conservadores, por sua vez, miram comunistas, feministas radicais, movimentos LGBTQIA+ e vanguardas. A lista dos que não deveriam gozar dos mesmos direitos e garantias assegurados aos demais pode variar conforme a sensibilidade do grupo, da época e da conjuntura política —mas sempre há uma lista. O constante é que o apoio à liberdade de expressão é condicional: ele se mantém apenas enquanto não se trata de "párias morais".

Um dos achados mais perturbadores desses estudos é que, quando há suficiente consenso moral sobre a repugnância de um grupo ou indivíduo, cresce entre cidadãos comuns a aceitação de restrições de direitos e até de punições extremas. Todos viramos, como diz Lygia Maria, aldeões com tochas —dispostos a aplicar aos outros sanções que, em outros contextos e diante de outros grupos, consideraríamos inaceitáveis.

A intolerância, por isso mesmo, sempre é justificada moralmente. Os estudos revelam que o apelo à proteção de valores fundamentais ("proteger minorias ou crianças", "defender a nação", "evitar discurso de ódio") serve frequentemente como racionalização do excepcionalismo.

Essa lógica ajuda a entender o caso recente do comediante Leo Lins. Conhecido pelo humor negro —que atinge deficientes, negros, gordos, mulheres e LGBTQIA+—, Lins construiu sua persona pública como desafiante declarado da hegemonia progressista. Em maio, foi condenado em primeira instância a oito anos de prisão e multas milionárias. O crime: fazer piadas que foram interpretadas como "racismo" e "discurso de ódio".

Não se trata aqui de defender o deplorável humor de Lins. Trata-se de refletir sobre o precedente. O juiz que o condena acredita proteger minorias vulneráveis do preconceito veiculado pelas piadas do comediante —às quais se expõem, em espetáculos privados, apenas adultos conscientes do que Lins oferece e que certamente compartilham das premissas do seu humor. Adultos que não mudarão de posição na direção virtuosa apenas porque um humorista foi condenado por debochar de minorias e rir de vulneráveis.

O mais grave é que, ao fazer isso, o magistrado ignora um princípio elementar da vida democrática: a liberdade de expressão não precisaria de proteção constitucional se servisse apenas a opiniões que não nos ofendem. O verdadeiro teste da tolerância é garantir direitos àqueles que desprezamos.

Além disso, como as democracias são campos em disputa, não há garantia de que o próximo alvo não seja o censor de hoje, uma vez que o moralismo intolerante pode trocar de mãos com facilidade. Há alguns anos, estávamos defendendo quadros da acusação de zoofilia, artistas da acusação de pedofilia, o governo da acusação de incentivo à homossexualidade e de corrupção de menores. Eis que hoje precisamos defender a ideia de que mandar para a cadeia um comediante por sua "arte degenerada" não é um bom precedente democrático.

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